Casas

Por Guilherme Amorozo | Produção Natália Martucci | Fotos André Klotz


Situada na zona rural  de Veranópolis, RS, a casa dos designers que formam a dupla TomaziCabral preserva intactas as paredes originais de madeira de araucária erguidas manualmente há quase 100 anos – em primeiro plano, cadeira desenhada por Sergio Cabral — Foto: André Klotz
Situada na zona rural de Veranópolis, RS, a casa dos designers que formam a dupla TomaziCabral preserva intactas as paredes originais de madeira de araucária erguidas manualmente há quase 100 anos – em primeiro plano, cadeira desenhada por Sergio Cabral — Foto: André Klotz

Há quem procure uma casa no campo para se isolar. E existem aqueles que o fazem em busca de encontros. Nicole Tomazi e Sergio Cabral caem na segunda categoria. Depois de terem achado um ao outro quatro anos atrás, num relacionamento amoroso que logo evoluiu para uma parceria criativa, hoje consolidada sob a alcunha TomaziCabral, os designers, até 2021 paulistanos convictos (ele, por nascença, ela, por escolha), optaram por fincar um pé no interior do Rio Grande do Sul atrás de outras uniões. Uma delas, com a fábrica de vidros que produz parte de suas obras, em Gramado. Outra, e mais importante, com as raízes de Nicole. Fatalmente acabariam na zona rural de Veranópolis, cidade onde ela nasceu.

No living, as conversas acontecem em torno  de um tapete centenário que pertenceu a uma tia-avó de Sergio, em um sofá e uma poltrona Chesterfield herdados do avô dele,  acompanhados de mesa de apoio Psilo,  de TomaziCabral, com vaso e bowl da série Lagos, de Heloisa Galvão (à esq.), um  móvel-escultura da série Condomínio Alado, de TomaziCabral e Ian Diesendruck, um cesto  da coleção Genius Loci, de Nicole Tomazi,  um baú vermelho original da casa (ao fundo) e dois vasos da série Biogalácticos, de  TomaziCabral (à dir.) – batentes, portas e esquadrias vermelhos são originais da casa — Foto: André Klotz
No living, as conversas acontecem em torno de um tapete centenário que pertenceu a uma tia-avó de Sergio, em um sofá e uma poltrona Chesterfield herdados do avô dele, acompanhados de mesa de apoio Psilo, de TomaziCabral, com vaso e bowl da série Lagos, de Heloisa Galvão (à esq.), um móvel-escultura da série Condomínio Alado, de TomaziCabral e Ian Diesendruck, um cesto da coleção Genius Loci, de Nicole Tomazi, um baú vermelho original da casa (ao fundo) e dois vasos da série Biogalácticos, de TomaziCabral (à dir.) – batentes, portas e esquadrias vermelhos são originais da casa — Foto: André Klotz
Nicole Tomazi  e Sergio Cabral posam  na entrada da casa — Foto: André Klotz
Nicole Tomazi e Sergio Cabral posam na entrada da casa — Foto: André Klotz

Intenção definida, listaram os requisitos para a futura propriedade: “Uma casa de madeira, uma florestinha, um rio...”, e partiram para a caça. Toparam com um sítio praticamente vendido para um comprador cujo intuito era demolir a construção quase centenária a fim de erguer uma “casa de material”, como os locais se referem a estruturas de blocos de concreto revestidas, invariavelmente, de porcelanato, segundo Sergio. Aflita com o destino fatídico, a dupla atravessou a proposta com uma oferta melhor e conquistou para si a casinha de araucária sobre base de pedras, com dois volumes que somam 200 m². “Tanto o Sergio quanto eu entendemos as casas como entidades vivas. Fizemos uma operação para salvar essa senhora, que ia morrer no ápice”, reflete Nicole.

O escritório recebeu vaso da série Plásticos, de  Ian Diesendruck, máquina de escrever do avô de Sergio e cesto da série Genius Loci, de Nicole Tomazi, tudo sobre escrivaninha herdada da avó de Sergio,  acompanhada, ainda,  pela cadeira de uma bisavó do morador – na parede, escultura  têxtil laranja da série  Biogalácticos, de  TomaziCabral, e, no piso, tapete de crochê da bisavó de Nicole — Foto: André Klotz
O escritório recebeu vaso da série Plásticos, de Ian Diesendruck, máquina de escrever do avô de Sergio e cesto da série Genius Loci, de Nicole Tomazi, tudo sobre escrivaninha herdada da avó de Sergio, acompanhada, ainda, pela cadeira de uma bisavó do morador – na parede, escultura têxtil laranja da série Biogalácticos, de TomaziCabral, e, no piso, tapete de crochê da bisavó de Nicole — Foto: André Klotz

A partir dali, iniciaram com ela um diálogo. Planejavam reformar, mas “aí a gente se olhou e disse ‘calma’. Vamos viver essa senhora e ver o que ela precisa, antes de a gente dizer”. Decididos a não descaracterizá-la, visaram só “melhorar a qualidade de vida, que era ruim na época das pessoas que a construíram, não tinha luz, água quente”, conta Nicole. Afora chuveiro a gás e uma salamandra improvisada, nada mais instalaram, nem mesmo uma tomada – são apenas quatro ao todo! Preferiram conservar as marcas do tempo incutidas em suas paredes, e mobiliá-la franciscanamente.

