Descrição de chapéu forças armadas

Veja como é feito o caça Gripen no Brasil

Saab e Embraer terão de acelerar ritmo de produção para cumprir meta de entregas

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Gavião Peixoto (SP)

Com um apertado cronograma de entregas até 2027, que a própria fabricante sueca Saab reluta em chamar de exequível, o primeiro caça supersônico feito no Brasil ganha corpo em uma inédita linha de montagem no interior de São Paulo.

O Gripen E entrou na fase final de montagem na fábrica da Embraer, parceira dos suecos, em Gavião Peixoto (a 300 km da capital paulista). Quando for liberado para ensaios de voo antes de ser entregue à FAB (Força Aérea Brasileira), no fim do ano que vem, o avião terá consumido o equivalente a 375 dias e noites ininterruptos de trabalho.

Avião cinza visto de cima numa pista de pouso
Gripen usado na campanha de testes da Saab em Gavião Peixoto (SP) - Reprodução/Saab/Divulgação Saab

As 9.000 horas de trabalho tendem a cair com o avanço da produção, que mira entregar 15 dos 36 aviões comprados em contrato assinado há quase dez anos. "É natural. Em julho já teremos a segunda aeronave em montagem final e a terceira, em estrutural", disse o supervisor da Embraer na linha, Julio Granzotto.

Ele acompanhou um grupo de jornalistas, do qual a Folha fazia parte, durante a visita à fábrica na quarta passada (5). Logo ao lado é produzido o orgulho da aviação militar da empresa brasileira, o avião de transporte KC-390.

O ambiente emula o da Saab em Linköping, cidadezinha no centro da Suécia, em menor escala. Apenas um hangar é usado agora, com três plataformas de trabalho —outras poderão ser acrescidas à medida que a produção avançar, afirma Granzotto.

Pelo cronograma atual da FAB, deveria haver 8 Gripen operacionais no país hoje. Há 7, com 1 aeronave servindo à campanha de testes. "Ela será entregue no final do processo, talvez daqui a dois anos", estima o chefe do centro de ensaios de voo do Gripen no Brasil, Martin Lijonhufvud.

A questão é de ritmo. Os militares contavam com mais três aviões do modelo E, para um piloto, ainda neste ano, vindos da Suécia. Até aqui, só há notícia de mais uma entrega. Em 2025, seriam mais 2 Gripen E e 2 F, versão para dois pilotos que está em fabricação em Linköping.

O biênio 2026-27 concentra o restante da encomenda, 21 aeronaves. A reportagem questionou Häns Sjöblom, gerente-geral da Saab no local, sobre o prazo. Ele disse que vale o que está no contrato, mas preferiu não responder se o prazo é exequível.

O programa teve diversos atrasos orçamentários, usuais no Brasil. Quando o contrato de atuais R$ 20 bilhões foi assinado, em 2014, a previsão era de que todos os caças estivessem entregues até 2023. Nos últimos anos, contudo, o projeto pegou ritmo na execução. Desde 2019, foram R$ 7,7 bilhões investidos, em valores corrigidos —R$ 1,2 bilhão, o mais dispendioso projeto militar do país, em 2023.

Não há cooperação similar na história militar brasileira. A Saab investiu um valor não revelado em instalações que só existem na Suécia: além da linha de produção, há a unidade de testes de voo e um centro de desenvolvimento e pesquisa.

Ao todo, são cerca de 200 pessoas trabalhando na unidade. Os brasileiros compõem a maioria da força de trabalho, com 60 deles trabalhando diretamente na linha de produção, com apoio de supervisores suecos.

Foram treinadas no país nórdico 350 pessoas, a maioria da Embraer, mas também de empresas como a paulista Atech, de sistemas de voo.

Tal transbordo de tecnologia sempre foi o ponto de venda do Gripen, desde a primeira encarnação da licitação da FAB para ter novos caças, em 2001. É uma versão século 21 do princípio que capacitou a Embraer a construir jatos regionais, muito a partir da fabricação conjunta com os italianos do avião de ataque AMX, nos anos 1980.

Não é um processo imediato. "Tecnologias sensíveis são sujeitas a acordo adicional", disse o diretor de cooperação industrial da Saab, Luiz Hernandez. Não é algo inusual: quando a Embraer quis vender caças Super Tucano para a Venezuela, foi impedida pelos EUA, que fazem o motor e vários componentes da aeronave.

No centro de pesquisa, chama a atenção o S-Rig, um supersimulador do Gripen que não apenas traz uma réplica da cabine da aeronave ante uma gigantesca tela, mas os cérebros eletrônicos do avião, que ficam numa sala restrita ao lado e reproduzem os parâmetros de voo com exatidão.

Simulação de combate ocorre em um sistema mais simples, numa sala próxima, igual ao existente na Base Aérea da Anápolis (GO), onde os Gripen ficam sediados. O computador não mede palavras acerca do DNA do Gripen: apareciam como inimigos russos, quatro caças Su-30 e duas baterias antiaéreas Tor-M1.

Já na divisão de Lijonhufvud há duas centrais de telemetria, que colhem dados do avião de testes, e uma unidade móvel, que foi recentemente para Goiás e para o Pará. A sala de controle tem o sugestivo nome Houston, remetendo à agência espacial americana, a Nasa.

Armas também deverão ser testadas em breve, e o avião participará de seu primeiro exercício militar em novembro. Hoje, os sete Gripen da FAB ainda não fazem missões de defesa aérea, ao menos não com os sofisticados mísseis Iris-T e Meteor comprados no pacote sueco. Isso ainda cabe aos velhos caças F-5.

PRODUÇÃO TEM TRÊS ETAPAS

Mas é no hangar de produção que os dez anos de desenvolvimento da terceira geração do caça se materializam.

Na primeira e na segunda plataformas, o avião tem suas quatro partes principais unidas, inclusive componentes feitos pela Saab em São Bernardo do Campo (SP), como o cone de cauda e freios aerodinâmicos. Os 12 tanques de combustível são selados e são feitos testes de pressurização das estruturas.

Depois, é feita a medição geométrica, que visa ver se o avião está com tudo alinhado. Dali, o caça sai do hangar, recebe um banho de verniz anticorrosivo e é pintado por dentro, retornando para a montagem final sobre um carrinho que faz as vezes do trem de pouso.

Nesta fase, ele recebe 35 km de fiação e 300 metros de dutos diversos. Estabilizador vertical, canards (as "asinhas" à frente da fuselagem para melhor controle em baixa velocidade) e todo o recheio do avião vêm a seguir.

Por último, são instalados os softwares do avião, que são atualizados ao longo de sua vida útil como os de um smartphone. O avião tem o motor ligado e os sistemas, testados, e depois recebe a pintura final. A partir dali, é submetido a testes em pista e em voo, sendo então declarado pronto para entrega.

O jornalista viajou a convite da Saab

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