O ano de 2024 vem sendo movimentado para o bitcoin, a mais antiga e disseminada criptomoeda do mundo. Após meses de expectativa, em janeiro, a Comissão de Valores Mobiliários (SEC, na sigla em inglês) dos EUA anunciou a aprovação de fundos negociados em bolsa (ETF) com base no ativo. A medida, que permite a investidores apostar no bitcoin sem necessariamente comprar a moeda, abriu caminho para um influxo enorme de dinheiro em torno do recurso.
Desde então, a trajetória do valor do bitcoin foi ascendente – e, desde o final de fevereiro, vertiginosamente ascendente. A cotação, que era de US$ 44 mil (R$ 219,4 mil) no início de 2024, disparou e ultrapassou o recorde de US$ 69 mil de novembro de 2021, atingindo a máxima de US$ 73,6 mil no dia 13 de março.
E tal alta não deve parar por aí. Afinal, está se aproximando o momento do halving do bitcoin: quando, após a construção de 210 mil novos blocos na blockchain do bitcoin, a recompensa para os mineradores da criptomoeda cai pela metade, diminuindo o incentivo para sua criação. O mecanismo, que, a longo prazo, tem a intenção de controlar os efeitos da inflação sobre o valor do bitcoin, tende a gerar nova alta sobre seu valor, o que indica que novos recordes podem vir em breve.
No entanto, assim como o dia exato do halving não está certo (pois depende da geração dos exatos 210 mil novos blocos), também não há como prever exatamente o efeito que tal evento terá sobre o bitcoin.
O halving e seus efeitos sobre o bitcoin
O halving é um processo cíclico planejado para o bitcoin desde sua criação, em 2009, por uma ou mais pessoas anônimas sob o pseudônimo de Satoshi Nakamoto. Ele define o ritmo da emissão dos 21 milhões de bitcoins – quantidade máxima definida também no ato de criação da criptomoeda – de modo a tentar manter o bitcoin valorizado e menos sujeito aos efeitos da inflação.
Na prática, o halving consiste em cortar pela metade [daí o nome, que vem do verbo ligado ao termo half, “metade” em inglês] a remuneração paga aos mineradores de bitcoins pelo seu trabalho, tornando, assim, menos vantajosa a mineração, e controlando a entrada de novos bitcoins no mercado.
“O bitcoin surgiu no contexto da crise de 2008, quando o governo americano fez uma grande expansão monetária para salvar os bancos. A ideia do halving era que ninguém pudesse simplesmente emitir bitcoin 'out of thin air' [algo como 'do nada, sem lastro'] e, assim, reduzir seu valor. E quando ele acontece, tem mineradores que saem do mercado, porque a recompensa diminui e precisa ter muita competitividade para continuar minerando. Sobram apenas os mais eficientes”, explica Thales Freitas, CEO da Bitso Brasil.
Já aconteceram três halvings do bitcoin até hoje. E, em todos eles, a cotação do bitcoin disparou e atingiu novos recordes após o processo:
- Em 2012, quando a recompensa aos mineradores passou de 50 bitcoins para 25. A cotação passou de US$ 12,35 para US$ 964 um ano depois;
- Em 2016, a recompensa passou de 25 bitcoins para 12.5. A cotação passou de US$ 663 para US$ 2,5 mil um ano depois;
- Em 2020, a recompensa passou de 12.5 bitcoins para 6.25. A cotação passou de US$ 8,5 mil para US$ 69 mil em 2021.
As altas no preço do bitcoin pós-halving acontecem porque, além da redução da oferta, o evento publiciza o criptoativo, atraindo novos investidores. “É um evento que normalmente traz aumento de preço porque a percepção de valor sobre o bitcoin se torna maior. E, após o evento, essa percepção aumenta, porque, sendo o bitcoin um ativo de perfil deflacionário, ele se torna cada vez mais escasso, com a crescente demanda elevando seu valor”, diz Bernardo Srur, presidente da Associação Brasileira de Criptoeconomia (ABCripto).
Novo halving, mesma história? Não necessariamente
Apesar desse histórico de correlação entre halving do bitcoin e seu valor, não há garantia de que a história se repetirá. Sobretudo porque, dizem especialistas, o contexto do momento atual tem diferenças significativas em relação aos três eventos anteriores, a começar pela autorização dos ETFs do bitcoin nos EUA, que já proporcionou uma alta meteórica do ativo de forma antecipada ao halving.
“O ETF do bitcoin causou uma distorção no mercado, com o preço recorde chegando antes do halving, diferente das ocasiões anteriores. Isso faz com que o ciclo possa ser diferente, pois não se sabe quando esse ciclo acaba. O halving traz a atenção para o ativo, mas o ETF faz com que esse processo tenha começado mais cedo, e o ciclo de valorização desta vez pode ser mais curto”, aponta André Franco, head de pesquisa da Mercado Bitcoin.
