Um candidato acusa o outro de ser mentiroso, arrogante e desrespeitoso. O adversário retruca chamando-o de leviano e insinuando que é saudosista da ditadura militar.
A troca de ofensas ocorreu entre Geraldo Alckmin (PSDB) e Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na campanha presidencial de 2006, quando ambos disputaram o segundo turno.
O tom das agressões verbais, que se repetiria muitas vezes nos anos seguintes, mostra a dificuldade a ser superada para concretizar uma chapa única na eleição do ano que vem, com Lula candidato a presidente e Alckmin seu vice.
As articulações foram reveladas no início de novembro pela colunista Mônica Bergamo, da Folha. Embora a aliança seja ainda considerada improvável por petistas e tucanos, não foi descartada em nenhum momento.
Ao contrário, Alckmin declarou que "a política precisa ser feita com civilidade" e ressaltou que vê em Lula alguém com apreço pela democracia. Já o petista disse que tem "extraordinária relação de respeito com o tucano" e que não há nada que tenha se passado entre ambos que não possa ser reconciliado.
A reconciliação, se houver, será um exercício complexo, dado o histórico das farpas lançadas por ambos nos últimos 15 anos.
O ponto máximo de temperatura entre os agora possíveis aliados ocorreu durante o primeiro debate do segundo turno da eleição de 2006, realizado pela TV Bandeirantes em 8 de outubro daquele ano.
Lula, que durante a campanha dava sinais de que poderia vencer no primeiro turno, perdeu pontos na reta final e marcou 48,61% dos votos, contra 41,64% de Alckmin.
A inesperada necessidade de um segundo turno, e a diferença mais estreita do que se imaginava entre os dois primeiros colocados, acabou levando a uma disputa tensa.
Dois temas dominaram a campanha no segundo turno, cada um esgrimido por um dos lados.
Alckmin pressionava Lula a explicar a origem de R$ 1,75 milhão em dinheiro vivo apreendido pela Polícia Federal em um hotel de São Paulo, que seria pagamento de petistas por um dossiê com acusações falsas contra tucanos.
O escândalo derrubou o comando da campanha de Lula, que apelidou os envolvidos no caso de "aloprados".
O então presidente, por sua vez, martelava na campanha que Alckmin, se eleito, daria início a um programa radical de privatizações, que incluiria até a Petrobras. A ideia era explorar acusações de irregularidades na venda de estatais no governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2002).
Com menos de cinco minutos do debate da Band, Alckmin foi ao ataque. "Candidato Lula, de onde veio o dinheiro sujo, R$ 1,75 milhão em dinheiro vivo, para comprar um dossiê fajuto?".
Lula respondeu em tom igualmente exaltado, dizendo que essas respostas tinham de ser dadas pela PF, e que os métodos da ditadura para obter informações eram coisa do passado.
"Possivelmente o governador [Alckmin] tenha saudade do tempo da tortura, em que com meia hora de prisão já se sabia quem era o mandante do crime", disse o então presidente.
O contra-ataque do petista veio numa pergunta sobre acusações de irregularidades na Saúde praticadas pelo ex-ministro tucano Barjas Negri. "O governador, nas suas bravatas, ele fala de uma moralidade que parece que ele está numa sacristia", disse Lula.
"Não meça as pessoas pela sua régua. [...] Se há alguém que não tem moral para falar de ética é o governo Lula", reagiu. Em outro momento, disse que o adversário mentia. "Quanta mentira. Quanta mentira. Como o Lula mudou".
No dia seguinte, ao comentar o debate, o então presidente disse que o tucano parecia um delegado de polícia no evento.
No QG da campanha de Alckmin, a avaliação foi de que ele havia exagerado na agressividade e que o tom não combinava com a personalidade pacata do candidato. Nos debates seguintes, Alckmin seguiria mencionando o tema da corrupção, mas de maneira mais sóbria.
Lula, por sua vez, procurava caracterizar o oponente como alguém que não tinha preocupação com a área social.
"Ao invés de ficar apenas com leviandade, governador, é importante ter em conta o seguinte: quais são as políticas sociais concretas que o PSDB tem para o Brasil? Porque o fato concreto é que a única coisa que vocês sabem fazer é vender o patrimônio público."
A exploração do tema das privatizações abalou Alckmin, que chegou a vestir uma jaqueta com os logotipos de estatais num ato de campanha, atitude depois considerada equivocada inclusive por aliados.
"Quando veio a surpresa de que teria segundo turno, houve uma pasmaceira inicial do nosso lado, e então demos a sugestão de entrar firme com a história das privatizações. Deu tão certo que o Alckmin se rendeu ao nosso ataque", diz o deputado federal Rui Falcão (PT-SP), na época parte da coordenação de campanha de Lula em São Paulo.
O petista acabou sendo reeleito no segundo turno com 60,83% dos votos, contra 39,17% de Alckmin. Num fato raro em eleições, o tucano teve menos votos na etapa final do que no primeiro turno.
Embora sem a mesma contundência expressada em 2006, Alckmin voltou à carga posteriormente contra o petista em momentos-chave de sua carreira política.
"Depois de ter quebrado o Brasil, Lula diz que quer voltar ao poder. Ou seja, meus amigos, ele quer voltar à cena do crime", disse o tucano em dezembro de 2017, ao assumir a presidência nacional do PSDB.
Na ocasião, ambos já deixavam clara a ambição de concorrer à Presidência no ano seguinte. Alckmin conseguiu, mas teve apenas 4,76% dos votos, ficando em quarto lugar. Lula, preso, não disputou o pleito.
Outro exemplo ocorreu em março do ano seguinte, quando dois ônibus de uma caravana de Lula pelo Paraná foram atingidos a tiros. Alckmin disse que o PT estava "colhendo o que plantou".
Para Falcão, todo esse passado torna muito difícil a concretização de uma aliança agora. "Como simbologia essa aliança é muito ruim. Tem todo o histórico do Alckmin, é o cara das privatizações, é ultraconservador. São questões que vêm à tona nesse momento", afirma.
Do outro lado, a possibilidade também é vista com ceticismo. Integrante da coordenação da candidatura de Alckmin em 2006, o ex-senador Heráclito Fortes (DEM-PI) diz que a campanha empreendida pelo PT contra o tucano na época foi injusta, especialmente com relação às privatizações.
"Foi uma coisa cruel. Lembro que fomos a um comício no interior do Rio Grande do Sul e havia uns caras vestidos com camisa dos Correios e do Banco do Brasil gritando, tudo obviamente orquestrado por sindicatos ligados ao Lula. Foi algo muito constrangedor", declara.
Esse histórico, afirma ele, dificulta qualquer entendimento. "Dizia o Tancredo [Neves] que na política e no amor não existe jamais. Mesmo assim, não acho fácil [a aliança]. Água e óleo não se misturam", diz o ex-senador.
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