Palestinos detidos em base militar acusam Exército de Israel de praticar tortura

Detentos dizem ter sido submetidos a violações, sem acusações ou direito a defesa; Tel Aviv nega abusos e diz investigar casos

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Sde Teiman (Israel) | The New York Times

Os homens estavam sentados em fileiras, algemados e vendados. Eles foram proibidos de falar mais alto do que um sussurro e proibidos de ficar em pé ou dormir, exceto quando autorizados. Alguns se ajoelharam em oração. Todos estavam isolados do mundo exterior, impedidos por semanas de entrar em contato com advogados ou parentes.

Essa foi a cena em uma tarde de maio em um hangar militar dentro de Sde Teiman, uma base do Exército no sul de Israel que se tornou sinônimo da detenção de palestinos da Faixa de Gaza. A maioria dos palestinos capturados em Gaza desde o início da guerra em 7 de outubro foi levada ao local para interrogatório inicial, de acordo com o Exército israelense.

A imagem mostra um posto de controle militar, com dois soldados conversando atrás de uma cerca de arame farpado. O edifício tem sinais em hebraico e símbolos militares, indicando que é uma instalação de segurança. Há barreiras de concreto e câmeras de segurança.
Base militar de Sde Teiman, em Israel; local tem recebido palestinos detidos sem acusações ou representação legal - Avishag Shaar-Yashuv - 31.mai.24/The New York Times

Até o final de maio, cerca de 4.000 detentos haviam passado até três meses em Sde Teiman, incluindo várias dezenas de pessoas capturadas durante os ataques terroristas liderados pelo Hamas em Israel em outubro. Após o interrogatório, cerca de 70% dos detentos foram enviados para prisões construídas para investigação e acusação adicionais, de acordo com os comandantes do local que falaram ao Times.

O restante, pelo menos 1.200 pessoas, foi considerado civil e devolvido a Gaza, sem acusação, pedido de desculpas ou compensação.

"Meus colegas não sabiam se eu estava morto ou vivo", disse Muhammad al-Kurdi, 38, um motorista de ambulância que o Exército confirmou ter sido detido. Ele disse que foi capturado em novembro depois que seu comboio de ambulâncias tentou passar por um posto de controle na Cidade de Gaza. "Fiquei preso por 32 dias. Pareceram 32 anos."

Uma investigação de três meses do The New York Times descobriu que esses 1.200 civis palestinos foram mantidos em Sde Teiman em condições humilhantes sem a capacidade de apresentar seus casos a um juiz por até 75 dias. Os detentos também não tiveram acesso a advogados por até 90 dias, e sua localização é ocultada de grupos de direitos humanos, bem como do Comitê Internacional da Cruz Vermelha, em uma violação do que alguns especialistas legais dizem ser uma contravenção da lei internacional.

Oito ex-detentos, todos os quais o Exército confirmou terem sido detidos no local e que falaram sob condição de anonimato, disseram ter sido socados, chutados e espancados com cassetetes, coronhas de rifles e um detector de metal portátil enquanto sob custódia. Sete disseram ter sido obrigados a usar apenas uma fralda durante o interrogatório. Três disseram ter recebido choques elétricos.

A maioria dessas acusações foi corroborada em entrevistas conduzidas por funcionários da UNRWA, agência da ONU para refugiados palestinos.

Um soldado israelense que serviu no local, falando sob condição de anonimato para evitar processos, disse que colegas soldados frequentemente se vangloriavam de espancar detentos e viram sinais de que várias pessoas haviam sido submetidas a tal tratamento.

Dos 4.000 detidos alojados em Sde Teiman desde outubro, 35 morreram no local ou após serem levados para hospitais civis próximos. Autoridades da base disseram que alguns deles morreram por causa de ferimentos ou doenças contraídas antes de sua prisão e negaram que algum deles tenha morrido em decorrência de abusos. Promotores militares estão investigando as mortes.

Durante a visita, médicos militares disseram que nunca observaram sinais de tortura, e comandantes disseram que tentaram tratar os detidos da forma mais humana possível. Entretanto, confirmaram que pelo menos 12 soldados foram dispensados de suas funções no local, alguns deles por uso excessivo de força.

O Exército israelense negou que tenha ocorrido "abuso sistemático" em Sde Teiman. Disse que as acusações eram "evidentemente imprecisas ou completamente infundadas" e poderiam ter sido inventadas sob pressão do Hamas. Não foram fornecidos mais detalhes.

"Qualquer abuso de detidos, seja durante sua detenção ou durante interrogatórios, viola a lei e as diretrizes das Forças de Defesa de Israel (IDF) e, como tal, é estritamente proibido". "As IDF levam qualquer ato desse tipo, que seja contrário aos seus valores, com a maior seriedade e examinam minuciosamente acusações concretas sobre o abuso de detidos."