A aprovação dos ETFs, vale lembrar, trouxe grandes fundos às negociações com base no bitcoin, e, com eles, mais investidores tradicionais, que antes possivelmente não procuravam criptoativos. Com muito mais gente exposta ao bitcoin e seu perfil de investidor presumivelmente mais estável, movimentos bruscos de compra e venda tendem a afetar menos o preço do ativo, reduzindo, em tese, a volatilidade. “À medida que o ativo se torna mais 'mainstream', pode acontecer de o preço ficar lateralizado”, diz Thales Freitas.
No entanto, os analistas apontam que o cenário atual é tão favorável para a criptomoeda que dificilmente a euforia que leva à valorização vai parar tão cedo. Isso porque, além dos ETFs atuarem a favor da legitimação institucional da moeda, o cenário macroeconômico atual – de tendência à redução nas taxas de juros e, com isso, mais investidores saltando de ativos de renda fixa para outros de maior risco, como criptomoedas – faz com que a demanda pelo bitcoin só tenda a crescer.
“A gente deve ter um corte de juros nos EUA em junho ou julho, essa é a expectativa atual. Esse corte vai irrigar o mercado de criptos, que é de risco, com dinheiro. Nos últimos anos, fluíram para a renda fixa US$ 8,8 trilhões. Quando se cortar a taxa de juros, o montante flui de volta para o mercado de risco, e parte disso vai para criptoativos”, avalia André Franco.
Possíveis efeitos em outras criptomoedas
Apesar do halving afetar diretamente apenas o bitcoin, seus efeitos indiretos podem chegar a outras criptomoedas, na medida em que traz visibilidade e confiança para o mercado cripto em geral, segundo os especialistas.
“Hoje o bitcoin ainda representa uma grande parcela das transações com criptomoedas. Se a percepção de valor dele aumenta, isso também tende a ocorrer em toda a criptoeconomia, porque ele é uma vitrine muito grande. Então, outras moedas acabam acompanhando, uma tendência puxa as demais”, afirma Bernardo Srur.
Segundo o monitor CoinMarketCap, hoje a capitalização total das criptomoedas é de US$ 2,6 trilhões. O bitcoin representa, sozinho, metade deste valor, bem acima da outra criptomoeda mais importante em valor de mercado – o ethereum, com US$ 451 milhões, ou 17,3%.
Até pelo ethereum também ter certa visibilidade, e por esse ativo também estar próximo de ter autorizados ETFs nos Estados Unidos, ele poderia ser um dos maiores beneficiados pela valorização geral trazida pelo halving do bitcoin, apontam os analistas. Essa moeda também tem passado por uma intensa valorização, inclusive: sua cotação passou de US$ 2,3 mil, no início de 2024, para um pico de US$ 4 mil, em 11 de março – tendo, desde então, se desvalorizado um pouco.
Outros fatores podem levar recursos a outras criptomoedas. “Se o preço do bitcoin não subir muito para compensar o aumento do custo para minerar, pode ser que mineradores passem para outros projetos, gerando um efeito em rede. Além disso, se a alta do bitcoin for muito forte, as pessoas podem começar a realizar seus lucros e ir para outras moedas”, lembra Thales Freitas.
Momento único para a criptoeconomia
Se os efeitos do halving sobre o bitcoin e outras criptomoedas ainda são incertos, os analistas apontam que mais consolidada está a legitimação desses ativos, que passaram por um período de ampla desconfiança no passado recente. Na medida em que o desastre da FTX e o mergulho das cotações dos criptoativos, ocorridos em 2022, ficam para trás, os ETFs e o halving do bitcoin contribuem para a institucionalização da moeda e do mercado cripto de forma geral.
“Esse marco do halving é sempre positivo. No último ciclo, em 2020, o mundo inteiro estava fazendo expansão monetária, os EUA imprimindo muito dinheiro, e o bitcoin no seu corte de emissões. E, agora, é novamente uma celebração de que existe um ativo com inscrição em código, com uma regra que foi estabelecida lá atrás, e que vai continuar sendo seguida. Ter um ativo que corta sua emissão pela metade independentemente do que aconteça é comemorado por quem acredita nessa tese”, diz André Franco.
Assim, a expectativa do setor é que, com ETFs, halving e também a regulação dos criptoativos, que no Brasil está sendo encaminhada pelo Banco Central, o bitcoin ganhe confiança e o número de investidores cresça sensivelmente.
“Quanto se fala de construção de projetos na criptoeconomia, em 2023 tivemos muitas empresas entrando nesse mercado, bancos criando produtos ligados aos criptoativos, vários novos players entrando. Com a exposição cada vez maior, costuma acontecer a entrada de novos investidores”, afirma Bernardo Srur.
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