Arte em prosa

Por Luiza Adas

Colunista da Casa Vogue, Luiza Adas é especialista em arte, pós-graduanda em Teoria e Crítica em História da Arte e fundadora do Museu do Agora


Para quem não está familiarizado com o mercado da arte, muitas vezes as galerias podem ser vistas como meros espaços de venda de obras. O que pouco se fala, mas deve ser levado em consideração, é que a atuação de uma galeria vai muito além da comercialização de trabalhos artísticos. A conduta dos galeristas pode ser decisiva não apenas para a carreira de um artista, como também para relação que o público irá estabelecer com seus trabalhos. “Nas últimas duas décadas, a galeria desenvolveu um papel fundamental na projeção de artistas no âmbito nacional e internacional. Enquanto no passado não havia uma relação fluida com museus, curadores e críticos, hoje eles estão profundamente interligados”, explica Ana Paula Moreno, pós-doutoranda em Mercado da Arte pela Fundação Getúlio Vargas (FGV).

Espaço da Usina Luis Maluf, em São Paulo — Foto: Divulgação
Espaço da Usina Luis Maluf, em São Paulo — Foto: Divulgação

Mas, afinal, para que serve uma galeria e de que forma ela pode alavancar artistas? Veja a seguir:

O que significa uma galeria “representar” um artista?

É comum ouvir que uma galeria “representa” determinado artista. Nesse caso, trata-se de uma relação em que a responsabilidade da galeria não é apenas comercializar trabalhos, como também articular para que os interesses dos artistas em relação às suas carreiras possam ser concretizados. Segundo Akio Aoki, sócio da Galleria Continua (galeria de grande prestígio, presente na Europa, Ásia e América Latina), “formar uma boa coleção para clientes e dirigir uma boa carreira artística está mais próxima do que é ser galerista hoje. Atualmente a Galleria Continua se propõe a posicionar os artistas brasileiros que representamos em âmbito internacional, assim como é interessante também trazer a produção de arte internacional ao público brasileiro”.

A importância do espaço expográfico

Uma das grandes vantagens que um artista de galeria tem em relação aos independentes é a possibilidade de ter um espaço físico para exposição de suas obras. É papel dela garantir que, de tempos em tempos, os artistas representados tenham a possibilidade de expor seus trabalhos no local. Esta oportunidade propicia com que obras sejam vistas, debatidas e comercializadas.

Exposição 'Niobe Xandó & Ernesto Neto', que esteve em cartaz na galeria Gomide&Co, em São Paulo — Foto: Divulgação
Exposição 'Niobe Xandó & Ernesto Neto', que esteve em cartaz na galeria Gomide&Co, em São Paulo — Foto: Divulgação

Rede de relacionamento entre artistas e mercado

Ao se associar a uma galeria, o artista consequentemente pode se beneficiar das conexões que o espaço lhe proporciona. Além das relações dentro do mercado propriamente dito, com colecionadores, curadores e demais agentes da área, o indivíduo pode também se beneficiar do contato com os demais artistas representados pela galeria, a fim de expandir seus campos de visão, técnicas, temas e abordagens de trabalho.

Comunicação e construção narrativa

Com o avanço das redes sociais, fica cada vez mais claro que um dos principais mecanismos de valorização de trabalhos artísticos é a maneira como comunicamos ideias, trajetórias e obras. Para além da produção de textos curatoriais ou postagens, as galerias também vem pensando em outras ações, como visitas guiadas, rodas de conversa, desenvolvimento de materiais (como livros e outras publicações), que ajudem o artista na construção de suas narrativas e aproximação com o público.

Projetos especiais

Algumas galerias têm se empenhado em proporcionar diferentes formas de auxiliar artistas no processo de criação de suas pesquisas e obras. Um excelente exemplo disso é o projeto de residência artística desenvolvido pela Galeria Luis Maluf. Tendo concluído mais uma edição no início de 2023, o projeto convidou artistas a terem um espaço de trabalho em um galpão na Barra Funda, conhecido como Usina Luis Maluf. Nesse ano, sob direção de Ana Carolina Ralston, o programa promoveu uma série de encontros com artistas renomados, curadores e outros profissionais, para que os residentes aprimorassem suas produções. Como resultado final, a ação gerou uma exposição coletiva que permitiu com que apreciadores, colecionadores e pesquisadores pudessem entrar em contato com novos trabalhos.

Assim como dito por Luis Maluf, dono da galeria, o projeto é um olhar para o futuro na atuação das galerias de arte. “Esse programa permite com que os artistas tenham um contato não apenas com novas formas de produção, mas também com a lógica do mercado da arte. Parte desses artistas entrou para o time da galeria e outros foram para outros lugares. O projeto acaba criando um vínculo interessante entre artista, galeria e público que vão ao encontro dos pilares da galeria, que são: fomento, incentivo e educação". E completa: “Meu sonho é expandir esse projeto para que cada vez mais artistas tenham a oportunidade de vivenciar esse processo”.

A relação entre artista e galeria pode trazer frutos maravilhosos não apenas para esses dois agentes, como também para a sociedade como um todo. Apesar disso, é válido deixar claro que essas parcerias nem sempre são fáceis ou garantidoras de sucesso. É importante que o artista escolha cuidadosamente a galeria com a qual deseja associar-se, da mesma forma que deve estar ciente de suas obrigações. Não são todas as galerias que se comprometem em desenvolver um trabalho profundo, como o descrito acima, nem todos os artistas que desejam que esse trabalho seja feito.

Para nós, amantes e apreciadores de arte, resta ficar de olho nas movimentações de cada instituição para aproveitarmos aquilo que de melhor existe neste universo.

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