Romance de Charles Dickens ganha nova edi��o no Brasil ap�s 60 anos
SOBRE O TEXTO O trecho foi retirado do romance "A Vida e as Aventuras de Nicholas Nickleby" (1838-39), de Charles Dickens. O livro conta a hist�ria da fam�lia Nickleby, que chega a Londres ap�s a morte do patriarca, profundamente endividado, e acaba �s voltas com um parente rico de car�ter duvidoso, empregos ultrajantes e abusos. A �ltima edi��o brasileira da obra data de 1957, e a nova ser� lan�ada pela editora Amarilys em maio.
Camila Sproesser | ||
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Ilustra��o de Camila Sproesser |
– Bem, senhora – disse Ralph, impaciente –, est� me dizendo que os credores tomaram conta de tudo e n�o restou nada para a senhora?
– Nada – respondeu a Sra. Nickleby.
– E que gastou o que lhe restava para vir aqui para Londres, para ver o que eu poderia fazer pela senhora? – continuou Ralph.
– Eu tinha esperan�as – titubeou a Sra. Nickleby – de que o senhor pudesse fazer alguma coisa pelos filhos de seu irm�o. Foi seu �ltimo desejo que eu apelasse para o senhor em favor deles.
– N�o sei por que – resmungou Ralph, andando de um lado para o outro do c�modo –, mas quando um homem morre sem bens pr�prios, parece sempre achar que tem o direito de dispor dos bens dos outros. O que sua filha sabe fazer, senhora?
– Kate foi bem educada – solu�ou a Sra. Nickleby. – Diga a seu tio, meu amor, o que aprendeu de franc�s e em atividades extras.
A pobrezinha ia dizer alguma coisa, quando o tio a interrompeu, muito sem cerim�nia.
– Precisamos coloc�-la num internato para que trabalhe como aprendiz – disse Ralph. – Espero que n�o tenha sido educada com delicadeza demais para isso.
– N�o, tio – respondeu a mo�a chorando. – Tentarei fazer qualquer coisa que me proporcione casa e comida.
– Bom, bom – disse Ralph, um pouco mais male�vel, seja pela beleza da sobrinha, seja por sua tristeza (com esfor�o, podemos considerar esta �ltima). – Voc� precisa tentar, e, se for duro demais, talvez trabalhos de costura ou de bordado sejam mais leves. E voc�, rapaz, j� fez alguma coisa? (voltando-se para o sobrinho.)
– N�o – respondeu Nicholas, bruscamente.
– N�o, foi o que pensei! – disse Ralph. – Essa foi a maneira como o meu irm�o educou os filhos, senhora.
– Nicholas completou recentemente a educa��o que seu pobre pai p�de lhe proporcionar – respondeu a Sra. Nickleby –, e ele estava pensando em...
– Em prepar�-lo para alguma coisa, algum dia – disse Ralph. – A velha hist�ria; sempre pensando e nunca fazendo. Se o meu irm�o tivesse sido um homem ativo e prudente, poderia ter deixado a senhora rica: e se tivesse preparado o filho para o mundo, como fez o meu pai, quando eu era ainda um ano e meio mais novo do que esse menino, ele estaria numa situa��o de poder ajud�-la, em vez de ser um peso para a senhora, e aumentar o seu infort�nio. O meu irm�o era um homem imprudente, inconsequente, Sra. Nickleby, e ningu�m, tenho certeza, tem mais raz�o de achar isso do que a senhora.
