Proporção de mulheres e crianças mortas em Gaza diminui desde dezembro

Dados do Ministério da Saúde palestino indicam queda em parcela apesar de aumento em número absoluto de óbitos

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Boa Vista

A proporção em que mulheres e crianças morrem na Faixa de Gaza em relação ao total de óbitos no conflito vem diminuindo ao menos desde dezembro, segundo dados do Ministério da Saúde local, controlado pelo Hamas.

A partir da análise de seis relatórios divulgados pelo órgão, da segunda semana de dezembro até a primeira semana de maio, a parcela de mulheres e crianças entre os registros acumulados de óbitos de palestinos no sistema de ocorrências local caiu de cerca de 61% para 52%.

A redução acompanha tendência encontrada também pela agência Associated Press, que identificou ainda queda mais acentuada da proporção quando analisadas apenas as mortes ocorridas em abril. Segundo o veículo, mulheres e crianças foram 38% dos mortos no conflito durante abril, ante 64% durante outubro.

Palestino em meio a escola que serve de abrigo para deslocados em Gaza e foi alvo de bombardeio, em Nuseirat
Palestino em meio a escola que serve de abrigo para deslocados em Gaza e foi alvo de bombardeio, em Nuseirat - Bashar Taleb - 6.jun.2024/AFP

A agência utilizou, além de relatórios, as poucas listas detalhadas de mortos do órgão palestino que indicam nome, sexo, idade e número de documento de identificação de cada pessoa falecida em decorrência do conflito.

Como a Folha não teve acesso às mesmas listas discriminadas e não usou necessariamente os mesmos relatórios que a agência, não pode calcular as mesmas proporções, preferindo portanto restringir a análise às mortes acumuladas e registradas apenas nos seis relatórios escolhidos, divulgados pelo ministério em seu canal no Telegram.

A escolha dos documentos, por sua vez, limitou-se a um relatório por mês porque os cálculos seriam feitos com base apenas no número acumulado e porque o próprio ministério não divulgou os documentos com uma periodicidade padronizada. As proporções encontradas se assemelham às da Associated Press.

Segundo a agência, mulheres e crianças representaram 64% do total de mortes com registros completos no fim de outubro, 62% no início de janeiro, 57% no fim de março e 54% no fim de abril. Na análise da Folha os números são: 61% no começo de dezembro, 59% no fim de janeiro, 58% no início de fevereiro, 57,8% no fim de março, 52% no fim de abril e 51,6% no início de maio.

Em março, o ministério chegou a afirmar que o número de crianças e mulheres mortas em meio a ações de Israel em Gaza representava 72% do total de óbitos de palestinos —o que contradiz tanto a análise da Associated Press quanto a da Folha, ambas produzidas com dados divulgados pelo próprio órgão palestino.

A agência americana identificou ainda, nas listas nominais de óbitos, dezenas de entradas duplicadas ou com erros de registro (com números de identificação com algarismos a menos, por exemplo).

O colapso gradual e consequente isolamento de vários hospitais da Faixa de Gaza a partir do fim do ano passado, somados ao avanço das tropas israelenses, também dificultaram o registro de mortes. Os relatórios do ministério passaram a discriminar milhares de óbitos não identificados e que não puderam ser registrados no sistema de saúde, tendo sido relatados por familiares ou reportados pela imprensa, segundo os documentos.

Já em dezembro os relatórios fazem essa distinção. Em arquivo do dia 11 daquele mês, o órgão afirma que o total de mártires —como palestinos têm chamado seus mortos no conflito— era de 18.412, dos quais 4.159 teriam sido "monitorados via fontes confiáveis da mídia". Isso representa 22,6% do total de óbitos nesse documento.

Essa proporção chegou a pouco menos da metade em relação a dados de relatório do fim de março: cerca de 14,6 mil das 32,2 mil mortes registradas pelo ministério vinham de relatos de familiares e da imprensa local. Depois, a parcela voltou a cair e atingiu 28% no começo de maio.

Segundo especialistas ouvidos pela Associated Press, a coleta de informações a partir de metodologias diferentes dificulta cálculos e estimativas dos números reais.

Em meados de maio, as Nações Unidas revisaram a contagem de mortos, passando a considerar apenas vítimas com identificação completa, como a distinção feita pelo Ministério da Saúde do território palestino. A medida reduziu o total de óbitos contabilizado pela ONU em 10 mil pessoas.

À época da correção, Farhan Haq, porta-voz da organização, afirmou ao jornal The New York Times que a ONU confiava nos dados do ministério de Gaza e que usou brevemente informações do escritório de imprensa do território palestino em razão de interrupções na divulgação da Saúde.

A discrepância causada pela revisão intensificou o debate sobre a confiabilidade das informações vindas de Gaza, e autoridades israelenses disseram desconfiar da contagem do Ministério da Saúde. Um porta-voz do Exército, o tenente-coronel Nadav Shoshani, afirmou na ocasião que a pasta não fazia distinção em seus números entre integrantes do Hamas e civis.

Segundo a Associated Press, o diretor do centro de emergências do ministério, Moatasem Salah, rejeita acusações vindas de Israel sobre manipulação do número de mortos. À agência, ele afirmou que a conta está subnotificada em razão de pessoas desaparecidas, sob escombros ou cuja morte não foi notificada.

"Acho que os dados estão cada vez mais falhos", disse o professor de economia Michael Spagat, que pesquisa conflitos armados. Ele, contudo, ressalta que "as falhas não mudam necessariamente o quadro geral".

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