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Beth Saad e João Pedro Malar

Os desafios da remuneração do jornalismo pelas big techs

Casos recentes de Austrália e Canadá evidenciam cenário pouco promissor

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Beth Saad

Professora titular sênior da ECA-USP, é coordenadora do Com+, grupo de pesquisa em Comunicação e Jornalismo Digitais

João Pedro Malar

Jornalista e mestrando em ciências da comunicação na ECA-USP; membro do Com+

A Meta —empresa dona do Facebook, WhatsApp e Instagram— anunciou que vai encerrar a visualização e o compartilhamento de links noticiosos no Canadá. A ação é mais um episódio na briga entre big techs, jornais e governos e mostra as dificuldades para a remuneração de veículos jornalísticos.

Típico sinal dos novos tempos, em que jornais enfrentam violentas crises econômicas devido a mudanças trazidas pelo digital. Se os jornais detinham um monopólio na distribuição de notícias, hoje ela está nas mãos das big techs, com suas redes sociais e mecanismos de busca.

Logo da Meta impresso em 3D e, ao fundo, o logo do Google - Dado Ruvic - 2.nov.2021/Reuters - REUTERS

Entretanto, a neutralidade é distante, pois os algoritmos influenciam e controlam o alcance que uma notícia terá. Sua distribuição é benéfica para as plataformas, pois alimentam usuários, debates e tempo de permanência nesses espaços, essenciais para seus modelos de negócio.

Foi diante desse cenário que governos começaram a se mobilizar para aprovar leis que obrigam as plataformas a remunerar os veículos jornalísticos pela distribuição e uso de seus conteúdos.

A Austrália aprovou, em 2021, o News Media Bargaining Code para que big techs e jornais sentassem à mesa para acordar uma remuneração, mediados por um órgão estatal. A reação das plataformas foi imediata.

Além das críticas, a Meta decidiu ocultar todos os conteúdos noticiosos do Facebook. A empresa foi fortemente criticada, mas a estratégia foi parcialmente efetiva. O governo australiano acabou aceitando um meio-termo e definiu que a mediação estatal só ocorreria se as empresas não se entendessem.

Na prática, isso permitiu que as plataformas escolhessem com quais veículos iriam conversar, e as notícias voltaram para as redes. Um relatório divulgado pelo próprio governo australiano mostra que a medida teve efeitos mistos. Por um lado, resultou em 200 milhões de dólares australianos para jornais pagos pelo Google e pela Meta. Por outro, a falta de transparência nos acordos dificulta saber como esse dinheiro foi gasto.

Já a experiência do Canadá indica que a vontade de continuar com acordos como os da Austrália está baixa. O país aprovou neste ano o Online News Act, que obriga as big techs a remunerar veículos caso links de matérias circulem em suas plataformas.

A lei ainda não entrou em vigor, mas a Meta começou a impedir a visualização desses links no país. E o Google promete fazer o mesmo. Para as plataformas, é importante não ceder e acabar incentivando outros países a não adotarem leis semelhantes. Ao mesmo tempo, nenhum governo quer parecer fraco diante dessas empresas. Não há como saber quem vai ceder primeiro.

Quem perde enquanto isso? Se as not��cias desaparecerão das redes sociais e buscadores, as fake news continuarão lá. Se elas já causam o impacto significativo que observamos nos últimos anos, o que ocorrerá quando não tiverem nem essa competição, que já era desigual?

Todos os veículos serão prejudicados pela falta dos canais atuais de distribuição, mas os menores, com alcance reduzido e público menos fiel, com certeza serão os mais afetados, já que não entram nesses acordos.

Mas o que os dois casos mostram ao Brasil? A transparência na remuneração é essencial. Do contrário, o cenário australiano é o mais provável: poucos veículos beneficiados e uma dificuldade de saber como o dinheiro está sendo usado.

O caso do Canadá nos mostra a força das plataformas e a importância de uma discussão ampla para evitar que o tiro saia pela culatra —e, mesmo que no curto prazo, faça mais mal do que bem.

Se é inegável que os jornais merecem alguma remuneração das plataformas, também é preciso refletir como tais recursos serão aplicados. Investir nas práticas atuais sem pensar em alternativas reforça uma lógica que vê as plataformas como inescapáveis e facilita jogos de pressão como o que vemos no Canadá.

Também é importante lembrar que o jornalismo passa por outras crises. De reputação, de representatividade, de relação com o público. É ilusório achar que alguns milhões a mais para o setor resolverão o problema. Que jornalismo queremos remunerar?

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