O funcionamento da economia segundo a direita e a esquerda
RESUMO Os autores argumentam que entre n�s, a diferen�a entre direita e esquerda na economia decorre de maneiras distintas de entender seu funcionamento. Ao contr�rio do que se v� em na��es ricas, aqui as diferen�as s�o mais de natureza positiva (como o mundo funciona), do que normativa (qual � o mundo desejado).
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O debate sobre pol�tica econ�mica nas principais economias decorre da contraposi��o de objetivos. Alguns preferem pa�ses mais igualit�rios, ainda que isto signifique menor crescimento econ�mico. Outros, por sua vez, aceitam maior desigualdade em troca de maior crescimento. Norberto Bobbio, por exemplo, define a esquerda pela defesa de pol�ticas que promovam maior igualdade na distribui��o de renda.
N�o h�, no entanto, discord�ncia sobre a evid�ncia emp�rica. As diversas vertentes utilizam o mesmo m�todo de an�lise. A diverg�ncia decorre de prefer�ncias distintas sobre as implica��es das pol�ticas p�blicas.
A escolha entre crescimento ou igualdade requer ju�zo de valor. Nesse caso, a economia nada tem a dizer. Seu papel � apenas apresentar a melhor evid�ncia sobre as diversas possibilidades e suas implica��es. Cabe � sociedade, por meio de suas inst�ncias deliberativas, decidir sobre a pol�tica p�blica.
Nos pa�ses desenvolvidos, direita e esquerda defendem diferentes modelos de sociedade. A direita quer menor carga tribut�ria e menor oferta de servi�os p�blicos e de seguro social. A esquerda deseja o oposto. A controv�rsia recente nos EUA sobre a cria��o de um servi�o de sa�de mais abrangente ilustra a natureza da diverg�ncia.
No Brasil, o debate � totalmente distinto. S�o outras as raz�es da diverg�ncia e para compreend�-las � �til recuperar o estudo dos modelos econ�micos comparados.
EIXOS
As diferentes formas de organiza��o da produ��o e da seguridade social podem ser caracterizadas em dois eixos.
O primeiro decorre da extens�o de pol�ticas e seguros sociais: sa�de, educa��o, seguro-desemprego, programas que protejam os grupos sociais mais vulner�veis, como aux�lio doen�a e pens�o por morte, entre outros. As sociedades podem decidir construir ampla rede de bem-estar social, ou optar por faz�-la bem reduzida. Existe, evidentemente, um cont�nuo de possibilidades entre os extremos.
A segunda dimens�o em que os modelos diferem � na interven��o do setor p�blico nos mercados: a abertura da economia ao com�rcio internacional e aos fluxos de capital, a escala de empr�stimos subsidiados concedidos pelos bancos p�blicos, a regula��o e interven��o p�blica no pre�o de bens, como dos combust�veis, o grau de interven��o discricion�ria em setores selecionados, a regula��o estatal do mercado de trabalho, entre v�rias outras.
As duas dimens�es est�o associadas ao papel do Estado na economia. No entanto, as escolhas em cada uma s�o independentes, uma n�o imp�e restri��es � outra.
Os pa�ses asi�ticos, por exemplo, n�o apresentam significativas pol�ticas de bem-estar social –a seguridade social �, em boa parte, responsabilidade dos indiv�duos– mas seu modelo de desenvolvimento contou com elevada interven��o p�blica na economia. Os anglo-sax�es escolheram um Estado de bem-estar social reduzido e pouco interferem nos mercados.
J� os pa�ses escandinavos apresentam um generoso Estado de bem-estar social, por�m, como nos anglo-sax�es, interferem pouco no funcionamento dos mercados. Por exemplo, a demiss�o de um funcion�rio � relativamente pouco custosa para uma empresa nesses pa�ses, mas os desempregados s�o protegidos por um amplo programa de seguro social, financiado por meio de impostos. Finalmente, as sociedades latinas da Europa apresentam um amplo Estado de bem-estar social e interv�m mais fortemente nos mercados. Todas as combina��es s�o poss�veis. As duas dimens�es da a��o do Estado s�o independentes.
