Cocriando o Futuro

Por Marco Stefanini

Marco Stefanini é fundador e CEO Global do Grupo Stefanini, referência em soluções digitais


 — Foto: Getty Images
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Cerca de 40 mil visitantes, mais de 800 expositores e 178 sessões plenárias, tudo em apenas três dias. A NRF Big Show, maior evento de varejo do mundo, tem uma das maiores concentrações de bom conteúdo por segundo do planeta. Acompanhar o que acontece nesses dias em Nova York é uma forma segura de entender para onde avança o setor.

A edição 2024 do evento teve, mais uma vez, um forte contingente brasileiro – estima-se que algo entre 2.000 e 3.000 pessoas tenham saído do calor do nosso verão para encarar temperaturas abaixo de zero nos Estados Unidos. Frio certamente havia – do lado de fora: dentro dos pavilhões do evento, o clima era bem diferente. Vivia-se a expectativa de uma overdose de Inteligência Artificial – mas, ao contrário de tendências de destaque em anos anteriores, desta vez o pragmatismo que impera no varejo americano fez com que as possibilidades de uso da IA fossem temperadas com um olhar muito focado no retorno sobre os investimentos. Uma postura muito saudável em tempos de grandes incertezas.

De tudo que foi discutido durante o evento, ficam evidentes duas macrotendências que envolvem vários outros pontos destacados na NRF Big Show: IA e a loja física como centro de experiências.

Inteligência Artificial para tudo

Que a Inteligência Artificial (IA) seria um tema importante do evento não havia dúvidas. Afinal, tem sido assim em praticamente todo evento que se dispõe a falar de tendências. O interessante é que, do ponto de vista do varejo, o tema não se resume às soluções de IA Generativa – embora esse seja um aspecto essencial da implementação da tecnologia.

A IA Generativa, com sua capacidade de desenvolver conversas em linguagem natural, criar imagens e propor ideias, é uma ferramenta importante para liberar o potencial criativo das pessoas. Não somente no varejo, mas em qualquer segmento, o profissional de marketing que não está no mínimo testando soluções como ChatGPT e Midjourney está fora da festa: a capacidade de transformar ideias em realidade é poderosa demais para ser ignorada.

Da mesma forma, as áreas de atendimento ao cliente têm se beneficiado de soluções de IA Generativa para tornar os chatbots mais autônomos e naturais. Empresas como o Walmart têm aplicado a tecnologia com bons resultados iniciais.

Combinando outra tendência emergente, a IA (tanto a Generativa quanto a mais tradicional) impulsiona as aplicações de retail media. O varejo vem investindo para monetizar suas propriedades digitais, utilizando os dados de comportamento e compra dos clientes para entender melhor que publicidade apresentar para cada cliente, quando, como e explorando quais atributos (promoção, descontos, cross selling, upselling, etc). Um bom exemplo é a rede supermercadista Albertsons, que enxerga na ferramenta a possibilidade de aumentar em até 20% a velocidade de entrega de campanhas assertivas para seus clientes.

Mas a IA não é apenas linguagem natural – esse é apenas o aspecto mais visível de uma imensa transformação. Afinal de contas, a IA não nasceu ontem: há décadas a tecnologia vem se desenvolvendo. O uso de machine learning e redes neurais vem dando aos sistemas de varejo a capacidade de analisar quantidades cada vez maiores de dados, gerando insights relevantes e aplicáveis em tempo real aos negócios.

Tudo isso ficou muito claro na Expo da NRF Big Show. O que mais se encontrava eram menções à Inteligência Artificial como parte do diferencial das soluções que eram apresentadas – não importa se provadores inteligentes, plataformas de publicidade programática, sistemas de previsão de demanda ou soluções de gestão logística. A tecnologia parecia estar em toda parte.

Essa onipresença (pelo menos no discurso dos desenvolvedores) me leva a colocar dois alertas. O primeiro é que nem tudo o que reluz é ouro – certamente muitas soluções que se vendiam como “IA driven” não eram capazes de aprender sozinhas. Cabe às empresas fazerem sua lição de casa e avaliarem com muita cautela cada solução.

O segundo alerta é que não adianta implementar a ferramenta mais avançada tecnologicamente se o negócio não estiver preparado para ela. A IA é tão boa quanto os dados que a alimentarem: uma empresa despreparada, sem um framework e uma infraestrutura de coleta de informações, processamento, análise e implementação de insights, não conseguirá extrair valor. Por isso, construa os alicerces antes de avançar para a adoção de IA.

Será necessário, cada vez mais, que os varejistas tenham um Master Data Management, ou seja, uma gestão eficaz dos dados, para irem além da omnicanalidade (unified commerce) e proporcionarem experiências inovadoras que encantem o consumidor. A Gucci, por exemplo, está utilizando a IA para transformar sua equipe de Contact Center em especialistas de vendas e marketing. O resultado é um incremento de 30% em vendas.

A loja no centro da experiência

Em uma edição focada em pragmatismo e captura de valor, a NRF 2024 salientou a importância da loja física para tangibilizar não somente a promessa das marcas de varejo, mas também sua execução. Está claro que as lojas físicas não precisam desaparecer: o varejo vende para pessoas por meio de pessoas, e isso não vai mudar tão cedo.

A questão é que as lojas físicas que pararam no tempo e ainda estão desconectadas de uma realidade cada vez mais digital tendem a desaparecer. Recursos básicos como uma conexão Wi-Fi não são mais um luxo, pois podem dar liberdade para o vendedor fechar a venda em qualquer ponto da loja por meio de terminais móveis. Somente um detalhe como esse já traz impactos em áreas como o layout, a disposição dos produtos, a rentabilização do ponto de venda e a criação de ambientes mais prazerosos.

Lojas físicas conectadas também facilitam o desenvolvimento de ações de live commerce, que transformam o ponto de venda em um estúdio de transmissão para a venda de produtos pelas redes sociais. No mercado chinês, 50% dos consumidores acompanham pelo menos uma live por dia – é parte essencial da jornada de compra.

Outros aspectos, como o uso das lojas como hubs de distribuição, já são mais conhecidos – embora nem sempre aplicados com a eficiência desejada. Mas está claro que, em um varejo omnichannel, a loja física se torna protagonista na interação com os consumidores, na coleta de dados e na retenção do público.

A partir desses dois vetores (Inteligência Artificial para tudo + a loja no centro da experiência), o varejo pode repensar seu relacionamento com os clientes, o encantamento do público e a construção de diferentes jornadas de compra para públicos diferentes, de forma personalizada.

Agora é hora de colocar as ideias em andamento. Mais do que conhecer o futuro do varejo na NRF Big Show 2024, é preciso fazer esse futuro acontecer. E isso começa hoje, com cada um de nós. Como você irá transformar tudo isso em realidade no seu negócio?

*Marco Stefanini é fundador e CEO Global do Grupo Stefanini, referência em soluções digitais.

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