O Shin Bet, a agência de inteligência interna de Israel, que conduz alguns dos interrogatórios no local, disse em uma breve declaração que todos os seus interrogatórios são "realizados de acordo com a lei".

Yoel Donchin, um médico militar que atua no local, disse que não estava claro por que os soldados israelenses haviam capturado muitas das pessoas que ele tratou lá, algumas das quais eram altamente improváveis de serem combatentes envolvidos na guerra. Um era paraplégico, por exemplo, e outro respirava desde a infância por meio de um tubo inserido em seu pescoço.

Como os Detidos São Capturados

Fadi Bakr, 25, um estudante de direito da Cidade de Gaza, disse que foi capturado em 5 de janeiro por soldados israelenses perto de sua casa. Deslocado pelos combates no início da guerra, ele diz que havia retornado ao seu bairro para procurar farinha, mas se viu no meio de um tiroteio e foi ferido.

Os israelenses o encontraram sangrando depois que os combates pararam. Eles o despiram, confiscaram seu telefone e seu dinheiro, o espancaram repetidamente e o acusaram de ser um combatente que havia sobrevivido à batalha.

"Confesse agora ou eu vou te matar", Bakr lembrou de ter ouvido. "Eu sou civil", Bakr disse ter respondido, sem sucesso. As circunstâncias da prisão de Bakr refletem as de outros ex-detidos entrevistados pelo Times.

Younis al-Hamlawi, 39, enfermeiro, disse ter sido preso em novembro depois de sair do Hospital Al-Shifa na Cidade de Gaza durante uma incursão israelense no local. Soldados israelenses o acusaram de ter laços com o Hamas.

Todos os oito ex-detidos descreveram sua captura de maneiras semelhantes: geralmente eram vendados, algemados com lacres de plástico e despidos, exceto pela roupa íntima, para que os soldados israelenses pudessem ter certeza de que estavam desarmados.

A maioria disse ter sido interrogada, espancada e chutada ainda em Gaza, e alguns disseram ter sido espancados com coronhas de fuzil. Depois eram amontoados com outros detidos seminus em caminhões militares e levados para Sde Teiman.

Como funcionam os interrogatórios

Cerca de quatro dias após sua chegada, Bakr disse que foi chamado para interrogatório. Assim como outros que falaram com o Times, ele lembrou de ser levado para um recinto separado que os detentos chamavam de "sala de discoteca" —porque eram obrigados a ouvir música extremamente alta que os impedia de dormir. Bakr considerou isso uma forma de tortura, dizendo que era tão doloroso que sangue começou a escorrer de dentro de sua orelha.

Vestindo apenas uma fralda, Bakr disse ter sido levado para uma sala separada para ser questionado. Os interrogadores o acusaram de ser membro do Hamas e mostraram-lhe fotografias de combatentes para ver se ele conseguia identificá-los. Eles também perguntaram sobre o paradeiro de reféns, bem como de um líder sênior do Hamas que morava perto da casa da família de Bakr. Segundo ele, quando negou qualquer ligação ao grupo ou qualquer conhecimento dos homens nas fotos, foi espancado repetidamente.

A imagem mostra uma grande estrutura retangular, semelhante a entrada de um posto de pedágio, em um terreno árido. Não há veículos ou pessoas visíveis, apenas postes de iluminação e uma cerca de metal ao redor da área.
A base de Sde Teiman fica no deserto de Negev, em Israel - Avishag Shaar-Yashuv - 31.mai.24/The New York Times

Al-Hamlawi, o enfermeiro, disse que uma oficial feminina ordenou a dois soldados que o levantassem e pressionassem seu reto contra uma vara de metal fixada no chão. Ele disse que a vara penetrou em seu reto por cerca de cinco segundos, causando sangramento e deixando-o com "dor insuportável".

Um rascunho vazado de um relatório da UNRWA citou um detento de 41 anos que disse que os interrogadores o "fizeram sentar em algo como uma vara de metal quente". O documento também diz que outro detento "morreu depois que colocaram uma vara elétrica" em seu ânus.

Liberado sem acusações

Depois de mais de um mês de detenção, Bakr disse que os oficiais pareciam aceitar sua inocência. Em uma manhã de fevereiro, ele foi colocado em um ônibus rumo à fronteira de Israel com o sul de Gaza: Depois de um mês de detenção, ele estava prestes a ser libertado.

Ao amanhecer, o ônibus chegou ao ponto de cruzamento de Kerem Shalom. Como outros detentos libertados, Bakr caminhou por mais de um quilômetro antes de ser recebido por trabalhadores humanitários da Cruz Vermelha. Em seguida, o levaram a um terminal próximo onde, segundo ele, foi brevemente interrogado por autoridades de segurança do Hamas sobre seu tempo em Israel.

Pedindo emprestado um telefone, ele ligou para sua família, que ainda estava na Cidade de Gaza. Foi a primeira vez que ouviram falar dele em mais de um mês, disse Bakr. "Eles me perguntaram, 'Você está vivo?'"

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