Livro analisa rela��es entre futebol, pol�tica e religi�o no Oriente M�dio
RESUMO Livro analisa rela��es entre futebol, pol�tica e religi�o no Oriente M�dio, onde o esporte � admirado at� por lideran�as de organiza��es terroristas, como Osama Bin Laden, que era torcedor do Arsenal, do Reino Unido. O autor, James Dorsey, fala sobre o mundo turbulento do futebol nessa regi�o, tema de seu estudo.
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Amr Abdallah Dalsh/Reuters/Latinstock |
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Torcedores do Al Ahly, do Egito, assistem � final do campeonato africano contra o Orlando Pirates, da �frica do Sul, em 2013, no Cairo |
O iraquiano Ibrahim al-Badri tinha tamanha habilidade com a bola no p� que foi apelidado de Maradona por seus advers�rios. Tempos passados, em que ele era conhecido pela semelhan�a com o craque argentino e disputava lances com colegas de pres�dio. Hoje, Badri responde por outro nome: Abu Bakr al-Baghdadi, l�der da organiza��o terrorista Estado Isl�mico e autoproclamado califa.
O gol � uma paix�o compartilhada por diversos l�deres terroristas no Oriente M�dio. Osama Bin Laden, fundador da rede Al Qaeda, era f� do Arsenal. Hassan Nasrallah, l�der da mil�cia xiita Hizbullah, torce pela sele��o brasileira na Copa. Alguns deles utilizaram o esporte para recrutar membros, outros n�o hesitaram em planejar atentados em est�dios. Mas, em conjunto, eles entenderam a import�ncia do futebol no Oriente M�dio –�nico lugar, segundo o pesquisador James Dorsey, em que esse jogo teve um papel pol�tico cont�nuo e proeminente por mais de um s�culo.
O estudioso publicou neste ano "The Turbulent World of Middle East Soccer" [Oxford University Press, 256 p�gs., R$ 118,80] (o mundo turbulento do futebol no Oriente M�dio), sua pesquisa sobre a intersec��o entre campinho e pol�tica. O vesti�rio da hist�ria est� abarrotado de exemplos que refor�am a tese, detalhada na obra. Entre eles o movimento nacionalista eg�pcio, que se valeu do time Al Ahly para lan�ar a revolu��o pelo reconhecimento brit�nico da independ�ncia do pa�s, em 1922.
O Al Ahly, inicialmente aberto apenas a eg�pcios, foi criado em 1907 em rea��o aos clubes brit�nicos do Cairo que n�o permitiam a entrada de locais. O rival Zamalek seria fundado quatro anos depois em apoio aos monarquistas e �s tropas brit�nicas. A rivalidade entre ambos persiste at� hoje, apesar de o contexto ser outro.
"O futebol foi essencial durante as lutas anticolonialistas no Egito e na Arg�lia, e tamb�m na forma��o de pa�ses como Ir� e Israel", diz Dorsey � Folha.
A sele��o nacional argelina, por exemplo, foi formada quando jogadores fugiram da Fran�a, em 1958, recusando-se a disputar a Copa pelo pa�s colonizador. Bradado nos est�dios e nas ruas, o hino do time tornou-se tamb�m o do pa�s.
A experi�ncia de construir uma identidade nacional a partir do futebol e de se servir dele para tentar romper com o passado colonial foi emulada pela Palestina e pelo Curdist�o iraquiano, diz o autor. "A popula��o na regi�o reconhece o que o futebol pode fazer por ela. H� um empoderamento. Nada al�m da religi�o propicia isso."
O est�dio e a mesquita s�o, ele argumenta, dois dos �nicos espa�os p�blicos n�o controlados pelo Estado em alguns desses pa�ses. Na compara��o direta, o futebol desponta como arena de disputas, mais do que a religi�o.
"Trata-se de um jogo agressivo pautado pela conquista do outro lado do campo. As lealdades s�o tribais. E tem-se a for�a dos n�meros. Ou seja, uma enorme quantidade de emo��es e tens�es misturadas � pol�tica", analisa Dorsey. "N�o estou dizendo que as revoltas aconte�am ali por defini��o, mas o est�dio � um de seus espa�os."
Nesse processo, as arquibancadas servem de academia para treinar os revoltosos. Os "ultras" (torcedores fan�ticos) de times como o Al Ahly estiveram, por exemplo, na linha de frente das manifesta��es da Primavera �rabe e ajudaram, alinhados a outros setores da sociedade, a derrubar o ditador Hosni Mubarak em 2011.
Esses torcedores est�o acostumados, afinal, aos embates com as for�as de seguran�a. E levaram sua experi�ncia �s ruas. "Eles sobreviveram a confrontos com regularidade e, assim, demonstraram a vulnerabilidade das for�as de seguran�a e os limites da repress�o." Tamb�m na avalia��o do autor, os tabus pol�ticos costumam ser quebrados primeiro nos est�dios.