Esse apelo deixou a vi�va pensando que talvez tivesse dado melhor destino �s suas mil libras, e ent�o come�ou a refletir como seria bom ter esse dinheiro agora; esses pensamentos desanimadores fizeram suas l�grimas correrem mais r�pido, e o excesso de infort�nios fez com que ela (sendo uma mulher bem-intencionada, mas tamb�m fraca) primeiro deplorasse sua m� sorte e depois observasse, entre muitos solu�os, que certamente fora escrava do pobre Nicholas, e que muitas vezes dissera a ele que deveria ter feito um casamento melhor (e na verdade ela dissera, muito frequentemente), e que ela nunca soube, enquanto ele estava vivo, como o dinheiro era aplicado, mas que se tivesse sido confiado a ela, a fam�lia poderia estar ent�o numa melhor situa��o financeira; e outras lembran�as amargas, comuns � maioria das mulheres casadas, quer durante o casamento, quer depois dele, ou em ambos os per�odos. A Sra. Nickleby concluiu lamentando que o querido falecido nunca se dignara aceitar seus conselhos, salvo em uma ocasi�o; o que era uma declara��o estritamente verdadeira, pois, apenas uma vez, ele agira por sugest�o sua e havia, como consequ�ncia, se arruinado.
O Sr. Ralph Nickleby ouvia isso com um meio sorriso; e quando a vi�va terminou, ele calmamente retomou o assunto no ponto em que havia deixado, antes desse desabafo.
– Est� pretendendo trabalhar, rapaz? – perguntou ele, franzindo o cenho para o sobrinho.
– Naturalmente – respondeu Nicholas com altivez.
– Ent�o veja aqui, rapaz – disse o tio. – Isso atraiu o meu olhar hoje pela manh�, e voc� pode dar gra�as aos c�us por isso.
Com esse pre�mbulo, o Sr. Ralph Nickleby pegou um jornal em seu bolso e depois de desdobr�-lo e procurar entre os an�ncios, leu como se segue:
– "EDUCA��O. – Na Academia do Sr. Wackford Squeers, Dotheboys Hall, no apraz�vel vilarejo de Dotheboys, pr�ximo a Greta Bridge, em Yorkshire, jovens recebem alojamento, roupas, livros e dinheiro para pequenas despesas, t�m as necessidades atendidas, s�o instru�dos em todas as l�nguas, vivas e mortas, matem�tica, ortografia, geometria, astronomia, trigonometria, no uso de cartas geogr�ficas, �lgebra, esgrima (se solicitada), reda��o, aritm�tica, fortifica��o e em todos os ramos da literatura cl�ssica. Condi��es: vinte guin�us per annum. Sem extraordin�rios, sem f�rias e com uma alimenta��o inigual�vel. O Sr. Squeers est� na cidade e atende diariamente, das treze �s catorze horas, na hospedaria Cabe�a do Sarraceno, em Snow Hill. N.B. Precisa-se de um assistente qualificado. Sal�rio anual, 5 libras. Preferencialmente, um Mestre em Ci�ncias Humanas."
– A� est�! – disse Ralph, dobrando o jornal de novo. – Se ele assumir essa posi��o, a fortuna dele estar� garantida.
– Mas ele n�o � um mestre – disse a Sra. Nickleby.
– Isso – observou Ralph –, eu creio, pode ser contornado.
– Mas o sal�rio � t�o baixo, e o lugar, t�o longe, tio! – disse Kate, hesitante.
– N�o diga nada, Kate, meu amor – interferiu a Sra. Nickleby. – Seu tio sabe o que � melhor.
– Eu insisto – repetiu Ralph, asperamente –, se ele assumir essa posi��o, a fortuna dele estar� garantida. Se n�o gostar disso, ent�o que procure um trabalho por si mesmo. Sem amigos, sem dinheiro e sem recomenda��o, nem conhecimento de neg�cio de tipo algum, deixe que encontre um emprego honesto em Londres, que d� para comprar sapatos de couro, que eu dou a ele mil libras. Pelo menos – disse o Sr. Ralph Nickleby, refreando-se –, eu daria, se tivesse.
CAMILE SPROESSER, 31, � artista pl�stica
CHARLES DICKENS (1812-1870) foi um escritor brit�nico. Assinou livros como "Oliver Twist" (1838), "Um Conto de Natal" (1843) e "Grandes Esperan�as" (1861)
MARILUCE FILIZOLA CARNEIRO PESSOA, 72, � tradutora
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