Gian Claudio Biancuzzi/Divulga��o | ||
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CONSENSO OU DISSENSO
Parece-nos que h�, no Brasil, amplo consenso de que devemos construir um abrangente Estado de bem-estar social, � imagem dos vigentes na Europa continental, como sistematizado na Constitui��o de 1988 e referendado em todos os pleitos eleitorais posteriores. N�o h� ind�cios de for�a pol�tica com express�o no Congresso que seja contra esse consenso, como aponta a evid�ncia dispon�vel.
Esse consenso resultou no aumento progressivo da carga tribut�ria e do gasto social. No Governo FHC, o gasto social cresceu 1,5 p. p. (pontos percentuais) do PIB, sem considerar a implanta��o do SUS e os ganhos com a reorganiza��o dos recursos da educa��o promovidos pelo Fundef. Ao longo dos oito anos do governo Lula, o gasto social cresceu 1,7 p.p. do PIB. O sal�rio m�nimo subiu 22% acima da infla��o entre 1995 e 2002, ante 54% nos oitos anos de Lula.
Pode-se argumentar que o maior crescimento do gasto social e do sal�rio m�nimo no governo Lula resulte de diferen�as program�ticas entre os dois partidos. Pode-se contrapor, por�m, que esse maior crescimento foi fruto de melhores circunst�ncias, decorrentes dos ganhos da estabiliza��o econ�mica, de reformas institucionais e do boom de commodities.
Em que medida Lula, se eleito em 1994, teria feito mais na �rea social do que FHC e, simultaneamente, continuado a agenda macroecon�mica da estabiliza��o? Vale lembrar que o PT foi contra o Plano Real, fundamental para a estabiliza��o da economia, e que resultou em forte queda da desigualdade. O crescente desequil�brio fiscal do governo Dilma sugere pessimismo com a resposta.
De qualquer forma, no governo FHC a carga tribut�ria e o gasto social cresceram significativamente, n�o cabendo, portanto, o selo de governo liberal nessa dimens�o. A constru��o de um amplo Estado de bem-estar social n�o distingue os governos tucanos e petistas. Ambos defendem pol�ticas bem mais generosas do que as da agenda liberal anglo-sax�.
RUPTURA
A ruptura na pol�tica econ�mica n�o ocorreu em 2003, com a substitui��o do governo PSDB pelo PT, mas sim ap�s a sa�da do ministro Palocci, quando se iniciou uma lenta inflex�o na dire��o de aumento da interven��o do governo nos mercados. Esse processo foi radicalizado na rea��o � crise internacional de 2008, e passou a ser parte do discurso oficial com o governo Dilma.
A pol�tica macroecon�mica do primeiro Lula foi ainda mais conservadora do que a adotada no segundo FHC. Houve aumento do superavit prim�rio e aumento da taxa de juros. As cr�ticas, � �poca, decorreram do excessivo conservadorismo da pol�tica econ�mica.
O mesmo ocorreu com a pol�tica social. O PT defendia os programas Fome Zero e Primeiro Emprego. Ambos fracassaram. A equipe econ�mica prop�s, em abril de 2003, a unifica��o dos programas de transfer�ncia de renda e que eles se voltassem aos grupos sociais mais vulner�veis, o que resultou no Bolsa Fam�lia, e foi severamente criticada por intelectuais e ministros vinculados ao PT.
