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Por Rafael Lopes

Comentarista de automobilismo do Grupo Globo

Voando Baixo — Rio de Janeiro

Rui Vieira/PA Images via Getty Images

No dia 2 de março de 2023, o blog Voando Baixo foi o primeiro lugar a dar destaque para uma das mais graves - e bizarras - declarações de um dirigente que eu já vi na história do esporte. Em entrevista ao site alemão F1 Insider, Bernie Ecclestone resolveu ressuscitar o maior escândalo da história da categoria: o Singapuragate de 2008. E da pior maneira possível: cometendo um "sincericídio", o ex-chefe comercial da Fórmula 1 disse com todas as letras: tanto a Federação Internacional de Automobilismo (FIA), quanto a Formula One Management, empresa responsável pelo lado comercial da categoria e na época chefiada por ele, sabiam da armação engendrada por Flavio Briatore e executada por Nelsinho Piquet no GP de Singapura ainda em 2008. E que não teriam feito nada ainda naquele ano para "proteger a imagem da F1". Eis a declaração na íntegra:

- Max (Mosley, então presidente da Federação Internacional de Automobilismo (FIA) e eu fomos informados durante a temporada de 2008 sobre o que havia acontecido na corrida de Singapura. Nelsinho disse a seu pai que a equipe havia pedido para bater deliberadamente no muro e em um determinado momento para acionar o safety car e ajudar Alonso, seu companheiro de equipe. Decidimos não fazer nada na ocasião. Queríamos proteger o esporte e salvá-lo de um grande escândalo. Havia uma regra na época de que a classificação do campeonato mundial era intocável após a cerimônia de premiação da FIA no fim do ano. Então, Hamilton recebeu o troféu do Campeonato Mundial e tudo estava encerrado - disse Ecclestone.

Tá On: Rafael Lopes comenta processo de Felipe Massa sobre o Singapuragate

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Lembro de, no mesmo dia, ter falado com várias pessoas ligadas a Felipe Massa e com o próprio Felipe, que estava no Bahrein para a abertura da temporada 2023 da F1. Todos ficaram indignados com Ecclestone. Era a primeira vez que, em on (termo usado no jornalismo que significa on the record, ou seja, em uma entrevista), algum dirigente confirmava os boatos de que FIA e FOM sabiam do caso ainda em 2008. É verdade que os finados Max Mosley, ex-presidente da FIA, e Charlie Whiting, ex-diretor de provas, tinham falado por alto em outras ocasiões. Mas nenhum deles com a contundência que Ecclestone fez nesta entrevista ao F1 Insider. Tanto é que o ex-chefão da Fórmula 1 usa a famosa tática do factóide: ao perceber que "falou demais", soltou uma frase de efeito para tentar dominar a narrativa das manchetes. Quase deu certo. Quase.

Felipe Massa recebe a bandeirada da vitória do GP do Brasil de 2008, em Interlagos — Foto: Vanderlei Almeida/AFP via Getty Images

Massa anunciou, pouco tempo depois, que entraria na Justiça para buscar seus direitos. Assim o fez. E nesta semana, em entrevista exclusiva ao ge comandada por Bárbara Mendonça, Caio Maciel e PH Nascimento, confirmou que já recebeu respostas de FIA e FOM. Que o processo está andando. Claro que não abriu o jogo sobre os próximos passos, até por questões de estratégia. E fez questão de bater na tecla de que não busca uma reparação financeira pelo incidente - até porque não precisa disso. A luta do brasileiro é esportiva: por reparação histórica pelo que houve em 2008 e também para que nada semelhante aconteça de novo no esporte.

- A gente recebeu respostas tanto da F1 quanto da FIA, mas eu não consigo dizer. Não sou eu quem faz esse tipo de situação, mas a gente espera que as coisas aconteçam da maneira mais rápida possível. O maior perdedor dessa história, por uma manipulação, sem dúvidas fui eu. A gente tem que mostrar que isso foi errado, e que uma corrida roubada tem que ser cancelada. Estou aqui para mostrar que as coisas não aconteceram da maneira justa. Contratei profissionais do lado legal, de tantos países diferentes, para mostrar e lutar até o final. A justiça tem que ser feita pelo esporte - disse Felipe Massa ao ge.

Felipe Massa, em entrevista exclusiva ao ge, lamenta o Singapuragate na Fórmula 1 em 2008 — Foto: Reprodução

E quais serão os próximos passos?

