Mostras&Expos

Por Ana Carolina Ralston, de AlUla*


Feita de vasos de barro e aço inoxidável, a instalação Devaneios, da dupla libanesa Rana Haddad e Pascal Hachem, nasce da vontade dos autores de honrar as matérias-primas locais: “Da própria terra emergem nossos materiais e para ela também retornarão, completando o ciclo do ser”, explicam — Foto: Lance Gerber, cortesia da The Royal Commission for AlUla
Feita de vasos de barro e aço inoxidável, a instalação Devaneios, da dupla libanesa Rana Haddad e Pascal Hachem, nasce da vontade dos autores de honrar as matérias-primas locais: “Da própria terra emergem nossos materiais e para ela também retornarão, completando o ciclo do ser”, explicam — Foto: Lance Gerber, cortesia da The Royal Commission for AlUla

"Os desertos não param nunca de crescer”, já dizia o poeta Caio Fernando Abreu. Adentrar as areias de AlUla, no noroeste da Arábia Saudita, confirma que, por ali, tudo está em plena expansão, seja a paisagem, o campo histórico e, por que não, a cultura. Se demorou até 2017 para o país do Oriente Médio autorizar a abertura de suas primeiras salas de cinema, a corrida para compartilhar as conquistas da contemporaneidade ocidental parece ter sido traçada a partir dali a fim de tornar a região atenta e ativa aos movimentos globais. Isso inclui a Desert X AlUla, braço do evento nascido no Coachella Valley, na Califórnia, que há quatro anos ganha contornos árabes para mostrar a força das artes visuais saudita e internacional, em um instigante diálogo com a natureza.

Apelidada de Bienal do Deserto, a exposição se conectou aos princípios da land art, movimento artístico surgido nos anos 1960 conhecido por reforçar a ligação entre a arte e o ambiente ao redor, extrapolando espaços convencionais de galerias e museus. Em sua terceira edição, que esteve em cartaz até 23 de março, a mostra apresentou obras comissionadas de 16 artistas, entre eles a brasileira Karola Braga, primeira latino-americana a fazer parte do evento. O olhar nacional esteve também na curadoria, assinada por Marcello Dantas, ao lado da libanesa Maya El Khalil, sob o tema “Na Presença da Ausência”. Os trabalhos site-specific desenvolvidos pelo elenco orbitaram em torno da ideia do invisível e da vida que habita os espaços muitas vezes tidos como vazios, como os próprios desertos. Encorajados a envolver-se com o que não é imediatamente aparente, os artistas encenaram novos encontros com a paisagem, imaginando perspectivas alternativas e reflexões sobre as forças e atmosferas imperceptíveis do tempo, do vento, da luz, dos fluxos da história e dos mitos entrelaçados do lugar.

A instalação olfativa Sfumato, da brasileira Karola Braga, primeira artista latino-americana a participar da Desert X — Foto: Lance Gerber, cortesia da The Royal Commission for AlUla
A instalação olfativa Sfumato, da brasileira Karola Braga, primeira artista latino-americana a participar da Desert X — Foto: Lance Gerber, cortesia da The Royal Commission for AlUla

A experiência sensorial ganhou corpo em muitos dos projetos vistos por ali, como foi o caso de Sfumato, de Karola Braga. A obra buscou recriar a memória olfativa da Rota do Incenso, da qual a região de AlUla fez parte, por onde, há mais de 2 mil anos, diversas caravanas passavam transportando matérias-primas empregadas em rituais religiosos, na produção de ervas medicinais para a confecção de medicamentos e na fabricação de perfumes. Para tanto, Karola concebeu uma espécie de estrutura vulcânica que mimetizava a paisagem enquanto dava vazão aos aromas exalados pelos incensos criados por ela. No topo, um círculo dourado refletiu a luz intensa do deserto e fez referência ao uso da cor em diversas culturas, desde a arte bizantina até a islâmica. “A interação da obra com o ambiente natural foi fundamental para amplificar a experiência sensorial. O vento, como coadjuvante, carregou o aroma pelo espaço, envolvendo os visitantes em uma imersão completa, e ainda assim sutil. Essa relação dinâmica entre os elementos da instalação e o entorno contribuiu para uma vivência multissensorial”, explica a autora.

Em Dung Bara, o artista ganês Ibrahim Mahama questiona como podemos restaurar memórias e usar a arqueologia e as cicatrizes da história para criar novos significados dentro da paisagem — Foto: Lance Gerber, cortesia da The Royal Commission for AlUla
Em Dung Bara, o artista ganês Ibrahim Mahama questiona como podemos restaurar memórias e usar a arqueologia e as cicatrizes da história para criar novos significados dentro da paisagem — Foto: Lance Gerber, cortesia da The Royal Commission for AlUla

A arte contemporânea tornou-se assim o veículo ideal para levar visitantes do mundo todo a uma nação que viveu por muitos anos em isolamento. “De certa forma, faço um paralelo com o Brasil do pós-ditadura”, reflete Marcello Dantas. “Época em que tivemos de nos reinventar e nos entendermos novamente como povo. A Arábia Saudita tem um passado enorme, mas também um período longo de silêncio. O ato de fazerem movimentos em torno da integração das diversas culturas, ocidentais e orientais, já é extremamente revolucionário. Dessa forma, o mundo ganha um novo player na criação de arte contemporânea.”