A ruptura na pol�tica econ�mica n�o ocorreu em 2003, mas, sobretudo, a partir de 2009. E n�o decorreu da revis�o da pol�tica social, mas sim da interven��o do Estado na economia. As seguintes medidas distinguem os governos petistas ap�s a sa�da de Palocci da Fazenda:
1. altera��o no regime de c�mbio flutuante para fortemente administrado;
2. ado��o recorrente de artif�cios cont�beis (Refis, contabilidade criativa, e pedalada fiscal), com a progressiva, e pouco transparente, redu��o do superavit prim�rio;
3. redu��o, sem que os fundamentos permitissem, da taxa real de juros de curto prazo e, portanto, maior toler�ncia com a infla��o (contrariamente ao esperado, a menor taxa de juros paga pelo Banco Central e a maior taxa de c�mbio n�o resultaram em maior crescimento, mas sim em maior infla��o e em queda progressiva do crescimento e maior taxa de juros de longo prazo);
4. controle de pre�os como mecanismo alternativo para conter a infla��o;
5. expans�o do cr�dito subsidiado, sobretudo por meio do BNDES, para estimular o investimento, com forte discricionariedade em rela��o aos favorecidos;
6. redu��o da abertura da economia ao com�rcio internacional;
7. amplia��o das pol�ticas discricion�rias, como a desonera��o tribut�ria de setores ou de bens selecionados, em detrimento das pol�ticas horizontais;
8. aumento da interven��o p�blica e do papel da Petrobras no setor de petr�leo;
9. interven��o no setor el�trico para baixar as tarifas e antecipar a renova��o das concess�es;
10. uso dos bancos p�blicos para reduzir o "spread" banc�rio;
11. resist�ncia � participa��o do setor privado na oferta de servi�os de utilidade p�blica e de infraestrutura em geral;
12. ado��o indiscriminada da pol�tica de conte�do nacional e de est�mulo � produ��o local, sem a preocupa��o com o custo de oportunidade dos recursos p�blicos.
N�o h� nada de social-democrata nessas medidas. A sua motiva��o foi promover maior crescimento econ�mico. Alguns intelectuais, populares na academia brasileira, consideram que o desenvolvimento econ�mico decorre do intervencionismo estatal. Essa interpreta��o esteve na origem do novo rumo da pol�tica econ�mica a partir de 2009, que resultou na vers�o tropicalizada do modelo asi�tico de desenvolvimento.
HETERODOXIA
A sa�da de Palocci do minist�rio da Fazenda resultou na ida para o centro da formula��o da pol�tica econ�mica dos economistas heterodoxos, que t�m uma participa��o na academia brasileira impressionantemente maior do que nos pa�ses desenvolvidos.
Para os economistas tradicionais, o desenvolvimento econ�mico decorre do crescimento da produtividade, que depende de dois fatores principais. O primeiro � a forma��o dos trabalhadores. Por esse motivo, a exist�ncia de um sistema p�blico de educa��o eficiente seria essencial para o crescimento econ�mico. O segundo, a produtividade sist�mica, est� associada � qualidade do marco institucional, como documentada em diversos trabalhos acad�micos nas �ltimas duas d�cadas, e sistematizada por Acemoglu e Robinson no livro "Por que as Na��es Fracassam" (2012). Regras e processos importam. Exatamente o que ser� produzido, por�m, n�o parece ser essencial para determinar o grau de desenvolvimento econ�mico.
Para a heterodoxia, por outro lado, o desenvolvimento econ�mico decorre do crescimento de atividades produtivas espec�ficas, como a ind�stria e, para isso, seria essencial a interven��o do Estado para alterar o mix de produ��o.
Economistas tradicionais e heterodoxos tamb�m discordam sobre a gest�o de curto prazo da pol�tica econ�mica. Para os primeiros, a evid�ncia indica que, em geral, as economias operam nas proximidades do pleno emprego. H�, no entanto, sociedades que apresentam ociosidade cr�nica. Nesse caso observa-se defla��o e juros nominais pr�ximos de zero. Esse � o caso, por exemplo, do Jap�o desde os anos 1990, e das economias centrais ap�s a crise de 2008.