Dorsey n�o foi o �nico a ter percebido o potencial dos gramados. Ditadores de Marrakech a Bagd� entenderam que se disputava ali algo mais do que simples partidas de futebol. Atemorizados pelas hordas, pa�ses como Egito, Tun�sia, L�bia, S�ria e Arg�lia suspenderam em algum momento as ligas do esporte, evitando que se tornassem focos de protestos. No Egito, a popula��o culpa as for�as de seguran�a pelo massacre que deixou 72 mortos em 2012, durante manifesta��es em um est�dio.
Como em outras partes do mundo, os f�s no Oriente M�dio vestem a camisa n�o s� por raz�es ligadas ao futebol. O jogo � uma das �nicas inst�ncias em que vigora a meritocracia naquelas paragens. H� em �rabe um termo espec�fico para a corrup��o e o nepotismo, que interferem tanto na esfera p�blica quanto na privada: "wasta" (que pode ser traduzido por conex�es).
O campo de futebol � a "meritocracia suprema que desafia a 'wasta'", segundo o analista brit�nico Adel Iskandar, citado por Dorsey. No campo, acredita, o jogador pode ser avaliado pelo desempenho, e n�o por sua rede de contatos.
BOLA FORA
Futebol por l� � bola disputada entre fundamentalistas. Se Bin Laden era f� do Arsenal, a organiza��o terrorista Al-Shabab condena a pr�tica, perseguindo jogadores, torcedores e jornalistas na Som�lia. A contenda tem origem na interpreta��o religiosa.
L�deres como Ismail Haniyeh, do palestino Hamas, acreditam que Maom� recomendava a pr�tica de esportes para a manuten��o de um corpo saud�vel, um condicionamento com vistas � guerra santa.
O entusiasmo deles tem tamb�m suas raz�es seculares. Campos e times, incluindo clubes informais nas periferias, n�o s�o monitorados pelos governos. Al�m disso, terroristas sabem que grande parte dos homens-bomba foram recrutados em atividades din�micas, e n�o na in�rcia das mesquitas.
Os respons�veis pelos ataques em Madri em 2004, por exemplo, jogavam futebol juntos. "Os militantes entendem a din�mica e a utilidade do jogo. � uma ferramenta para criar la�os, e um lugar in�cuo para reuni�es", diz Dorsey.
Do outro lado do campo, os extremistas que condenam o futebol se lembram do epis�dio em que, segundo a tradi��o isl�mica, a cabe�a de Hussein, neto de Maom�, foi chutada por seus algozes em 680 d.C. Tal morte � um dos epis�dios mais traum�ticos do isl� e divide at� hoje sunitas e xiitas.
Em 2003, um cl�rigo saudita sugeriu regras alternativas para purificar o jogo: pijamas, em vez de shorts; cuspir em quem tiver marcado um gol e resolver as faltas a partir da "sharia", a lei isl�mica, em vez dos "infi�is" cart�es amarelo e vermelho.
A atitude do Estado Isl�mico � ambivalente. Os poucos relatos que escapam de suas fortalezas sugerem que Baghdadi, o tal Maradona do deserto, baniu o esporte. H� not�cias de que quatro jogadores de um time em Raqqa, a capital desses terroristas na S�ria, foram mortos. Milicianos tamb�m mataram 13 crian�as que supostamente estavam assistindo a um jogo.
Por outro lado, o Estado Isl�mico utiliza o futebol em seus v�deos de recrutamento. A propaganda � uma das explica��es para o sucesso dessa organiza��o, e linguagens como a dos esportes e a dos videogames s�o essenciais para atrair jovens �s fileiras da mil�cia.
O futebol, por outro lado, foi uma das primeiras estrat�gias americanas para conquistar o apoio da popula��o do Iraque, ap�s a invas�o de 2003. Alguns pa�ses t�m investido maci�amente para se posicionar na lideran�a do futebol regional e global –caso do Qatar, acusado de subornar dirigentes da Fifa para ser eleito sede da Copa de 2022.
Uday Hussein, filho do ex-ditador iraquiano Saddam Hussein, costumava premiar o time nacional quando vencia e torturar seus jogadores nos reveses. Um t�cnico contou ter recebido mimos como carros e dinheiro vivo pelo bom desempenho, mas tamb�m lembrou que o time foi obrigado em outras ocasi�es a jogar descal�o com bolas de concreto.
Na L�bia, chegou a ser proibido que narradores identificassem os jogadores, com exce��o do filho do ditador Muammar Gaddafi.
Os lances n�o favoreceram nem a fam�lia Hussein, nem a fam�lia Gaddafi. Tampouco as restri��es �s partidas no Egito devem ajudar na estabilidade do pa�s no m�dio prazo –a bola provavelmente bater� na trave. "� claro, o futebol serve aos regimes. Mas serve tamb�m aos oponentes do regime", conclui Dorsey. O gramado, afinal, tem dois gols.
DIOGO BERCITO, 28, � correspondente da Folha em Madri.
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