Paulo Autran trope�ou em mim, conta diretor de document�rio sobre ator
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Paulo Autran em montagem de 1970 da pe�a "Brasil e Cia"; a imagem integra o document�rio "Paulo Autran - O Senhor dos Palcos" |
Paulo Autran trope�ou em mim no palco do Teatro Dulcina, no Rio de Janeiro, em 1998.
Trope�ou literalmente: eu estava sentado no ch�o da coxia, fazendo anota��es sobre a pe�a que estava sendo montada, e Paulo foi ao ch�o. "Cuidado, menino!", ele bronqueou.
Ajudei o vulto mal-humorado a se levantar e, quando eu vi quem era, fiquei roxo de vergonha. Foi esse o nosso primeiro contato.
A pe�a era "A Resist�vel Ascens�o de Arturo Ui", de Bertolt Brecht, com dire��o de meu tio-av� Ant�nio Abujamra, na companhia Os Fodidos Privilegiados. Paulo havia acabado de chegar para fazer uma participa��o de poucas semanas. Eu ainda n�o o havia encontrado, s� ouvia coisas como "o Paulo t� a�!", "o Paulo vem hoje!".
E ent�o, o tombo. Na minha imagina��o, quase fiz com que ele quebrasse uma perna. Break a leg, a vers�o em ingl�s para "merda", ou boa sorte, no teatro. Fantasia pura, ningu�m se feriu.
Ap�s o pito, Paulo sorriu meio de lado e seguiu. No pouco tempo em que esteve l�, mostrou um carinho especial pela juventude furiosa da nossa companhia. Sentiu-se em casa, o que foi contra todas as minhas expectativas. Acho que eu esperava um lorde andando nas pontas dos p�s, de perucas brancas e cacheadas, e encontrei um colega, sem realeza nem pompa.
Eu tinha 20 e poucos anos e certezas demais. N�o sabia que Paulo Autran havia sido forjado no TBC (Teatro Brasileiro de Com�dia), primeira companhia profissional no Brasil. Ele sabia tudo sobre a din�mica das companhias e eu, na minha juventude, queria acreditar que aquilo tudo era novo, era nosso, era nossa inven��o. Um erro doce.
Quase 20 anos depois, as companhias teatrais foram meu assunto preferido no document�rio "Paulo Autran - O Senhor dos Palcos".
No corte final de um document�rio, muita coisa fica de fora. Acho que consegui transmitir o que mais interessava, mas um assunto me doeu mais do que os outros por n�o ter entrado no filme: a rela��o de Paulo com Ziembinski.
Zbigniew Ziembinski nasceu na Pol�nia e veio para o Brasil fugindo da Segunda Guerra. Foi um dos fundadores do teatro moderno brasileiro e um dos diretores mais importantes do TBC, onde tamb�m atuava. Paulo Autran, como ator, era a grande estrela masculina da companhia. E os dois n�o se davam. Mas n�o se davam mesmo.
Paulo sempre foi muito pol�tico e cuidadoso em suas entrevistas, n�o falava mal de ningu�m —no m�ximo, ironizava situa��es com seu humor privilegiado. Mas quando o assunto era Ziembinski, n�o tinha pudores em descascar o colega, sempre com muita gra�a.
Segundo Paulo, Zimba era um diretor absolutamente ditatorial, que teve um sucesso —a hist�rica montagem de "Vestido de Noiva", de Nelson Rodrigues— e mil fracassos.
Durante mais de 30 anos de entrevistas, ele n�o perdeu uma oportunidade de esculhambar o outro.
Divertia-se muito � custa das idiossincrasias do velho polon�s, que tamb�m dava a deixa: no dia de uma estreia, mudou a cor de seu pr�prio figurino para verde-bandeira, quando o resto do elenco usava tons past�is —e ainda acrescentou uma cartola gigante.
Insistia frequentemente em fazer pausas c�micas, mas a plateia n�o ria —o que fazia com que ele prolongasse indefinidamente seus sil�ncios, para desespero geral.
Paulo pin�ava pecados do colega, evidentemente, mas vez por outra deixava escapar sua admira��o. Eram dois g�nios, sem d�vida. E nas coxias do TBC criaram uma rela��o carinhosa de antagonismo, que durou at� o final da vida de Paulo, em 2007, quase 30 anos ap�s a morte de Ziembinski.
Afastei-me do teatro depois de quase uma d�cada de dedica��o e paix�o; fazer um filme sobre Paulo Autran foi um reencontro.
No �ltimo dia de filmagem, faltando 15 minutos para encerrar, ca� do palco e quebrei a perna. "Break a leg!", ouvi dos meus colegas aquele dia —e me lembrei imediatamente do trope�o de 20 anos antes. Mas dessa vez fui eu que tropecei em Paulo.
Antes de ser carregado para o pronto-socorro, imaginei-o no palco sorrindo para mim, aquele mesmo sorriso meio de lado, achando gra�a daquilo tudo.
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MARCO ABUJAMRA, 44, cineasta e roteirista, � diretor do document�rio "Paulo Autran - O Senhor dos Palcos", que estreia em 27/2 no canal Curta!.
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