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André Klotzel

Regulação do streaming é essencial para impulsionar produção brasileira

Vídeo sob demanda precisa ser objeto de lei para ampliar oferta aos consumidores e financiar conteúdo nacional

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André Klotzel

Cineasta, dirigiu "A Marvada Carne", entre outros filmes

[RESUMO] A regulação do vídeo sob demanda no Brasil, que enfrenta impasses no Congresso, é urgente para permitir que o audiovisual do país possa competir em um mercado com forte atuação de empresas estrangeiras. A norma deve tanto garantir espaço para obras nacionais no streaming quanto instituir uma tributação sobre o faturamento das plataformas, revertida à produção de conteúdo brasileiro.

Neste momento em que se discute a implementação de uma legislação que estabelece regras para o vídeo sob demanda (VoD), também conhecido como streaming, vale relembrar a frase atribuída a Glauber Rocha: "Um país sem cinema é como uma casa sem espelho". Esta frase é uma boa síntese do audiovisual na formação da identidade cultural de um povo.

Mas além de sua importância cultural, o cinema e o audiovisual são também uma indústria significativa que gera empregos, renda e divisas. A combinação dos aspectos culturais e econômicos multiplica a relevância estratégica da ocupação de mercado no cinema, na televisão e agora no VoD. Este último veículo está em fase de conformação a parâmetros de mercado por meio de projetos de lei que tramitam no Senado e na Câmara, a chamada regulação.

Mulher suja de terra olha para o horizonte
A atriz Alice Carvalho em cena de 'Cangaço Novo', série original brasileira do Prime Video - Divulgação

Essa regulação, no entanto, está muito atrasada. Para se ter uma ideia, o Brasil foi o primeiro país de língua não inglesa em que a Netflix se estabeleceu, em 2011. Ainda não temos uma regulação, enquanto a União Europeia se antecipou e, em 2010, aprovou sua primeira norma para o setor. Diversos outros países já têm regras implementadas, enquanto nós, que estamos entre os maiores consumidores de conteúdo audiovisual na internet, estamos com impasses em meio a discussões anacrônicas.

Em todos os lugares, a regulação abarca algumas questões genéricas, como informações, registros e acesso, mas também há dois eixos fundamentais que se complementam e dizem respeito à competição do produto local: a garantia de espaço para as obras audiovisuais nacionais e políticas de subvenção à produção.

Esses princípios são o ponto sensível da discussão, tanto para o VoD quanto para o cinema e a televisão. É comum vê-los questionados não só pelas empresas internacionais, diretamente interessadas, mas também pelo público leigo. Vale um esclarecimento a respeito.

A taxação sobre a importação de produtos é um princípio básico da economia que visa garantir a competição justa e o desenvolvimento das indústrias locais, entre outros aspectos. Mas o cinema e o audiovisual, apesar de gerarem bilhões de dólares em divisas, não são considerados mercadorias banais: são cultura.

Pelas regras internacionais, a propriedade intelectual não pode ser taxada —apenas os objetos físicos podem. Dessa forma, se um livro é publicado no Brasil, ele não sofre taxação, mas a importação do objeto físico do livro é taxada. Assim, os filmes e todo o audiovisual, que não são objetos, entram com o pedigree cultural, sem pagar nada nesse mercado bilionário.

Agora, imagine qual seria a situação da indústria automobilística ou alimentícia do Brasil se não houvesse nenhuma barreira alfandegária. Elas naufragariam.

Para corrigir essa distorção evidente no audiovisual, estabeleceu-se mundialmente os dois eixos mencionados, garantia de presença da produção nacional e formas de subvenção do produto local, como compensação à não taxação.

A atividade audiovisual no Brasil pleiteia nada mais que a implementação desses dois pontos. Uma cota de 10% para filmes e séries brasileiros nas plataformas —com visibilidade desses conteúdos, que também deveria ser de 10%— e uma tributação sobre o faturamento das plataformas, que servirá para produzir os conteúdos por meio de investimento direto das empresas e do FSA (Fundo Setorial do Audiovisual).

Ou seja, as plataformas terão que desenvolver estratégias para incluir e financiar o audiovisual brasileiro e independente —por independente, entende-se que a propriedade intelectual das obras não é das plataformas— e evidentemente ter bons resultados com isso, porque esse é o negócio delas.

Essa estratégia, aplicada mundialmente, deu certo no cinema e na televisão por assinatura. No Brasil, a Lei da TV Paga (12.485, de 2011) é o exemplo mais claro e simples de explicar. Logo antes de a norma entrar em vigor, os canais estrangeiros monitorados pela Ancine (Agência Nacional do Cinema) exibiam apenas 1% de conteúdo brasileiro.

As programadoras estrangeiras não acharam boa a ideia de criação de cotas, que passaram a obrigar a maior parte dos canais de televisão por assinatura a exibir cerca de 4% de conteúdo brasileiro independente no horário nobre. Atualmente, os canais colocam mais de 15% de conteúdo brasileiro independente na grade porque perceberam que a demanda é bem maior.

Vale observar que, por pelo menos um aspecto, o VoD é a forma menos impositiva de oferecer audiovisual: observadas as limitações de cada plataforma, o espectador tem a escolha do que assistir e quando assistir; é o espectador que decide isso com um clique. A ele, deve ser oferecida a opção de escolher filmes brasileiros.

O Brasil gosta de ver o Brasil nas telas. Abram alas para o VoD passar.

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