Arte em prosa

Por Luiza Adas

Colunista da Casa Vogue, Luiza Adas é especialista em arte, pós-graduanda em Teoria e Crítica em História da Arte e fundadora do Museu do Agora


O francês Marcel Duchamp levou um mictório, assinado como R. Mutt, para exposição da Associação dos Artistas Independentes de Nova York — Foto: Getty Images
O francês Marcel Duchamp levou um mictório, assinado como R. Mutt, para exposição da Associação dos Artistas Independentes de Nova York — Foto: Getty Images

Durante minhas visitas guiadas, diversas vezes ouvi pessoas dizerem que não gostaram de uma obra, ou que não a "acharam bonita". Nesses casos, depois do comentário, a pessoa logo tenta corrigir o que disse, com medo de que eu julgue sua percepção. E a pergunta que surge é: devemos nos sentir obrigados a achar algo bonito só porque é rotulado como uma obra de arte?"

O choque entre gostos e interpretações é, para mim, uma das características mais fascinantes da arte. O que pode ser um verdadeiro "colírio aos olhos" para uma pessoa, também é capaz de ser visto como algo sem apelo visual para outra. No entanto, é fundamental lembrar que a arte transcende os conceitos de "bom" ou "ruim", "feio" ou "bonito". Gostar ou não de uma obra não faz com que ela seja mais ou menos importante. Afinal, a arte é um veículo de auto expressão, que provoca reflexões e, acima de tudo, desperta as mais diferentes emoções em cada um de nós.

"Number 1", ou "Número 1", em tradução literal. Obra do rtista Jean-Michel Basquiat — Foto: Reprodução/Shoteby's
"Number 1", ou "Número 1", em tradução literal. Obra do rtista Jean-Michel Basquiat — Foto: Reprodução/Shoteby's

Na minha opinião, o primeiro passo para que você de fato consiga interagir de forma mais íntima e profunda com a arte é não julgar, de forma precipitada, sua reação em relação à obra, e nem a obra por não ter te agradado visualmente. Embora existam circunstâncias sociais que nos levam a achar determinadas coisas bonitas e outras feias, não há um padrão universal que determina o que é belo. A diversidade de reações (decorrentes das nossas vivências e subjetividade) é, no final das contas, o que enriquece o diálogo em torno da arte.

Existe uma frase que diz que quando adoramos ou nos incomodamos muito com algo em uma pessoa, é porque tais atributos podem dizer respeito a nós mesmos. Embora eu concorde em partes com essa afirmação, para as artes ela pode ser útil. Quando ouço alguém me falar que não gostou de uma obra, busco instigá-la a explorar, a partir de suas próprias sensações e experiências de vida, o que a fez não gostar daquele trabalho. Aos poucos, de acordo com as perguntas e respostas que são feitas, passamos a descobrir mais sobre nós mesmos. Dessa forma, a arte se mostra como uma janela para a individualidade humana, nos permitindo mergulhar em mundos desconhecidos e visões alternativas, dentro de nós e dos outros.

Obra da artista Meret Oppenheim — Foto: Reprodução/MoMA
Obra da artista Meret Oppenheim — Foto: Reprodução/MoMA

Portanto, a rejeição de uma obra de arte não implica na rejeição da própria arte, mas na nossa capacidade de discernir, apreciar e questionar concepções de mundo. A arte nem sempre é feita para confortar. Pelo contrário. Grande parte das obras mais impactantes que eu já vi foram feitas para confrontar, incomodar, nos fazer refletir, para que a partir dela possamos trazer mudança para nosso pensar e agir.

Compreender o contexto que existe por trás de um trabalho é o que pode fazê-lo mais interessante. Conhecer a história do artista, suas vivências e desafios enfrentados, nos leva a ter uma perspectiva mais ampla, resultando em uma apreciação mais profunda da obra, ainda que visualmente ela não seja atraente.

O valor da arte vai além de seu simples apelo estético. Ela nos convida a uma jornada emocional e intelectual, desenvolvendo nosso pensamento crítico e nossa capacidade de nos autoconhecer. Portanto, não se sinta constrangido por sua opinião sobre uma obra. Em vez disso, abrace a oportunidade de explorar suas próprias reações e descobertas. Ria, chore, se emocione, sinta a arte! Em um mundo repleto de diversidade, a multiplicidade de perspectivas é o que faz da arte algo verdadeiramente transformador.

Mais recente Próxima O uso da inteligência artificial nas artes e suas polêmicas