O país é mais um dentre os vizinhos do Golfo Pérsico a lançar mão do entretenimento como forma de integração, a exemplo do que fez o Catar por meio da arquitetura de nomes de peso, com a construção de museus assinados por Jean Nouvel e I.M. Pei em sua capital, Doha. O esporte também se configura como um forte elo do mundo islâmico, em especial o futebol, seja por meio da aquisição de grandes clubes europeus por países árabes (os ingleses Newcastle United e Manchester City, pertencentes às monarquias de Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos, respectivamente, e o francês Paris Saint-Germain, de propriedade catari), seja pela recente contratação de estrelas globais como Cristiano Ronaldo e Neymar Jr. por times da liga saudita.

A obra Um Jardim de Pedras no Tamanho Real de um Campo de Futebol, do saudita-palestino Ayman Yossri Daydban — Foto: Lance Gerber, cortesia da The Royal Commission for AlUla
A obra Um Jardim de Pedras no Tamanho Real de um Campo de Futebol, do saudita-palestino Ayman Yossri Daydban — Foto: Lance Gerber, cortesia da The Royal Commission for AlUla

Tais conexões levaram o artista saudita-palestino Ayman Yossri Daydban a desenvolver na Desert X AlUla a obra Um Jardim de Pedras no Tamanho Real de um Campo de Futebol. Nela, uma área de jogo é armada em uma remota zona rochosa como provocação à memória coletiva, que tem no esporte um símbolo de otimismo e integração social. Sua produção instigou a pensar justamente na cultura do entretenimento como forma de concretizar a preservação do patrimônio humano comum. Esse discurso intangível, deslocado ao topo da formação vulcânica Harrat Uwayrid, sugere que a sociedade ainda tem regras, especialmente quando deslocadas para contextos novos e desafiadores.

O Ponto, escultura feita de aço, espelho e fragmentos de rochas de vales da região, do artista local Faisal Samra — Foto: Lance Gerber, cortesia da The Royal Commission for AlUla
O Ponto, escultura feita de aço, espelho e fragmentos de rochas de vales da região, do artista local Faisal Samra — Foto: Lance Gerber, cortesia da The Royal Commission for AlUla
O cubo branco não faz mais sentido. A base para iniciarmos uma discussão estética é a relação da arte com o meio ambiente
— Marcello Dantas

Mas elas estão em constante atualização, e as duas edições passadas do evento são prova disso. Suas áreas expositivas, antes afastadas e desocupadas em meio ao árido deserto, passaram nos últimos anos a ser cobiçadas por sofisticadas cadeias hoteleiras, como é o caso da Habitat, resort ecológico inaugurado em 2021 em AlUla, que englobou hoje o espaço da primeira edição da Desert X, realizada em 2020. Com cerca de 50% das obras mantidas no local, o visitante pôde hospedar-se em meio a criações de nomes como Manal AlDowayan, Sherin Guirguis e Mohammed Ahmed Ibrahim. “O cubo branco não faz mais sentido”, aponta Dantas. “A base para iniciarmos uma discussão estética é a relação da arte com o meio ambiente.” Em AlUla, essa experiência oferece mais que areia no deserto.

A paisagem luminosa Respirar-AlUla, da sul-coreana Kimsooja, convida o visitante a percorrer a espiral até o centro — Foto: Lance Gerber, cortesia da The Royal Commission for AlUla
A paisagem luminosa Respirar-AlUla, da sul-coreana Kimsooja, convida o visitante a percorrer a espiral até o centro — Foto: Lance Gerber, cortesia da The Royal Commission for AlUla

*Matéria originalmente publicada no Yearbook de 2024 da Casa Vogue (CV459), disponível em versão impressa, na nossa loja virtual , e para assinantes no app Globo Mais.

Mais recente Próxima Exposição em São Paulo traduz legado de arquiteto brasileiro em obras de arte e design
Mais do Casa Vogue

O distrito criativo tem arquitetura de interiores com influências brasileiras e da estética das casas espalhadas por grandes cidades em todo o mundo, como Berlim, Roma, Barcelona e Nova York

Por dentro da recém-inaugurada Soho House São Paulo, na Cidade Matarazzo

A marca holandesa Hunter Douglas, especialista no segmento de cortinas, persianas e coberturas, aposta na tecnologia para transformar a relação entre os espaços

Esta peça é o segredo para promover bem-estar e ampliar a conexão com o exterior em ambientes internos

O doce leva leite condensado, milho e canela! Veja tudo o que você precisa para não errar

Aprenda uma receita de canjica rápida e deliciosa

De acordo com a arquiteta Carolina Munhoz, integração estética, ergonomia, iluminação, organização e privacidade são os cinco pontos chave para construir um ambiente perfeito

Home office na sala: dicas e ideias para equilibrar o espaço de trabalho e relaxamento

Com edifícios antigos e paisagens pitorescas, estas cidades encantam com seus ares de épocas passadas

7 cidades lindas que parecem congeladas no tempo

Com pouco mais de 100 m², a residência possui três quartos, dois banheiros, garagem e quintal de 300 m²

Casa à venda nos EUA gera polêmica: quem comprar só poderá se mudar depois de 30 anos

A residência em Alphaville, em São Paulo, foi repaginada pelo escritório Fantato Nitoli Arquitetura

Reforma deixa casa de 500 m² mais iluminada e arejada

Nem casa, nem trabalho: o conceito de terceiro lugar tem como premissa espaços públicos onde é possível estabelecer vínculos e encontrar conforto para a mente e o coração

Terceiro lugar: 5 criativos revelam locais em São Paulo onde a conexão afetiva prevalece

Aquecedor, ninho de berço e mais – veja produtos a partir de R$48,98

8 itens para deixar o quarto do bebê quentinho no inverno

A Mega Tirolesa terá 3,4 km de extensão e ficará na cidade de Socorro, com início do trajeto localizado no Pico da Cascavel

São Paulo terá a maior tirolesa do mundo