Decorado com uma placa de maçã (fruta símbolo de Veranópolis, onde foi plantada a primeira macieira do Brasil) resgatada numa estrada próxima, o quarto do casal traz luminária de piso Grota, da Estar Móveis, ao lado da mesa de apoio Psilo, ambas design TomaziCabral, e roupa de cama da Westwing — Foto: André Klotz
Decorado com uma placa de maçã (fruta símbolo de Veranópolis, onde foi plantada a primeira macieira do Brasil) resgatada numa estrada próxima, o quarto do casal traz luminária de piso Grota, da Estar Móveis, ao lado da mesa de apoio Psilo, ambas design TomaziCabral, e roupa de cama da Westwing — Foto: André Klotz

A escolha pela preservação foi deliberada. “As pessoas daqui ficam surpresas, porque essas casas remetem a um tempo muito doloroso”, aponta Sergio, “mas temos esperança de que a nossa presença faça-as enxergarem esse passado de forma diferente.” Pesquisadora de patrimônio e cultura, Nicole corrobora: “Vejo como se fosse uma responsabilidade cultural de apresentar isso como uma possibilidade de vida para quem é daqui. Trata-se de quebrar padrões, de desfazer esses mitos de o cara local querer ter uma casa com cara de Morumbi [bairro paulistano]”. Segundo Sergio, a postura também vai contra “o que acontece na cidade: Veranópolis está sendo destruída para a construção de prédios que poderiam estar em Belo Horizonte, Porto Alegre, São Paulo... A memória do lugar vai se perdendo”.

A cozinha, com fogão que já pertencia à casa — Foto: André Klotz
A cozinha, com fogão que já pertencia à casa — Foto: André Klotz
A sala de jantar, cujas cadeiras e mesa também estavam lá quando o casal chegou – a toalha, sobre  a qual repousam louças de Heloisa Galvão e um bule azul, era da bisavó de Nicole — Foto: André Klotz
A sala de jantar, cujas cadeiras e mesa também estavam lá quando o casal chegou – a toalha, sobre a qual repousam louças de Heloisa Galvão e um bule azul, era da bisavó de Nicole — Foto: André Klotz
 Nicole estende o tapete na janela do quarto do casal – na parte de baixo, envolto por paredes de tijolos, fica o porão — Foto: André Klotz
Nicole estende o tapete na janela do quarto do casal – na parte de baixo, envolto por paredes de tijolos, fica o porão — Foto: André Klotz

A meta ainda não realizada do casal é morar três vezes mais tempo na Serra Gaúcha do que na capital paulista. Embora as conexões proporcionadas pela cidade sejam vitais à atuação dos dois, é na roça que sentem seu trabalho amadurecer. Isso porque o fazer manual, parte indelével da obra da dupla, no campo está diretamente ligado à sobrevivência. “Exercitar a autonomia que a vida no campo pede – fazer a comida, coletar lenha, cultivar a horta – nos dá uma soltura no trabalho”, analisa Nicole. “Aqui a gente é incompreendido, e isso nos prepara para nos apresentar numa SP-Arte, por exemplo. Brincamos com essa inadequação.” 

O sótão virou uma sala íntima graças à  presença de um sofá e uma poltrona Mole, ambos de Sergio Rodrigues, feitos com couro e jacarandá-da-bahia em 1962,  encomendados diretamente ao lendário designer pelo avô de Sergio Cabral — Foto: André Klotz
O sótão virou uma sala íntima graças à presença de um sofá e uma poltrona Mole, ambos de Sergio Rodrigues, feitos com couro e jacarandá-da-bahia em 1962, encomendados diretamente ao lendário designer pelo avô de Sergio Cabral — Foto: André Klotz

A subsistência não é a única a ditar o ritmo nos domínios TomaziCabral. A natureza desperta muito cedo e, um pouco depois de pássaros, esquilos e borboletas se fazerem notar por meio dos sons, Sergio e Nicole já estão de pé para dias que, surpreendentemente, “nunca são iguais”. Enquanto há sol, dividem-se entre as centenas de tarefas impostas pelas vidas campestre e artística. Ao cair da noite, o breu e o frio obrigam ao recolhimento. “Embora pareça que acabam cedo, são dias que, quando terminam, a gente sabe que viveu integralmente”, observa Nicole. Trata-se de um derradeiro encontro: aquele com o prazer de experimentar a vida que escolheram para si. 

*Matéria publicada originalmente na Casa Vogue de junho de 2023

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