Felipe Massa chora ao chegar ao parque fechado após vencer o GP do Brasil de 2008, em Interlagos — Foto: Clive Mason/Getty Images

Aqui vai um misto de informações que já venho apurando desde que o caso veio à tona com o conhecimento que tenho de Felipe Massa e de sua família. O brasileiro hoje é muito próximo de FIA e FOM: foi presidente da Comissão Internacional de Kart (CIK-FIA) nos últimos anos da gestão Jean Todt e presidente da comissão de pilotos da entidade até o início de 2023, já com Mohammed Ben Sulayem, quando entregou o cargo. Pela FOM, já na gestão Liberty Media e sob o comando de Stefano Domenicali, seu ex-chefe na Ferrari, o brasileiro se tornou "embaixador da Fórmula 1 em 2021. E essa ação sobre o Singapuragate-2008 ataca uma FIA comandada à época por Max Mosley e uma FOM por Bernie Ecclestone. Ou seja: não é nem de perto uma briga contra os atuais mandatários.

Felipe Massa sempre teve uma postura conciliadora em tudo o que fez na vida - inclusive na Fórmula 1. Por isso, não seria surpresa alguma se um acordo já estivesse sendo costurado nos bastidores. Afinal, uma ação judicial desse tamanho pode levar anos para ser resolvida - ele tem advogados no Brasil, na Inglaterra, nos Estados Unidos, na Suíça e na França cuidando do caso - e afetar muito a imagem da categoria. Sendo que, de fato, houve uma manipulação comprovada de uma corrida, o GP de Singapura de 2008 - um caso sem precedentes na história do automobilismo. E também é fato que nada foi feito pela FIA para corrigir isso esportivamente. A prova, inclusive, segue válida nas estatísticas históricas da categoria. O que é um enorme absurdo. Inacreditável.

Massa com o troféu da vitória no GP do Brasil de 2008 — Foto: Getty Images

Uma das possíveis soluções - e que seria aceita pela defesa - seria uma cerimônia no GP de São Paulo de Fórmula 1 para a oficialização de Felipe Massa como campeão mundial de 2008. Para que o brasileiro fosse homenageado diante de sua torcida no palco onde a decepção aconteceu há 15 anos. Seria uma forma de fazer justiça com um piloto que efetivamente merecia o título naquela temporada - assim como Lewis Hamilton, diga-se de passagem. E que não teve a chance de ser campeão por causa de uma manipulação de uma corrida efetuada por terceiros. Não seria uma reparação do mesmo tamanho - até porque é impossível - mas seria extremamente simbólica para Felipe Massa dentro de sua casa.

Felipe Massa fala sobre a ação do Singapuragate nos boxes da etapa de Goiânia da Stock Car

Felipe Massa fala sobre a ação do Singapuragate nos boxes da etapa de Goiânia da Stock Car

E o que eu defendo nessa polêmica?

Felipe Massa e Lewis Hamilton se cumprimentam antes do GP do Brasil de 2008, em Interlagos — Foto: Mark Thompson/Getty Images

Para mim, a solução de uma reparação histórica com a entrega do troféu de campeão do mundo para Felipe Massa em Interlagos é perfeita. Para ser mais perfeita, só se a FIA fizesse com que Lewis Hamilton fosse o responsável pela entrega e os dois posassem com seus troféus de 2008. Sim, sigo defendendo que aquela temporada tenha dois campeões. Ao mesmo tempo que é justo consertar a injustiça feita com o brasileiro, é muito errado tirar o título de Hamilton. Ele e a McLaren nada tiveram a ver com a armação de Flavio Briatore, Nelsinho Piquet e da Renault. Foram vítimas tanto quanto Felipe Massa no Singapuragate.

Repito: a injustiça de 2008 foi um ponto fora da curva na história da Fórmula 1. Sem precedentes. Hoje, a decisão mais correta, a meu ver, seria a divisão do título de 2008. Seria a correção de uma injustiça histórica sem ter de promover outra injustiça. Defendo esta atitude há tempos. Já conversei, inclusive, em resenhas com várias pessoas do automobilismo, sobre o tema. E escrevi aqui no Voando Baixo em março. Não mudo uma vírgula da minha opinião sobre o tema.

Que a temporada de 2008 tenha dois campeões e isso seja oficializado em uma cerimônia no GP de São Paulo deste ano. É a minha torcida.

Felipe Massa bate no peito após vencer o GP do Brasil de 2008, em Interlagos — Foto: Reprodução

Perfil Rafael Lopes — Foto: Editoria de Arte/GloboEsporte.com

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