Conexão Inovadora

Por Paulo Costa


 — Foto: Getty Images
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Durante nossa infância e adolescência, até a chegada da fase adulta, passamos por diversas etapas desafiadoras. Lembro que, quando jovem, ouvia pessoas mais velhas do que eu falando sobre o quão dolorido era o processo de crescimento e o que precisávamos deixar para trás, como uma mudança de cidade em determinado momento da vida, para que pudéssemos evoluir como seres humanos. Uma das histórias mais clássicas que faz sucesso até hoje é a do Peter Pan, o menino que morava na Terra do Nunca e tinha medo de crescer, pois deste modo ele teria que assumir responsabilidades e tomar decisões que, nem sempre, são agradáveis.

Quando correlacionamos esse momento da vida com a jornada empreendedora, há muitos aprendizados que devem ser levados em consideração na hora de tomar uma decisão. Basta se conectar com fundadores que atravessam esse caminho para perceber que as dores para crescer são mais comuns do que se imagina.

A primeira etapa difícil é abdicar de projetos e oportunidades de curto prazo, incluindo cargos executivos em grandes empresas, para dar tudo de si em um empreendimento que os resultados só poderão ser vistos a longo prazo. Uma startup demanda bastante atenção e presença do dono por si só, desde a concepção, mas principalmente nas etapas de mudança de patamar. Por conta disso, ao passar dos estágios iniciais, fica quase impossível dar conta do direcionamento da nova empresa junto a outras demandas. Ser empreendedor ou empreendedora tem uma alta intensidade de trabalho, sendo uma das características mais marcantes a dedicação incansável, quase que 24 horas nos sete dias da semana. Quanto mais a pessoa fundadora está próxima das decisões de negócio da companhia, mais chances de acertar as etapas de evolução.

Isso não significa que a vida pessoal não tenha relevância, mas que encontrar o equilíbrio com o profissional ganha ainda mais complexidade. Combinar com a família e amigos que, durante o percurso, haverá momentos em que o foco terá que ser o profissional, mas, que, ao longo do tempo, conforme a evolução do negócio, será possível balancear melhor essa equação. Por isso, um dos desafios é escolher com mais assertividade os momentos pessoais para sacrificar e estar na liderança da startup, principalmente nas etapas iniciais, quando há decisões relacionadas ao desenvolvimento e validação da solução, onde cada passo é arriscado, visto que ainda é uma fase de testes e bastante incerta quanto aos seus resultados, portanto, se faz ainda mais necessária a presença dos fundadores.

Ainda sobre desafios, a gestão de times, lidar com diferentes perfis de profissionais que estão ali também se dedicando para que seu negócio dê certo, é complexa. Isso porque nem sempre você irá conseguir reconhecer os colaboradores como gostaria, ou há fases em que podem ser que demissões sejam necessárias. Tomar este tipo de decisão difícil, como demitir alguém da equipe, especialmente quando há uma conexão pessoal, pode ser crucial. O mesmo vale para a adição ou saída de sócios. Por mais delicada que seja, por conta do relacionamento extraprofissional, faz diferença.

Para se ter uma ideia, o Martin Luther, da Biti9, compartilhou algumas vezes que, em sua trajetória, um dos momentos mais desafiadores foi quando chegaram ao fim do caixa em 2018, realizando uma contagem regressiva para a empresa fechar. Como ainda não estavam com um produto pronto, distantes do acesso a fundraising, precisaram tomar a difícil decisão de reduzir o time de doze pessoas para apenas os quatro sócios trabalhando assumindo o risco de não ter remuneração. Com foco e determinação, visto que todos passaram a olhar 100% para o desenvolvimento da startup, concluíram o produto e conquistaram o primeiro grande cliente. A partir disso, criaram mecanismos de proteção de caixa e blindagem de uma possível falência. Quando a Biti9 completou cinco anos de história, a empresa se solidificou e agora que tem mais consistência, busca resultados mais audaciosos.

Parte do processo de crescimento é receber investidores e lidar com o board e suas expectativas em relação ao rumo que a startup está tomando. Atribuir tempo e atenção para gerenciar esse relacionamento de modo que o Conselho esteja sempre alinhado às visões e estratégias de negócio é uma das partes árduas da trajetória do empreendedor. Por conta disso, às vezes, vale dizer um não do que receber aporte de um fundo que tenha expectativas destoantes da orientação da empresa.

Falando em estratégia, estar aberto a mudança de rota quando identificada a necessidade de evolução é extremamente valoroso. Se apegar de forma obsessiva ao problema e não às soluções ajuda bastante a mapear oportunidades de mercado. Isso é fundamental à medida que a startup evolui, pois permite que os fundadores conquistem mais confiança de players estratégicos ao demonstrar que a liderança daquele negócio tem conhecimento e clareza de onde estão e para onde vão, quais são os próximos passos.

Como alguém que iniciou a carreira como empreendedor, tenho empatia pela jornada de cada um deles, mas costumo dizer que não há como fugir deste processo; são as dores do crescimento. Não por acaso, como um lembrete diário, colamos em algumas paredes do prédio do Cubo a seguinte mensagem: água e decisões difíceis você deve tomar todos os dias. Faz parte da vida!

*Paulo Costa iniciou sua carreira como empreendedor digital com a participação na fundação e desenvolvimento de diversas startups. Em 2015, passou a fazer parte do mundo executivo na Accenture, onde ficou por cinco anos como diretor de inovação, boa parte deles dentro do próprio Cubo. O atual CEO do hub de fomento ao empreendedorismo tecnológico do Itaú também foi um dos responsáveis por apoiar o fundo Neo Future, da gestora de fundos de investimentos Neo, onde conduzia desafios relacionados a estratégias digitais e inovação, tendências e comportamento de consumo.

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