Arquivo Aberto: No ex�lio, Paulo Freire tinha saudade do suco de pitanga recifense
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Fac-s�mile de carta escrita por Paulo Freire quando deu ao amigo Jacques Chonchol o manuscrito de "Pedagogia do Oprimido" |
Em 1991, Paulo Freire (1921-1997) era secret�rio de Educa��o de Luiza Erundina, em S�o Paulo. Um dia, entro em seu gabinete e o encontro sozinho. Se n�o chegava a chorar, muito se lamentava.
– O que houve, Paulo? –perguntei eu.
– Imagine, Joaquim. Agora at� a direita est� copiando meu m�todo! –respondeu ele, contrariado.
– Mas Paulo, o reconhecimento dos contr�rios, dos advers�rios mostra o sucesso, n�o o fracasso de seu m�todo –repliquei.
– N�o, n�o! –quase me repreendeu. – Meu m�todo de alfabetiza��o n�o se separa dos valores e objetivos que defendo. � m�todo de liberta��o dos trabalhadores brasileiros. E n�o de legitima��o da opress�o da direita!
O m�todo de Paulo foi descrito pela primeira vez no livro "Pedagogia do Oprimido". Livro que acredito ter sido, e continua a ser, um dos mais vendidos de autor brasileiro nos Estados Unidos. Sobretudo no circuito de universidades e educadores. Talvez at� mais vendido l� do que aqui.
"Pedagogia do Oprimido" foi sempre meu objeto de desejo. � que coleciono as primeiras edi��es dos livros que nos esclarecem sobre n�s mesmos. Livros de ci�ncias sociais, de interpreta��es do Brasil, como "Ra�zes do Brasil", de S�rgio Buarque de Holanda, "Os Sert�es", de Euclydes da Cunha, "Macuna�ma", de M�rio de Andrade, "Um Estadista do Imp�rio", de Joaquim Nabuco, "Casa-Grande e Senzala", de Gilberto Freyre, "Os Donos do Poder", de Raymundo Faoro, e outros.
N�o consegui ainda a primeira edi��o de "Pedagogia do Oprimido". Mas, por interm�dio de Moacir Gadotti, disc�pulo-mor de Paulo, obtive um raro fac-s�mile do manuscrito original do livro, com que Paulo presenteou um amigo, Jacques Chonchol, que muito o acolheu em 1968 e que o ajudou no amargo ex�lio no Chile.
Mais ainda. Consegui o fac-s�mile da carta com que Paulo presenteia Jacques e Maria Edy, sua mulher. � missiva preciosa. Nem sei se foi publicada. Talvez n�o tenha sido.
Trata-se de sofrido hino de amor ao Brasil. Nela, ao chorar por ter de deixar o pa�s, Paulo Freire se consolava por lev�-lo dentro de si. Dizia:
"Deixava o Recife, seus rios, suas pontes, suas ruas de nomes gostosos - Saudade - Uni�o - 7 pecados - rua das Creoulas, do Sol, da Aurora. Deixava o cheiro da terra e das gentes do tr�pico. Deixava os amigos, as vozes conhecidas. Deixava o Brasil. Trazia o Brasil".
Paulo foi um educador em quem as teses e ant�teses se faziam s�nteses. A conscientiza��o da opress�o, que o m�todo provocava, levaria ao ideal de liberta��o, que o m�todo estimulava.
Nessa carta, ele faz outra s�ntese: a s�ntese da saudade sofrida. Deixava fisicamente o Brasil, for�ado pelo ex�lio. Mas o trazia psicologicamente alimentado pela mem�ria viva.
Essa missiva, e todo o manuscrito, n�o foram batidos a m�quina. Computador n�o havia. Foram escritos a caneta e a m�o. � de notar que � letra bastante compreens�vel.
Comparando com outros manuscritos, como os de Carlos Drummond, Manuel Bandeira, Gilberto Freyre, Ruy Barbosa, Ebert Chamoun e do saudoso Eduardo Portella, por exemplo, a caligrafia caracteriza-se por forma intelig�vel, quase desenhada.
J� se disse que falar � forma de pensar. Escrever � tamb�m pensar. Escrever claro � pensar claro. Essa carta claramente expressa um pensar sobre as saudades impostas. Mas que, n�o obstante, est�o livres de opress�o e domina��o. Das quais n�o podemos nem devemos fugir.
Pedagogia Do Oprimido |
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Do Chile, Paulo foi ensinar em Harvard, nos Estados Unidos. Foi mobilizar na �frica. Viu o mundo. Foi para Genebra. Na d�cada de 1970, l� nos encontramos. Tinha saudade do suco de pitanga do Recife. O que inexistia por l�. Consegui fazer vir do Brasil. Passou silente pela sisuda alf�ndega su��a.
Celebramos ent�o, com suco de pitanga, a saudade que ele consigo levara, que expressara na carta e que continuava intacta na Secretaria de Educa��o, em S�o Paulo.
JOAQUIM FALC�O, 72, mestre em direito pela Universidade Harvard e doutor em educa��o pela Universidade de Genebra, � professor da FGV Direito Rio.
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