EUA e aliados desafiam ameaça nuclear de Putin e liberam uso de armas contra a Rússia

Washington e Alemanha fazem anúncios limitados para tentar conter russos; Zelenski diz que ataque é questão de tempo

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São Paulo

Os Estados Unidos e seus principais aliados na Otan decidiram desafiar as ameaças nucleares de Vladimir Putin de forma aberta pela primeira vez desde que o presidente russo determinou a invasão da Ucrânia, em fevereiro de 2022.

Após uma sequência de anúncios de membros da aliança militar ocidental permitindo o emprego de armas doadas a Kiev contra alvos no território russo, o que havia levado Putin a alertar contra o risco de uma guerra global, Washington e Berlim cederam e acompanharam os aliados.

Stoltenberg, de pernas cruzadas, comanda reunião de chanceleres da Otan no Palácio Czernin, em Praga
Stoltenberg, de pernas cruzadas, comanda reunião de chanceleres da Otan no Palácio Czernin, em Praga - Peter David Josek/Pool/Reuters

A principal decisão, a americana, foi vazada na quinta (30) ao site Politico e depois ao jornal The New York Times e outros meios, mas com um detalhe que lhe dá caráter de teste de estresse: as armas dos EUA só poderão ser usadas contra alvos militares usados na ofensiva contra Kharkiv.

Nesta sexta (31), durante reunião de chanceleres da Otan em Praga, o secretário de Estado, Antony Blinken, confirmou sem detalhar a liberação de uso em áreas fronteiriças daquela região.

No dia 10 passado, Putin abriu uma nova frente naquela área, no norte e nordeste ucranianos, e a velocidade de seus ganhos, além do impacto nas defesas gerais de Kiev, assustaram o Ocidente com o risco de um colapso nas defesas de Volodimir Zelenski.

Nesta sexta (31), os alemães anunciaram em Berlim a mesma medida, além de um pacote adicional de ajuda militar a Kiev. Mas os desejados mísseis de cruzeiro Taurus, demanda de Zelenski há meses, não serão fornecidos.

Até aqui, a Alemanha seguia a diretriz de Joe Biden de proibir o emprego de armas doadas aos ucranianos contra a Rússia. O temor, nas palavras do presidente americano, era a percepção de uma escalada que levasse à Terceira Guerra Mundial entre potência nucleares.

Essa linha vermelha está sendo testada agora, restando saber a reação de Moscou quando o primeiro míssil americano ou britânico destruir uma base russa. Até aqui, contudo, a ideia de envio de tropas segue vetada pelos EUA —a França e países do Leste Europeu têm sugerido isso, e instrutores militares de Paris deverão ir à Ucrânia, sem função de combate por ora.

O presidente ucraniano, que foi a Estocolmo nesta sexta para assinar acordos militares com a Suécia e a Noruega, disse pela manhã que estava ciente da intenção americana. "Recebemos a mensagem do lado americano hoje cedo. Eu não posso dar detalhes, quero ver na prática o que será", disse.

Já o secretário-geral da Otan, o norueguês Jens Stoltenberg, disse que "os russos nos ameaçam desde o começo da guerra, e não nos dissuadiram". "Autodefesa não é escalada. É um direito fundamental, entronizado na Carta da ONU. Nós temos o direito de ajudar a Ucrânia a manter seu direito de autodefesa", afirmou em Praga.

Na reunião na República Tcheca, foram acertadas metas para tentar manter a ajuda militar dada pelos 32 membros do bloco em 2023 a Kiev, cerca € 40 bilhões (R$ 225 bilhões), ao menos no mesmo nível até a guerra acabar.

A ideia é amarrar os americanos ao arranjo, pelo temor de uma vitória de Donald Trump na disputa pela Casa Branca, em novembro. O republicano é visto como russófilo e já disse que não iria apoiar Kiev —com efeito, o Kremlin criticou nesta sexta a condenação do ex-presidente em ação penal, qualificando-a de perseguição.

A movimentação foi criticada pelo principal aliado de Putin na aliança, o premiê húngaro, Viktor Orbán. Nesta sexta, em entrevista à rádio Kossuth, ele afirmou que a "a Otan deixou a fase de discussão e entrou na preparação" para uma guerra com a Rússia. "Estamos próximos da destruição", disse

MOSCOU EVITA REAÇÃO

Moscou ainda não piscou ante à nova situação. O porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov, abandonou a usual loquacidade e disse que não tinha detalhe algum acerca da decisão de Biden. Sobrou ao sempre belicoso ex-presidente Dmitir Medvedev escrever em rede social que a Rússia não está blefando sobre o uso de armas nucleares.

Com isso, Putin ganha tempo para medir sua reação. Ameaças nucleares vêm sendo feitas de formas mais ou menos sutis por Putin desde a semana que antecedeu a invasão, em fevereiro de 2022. Elas funcionaram para manter os EUA e aliados fora do conflito diretamente, dado que pela carta da Otan se um país for atacado, o bloco todo tem de reagir.

Além disso, serviram para manter o envio de armas de forma paulatina. Tanques ocidentais só apareceram na guerra mais de um ano depois de seu começo, caças americanos usados F-16 talvez sejam pilotados por ucranianos no segundo semestre em quantidades limitadas.

Mais recentemente, Putin determinou exercícios com armas nucleares táticas, de emprego em campo de batalha, como resposta às sugestões de Macron de enviar tropas e de Londres, de liberar o uso de armas contra solo russo. Ameaçou também atacar alvos britânicos.

O presidente dissimula objetivos, dizendo que a operação no norte ucraniano visa proteger as populações do sul russo, particularmente de Belgorodo, afastando o alcance de armas ucranianas. Nesta sexta, em meio ao debate político, os russos voltaram a bombardear Kharkiv, a capital da região homônima e segunda maior cidade do país invadido.

Peskov disse que "sabemos que a Ucrânia vem tentando nos atingir com armas americanas" na região, mas agora isso é política de Estado em Washington e outras capitais, potencialmente abrindo uma nova e perigosa fase na guerra.

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