• Sandra Boccia
Atualizado em
Ilustração para Editorial (Foto: Fotomontagem em cima de foto Getty Images)

(Foto: Fotomontagem em cima de foto Getty Images)

Naqueles dias inesquecíveis do corre e se trancafia em casa porque o bicho tá pegando, ouvi de um médico brilhante: “Esqueça, vamos ter de conviver com o medo. São necessários muitos anos para produzir uma vacina, ainda mais contra um vírus novo”. Pois bem. Inacreditáveis dez meses depois, período sem precedentes na história, eis que estava aprovada para uso emergencial no Reino Unido e com indicação de aprovação pela Food and Drug Administration (FDA, a agência reguladora dos Estados Unidos) a vacina capaz de nos proteger da covid-19 (mas não do medo), desenvolvida pela gigante Pfizer e pela startup BioNTech.

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Dez meses para que um conceito se tornasse realidade. Um salto equivalente à colonização de Marte, que provocou uma convulsão na indústria. Em seu livro Moonshot: Inside Pfizer’s Nine-Month Race to Make the Impossible Possible (em tradução aproximada, “Viagem sideral: dentro da corrida de nove meses da Pfizer para fazer o impossível possível”), o CEO mundial da empresa, Albert Bourla, deixa claro que tudo só se tornou viável com a adoção de um modelo mental novo. Não era mais o desafio de um executivo, de uma área, da empresa ou de uma indústria. O que passou a estar em questão era a esperança da humanidade na companhia. Algo coletivo.

Saía de cena o “eu” para entrar a força da rede. E assim, como em um passe de mágica, processos de no mínimo sete anos se resolveram em quatro meses, lembra ele. O senso de urgência, alimentado pela esperança, desmontou burocracias cristalizadas por séculos e dissolveu rochedos de convicções. O medo de sermos exterminados ajudou, claro, e foi maior do que o de virar jacaré.

A reação rápida à ameaça veio de várias empresas e continentes. Apostando em modelos tradicionais de pesquisa, por meio do antígeno do vírus inativo, a China desenvolveu a Coronavac, vacina que mais imunizou pessoas no mundo, incluindo os profissionais de saúde e as crianças no Brasil. A novata Moderna, nascida em 2010, e que até então nunca tinha conseguido levar um só produto à fase três de estágio clínico, ou ter qualquer vacina no mercado, criava a revolucionária mRNA-1273 em parceria com o Instituto Nacional de Alergias e Doenças Infecciosas dos Estados Unidos.

Enquanto isso, novas descobertas com terapias genéticas, algo jamais testado nessa escala, incendiaram não apenas as projeções de balanços como também as perspectivas de saúde pública. A BioNTech e suas pesquisas contra o câncer tornaram conhecida e utilizada a tecnologia baseada no RNA mensageiro, inaugurando a era das terapias gênicas.

O que está por vir ultrapassa a imunização para as subvariantes da ômicron, como  BA.4 e BA.5. Bilhões de habitantes vão se acostumar a dar o bracinho para ser imunizados contra doenças ou se tratar de diabetes, Alzheimer, câncer, HIV… Para quem considera envelhecimento uma doença, e existem muitos pesquisadores apostando nisso, a regeneração celular está na lista de promessas.

Como seria ma-ra-vi-lho-so se não fosse necessário um vírus letal para promover um choque de inovação nas empresas, nos governos e em nossas próprias vidas. Depois de milhões de almas perdidas, e de toda essa bagunça que ainda custamos a colocar em ordem, merecemos um novo salto de mentalidade. Com menos eus e mais nós. E que ele não demore tanto assim.