Para a heterodoxia, por outro lado, todas as economias quase sempre apresentam ociosidade dos fatores. Nesse caso, a pol�tica fiscal conduz ao crescimento sem pressionar a infla��o: o aumento do gasto p�blico induz maior utiliza��o da capacidade instalada.
Al�m de haver entre os dois grupos diverg�ncias de conte�dos h�, principalmente, diverg�ncia no m�todo de an�lise, o que causa as diferen�as de conte�dos.
DIVERG�NCIAS
Nos principais centros da academia internacional, o debate deve ser resolvido pela evid�ncia estat�stica dos dados dispon�veis.
Muitas vezes, no entanto, a evid�ncia n�o � conclusiva sobre qual conjectura deve ser validada. Em alguns casos, os testes n�o s�o finais ou varia��es na t�cnica e nos dados utilizados apresentam resultados conflitantes. Al�m disso, novos estudos, decorrentes do acesso a novos instrumentos de an�lise, podem rever antigos consensos. Esse cont�nuo processo de proposi��o de conjecturas, an�lise da evid�ncia e debate acad�mico sobre a robustez dos resultados caracteriza a economia tradicional.
No Brasil, o debate � diferente. Economistas, mesmo os que concordam com os objetivos da pol�tica econ�mica, muitas vezes discordam sobre o m�todo de an�lise, os fundamentos da economia e como as diverg�ncias deveriam ser dirimidas.
Os economistas tradicionais preferem a evid�ncia dos dados, como na academia internacional.
J� com a heterodoxia, a hist�ria � outra. Parte-se da conclus�o. A vis�o de mundo determina os principais aspectos de funcionamento das economias. Como na escol�stica medieval, os argumentos s�o discriminados pela sua concord�ncia com a narrativa, constru�da com base em alguns princ�pios sobre a din�mica da economia, dados esparsos, exemplos da hist�ria econ�mica e argumentos de autoridade.
N�o h�, nessa tradi��o, a preocupa��o em identificar conjecturas espec�ficas que possam ser testadas pela melhor estat�stica dispon�vel. Ao contr�rio, o ponto de partida � a grande narrativa que procura ser consistente com alguns fatos estilizados.
N�o s�o apresentados, por exemplo, argumentos estat�sticos que justifiquem a tese de que as economias em geral apresentem ociosidade cr�nica e que, por essa raz�o, a expans�o dos gastos p�blicos permitiria maior produ��o sem resultar em maior infla��o. A narrativa � suficiente.
Para Celso Furtado e a tradi��o estruturalista, o desenvolvimento econ�mico requer uma matriz industrial diversificada. Quando, no in�cio dos anos 1980, ficou claro que o Brasil j� tinha uma matriz diversificada, inclusive com um sofisticado setor produtor de bens de capital, e, assim mesmo, continuava subdesenvolvido, a heterodoxia prop�s que o problema decorria de o pa�s n�o ter internalizado a produ��o de novas tecnologias. A desastrosa pol�tica de inform�tica, por exemplo, foi concebida a partir desse entendimento.
Da mesma forma, a heterodoxia acredita que os subs�dios p�blicos concedidos aos grandes conglomerados empresariais –cheibols e keiratsu– foram essenciais para o desenvolvimento da Coreia e do Jap�o.
Essa narrativa pode ser plaus�vel para explicar algumas experi�ncias de desenvolvimento. Muitos outros pa�ses, por�m, optaram por pol�ticas semelhantes e fracassaram. Alguns, por sua vez, se desenvolveram apesar de adotarem pol�ticas distintas.
Na economia tradicional, cabe � an�lise dos dados verificar em que medida os subs�dios seriam os respons�veis pelo desenvolvimento desses pa�ses. Caso a evid�ncia seja confirmada, devem ser identificadas as condi��es que permitiram esses resultados, na contram�o de outros pa�ses em que pol�ticas semelhantes fracassaram, como no Brasil, Iraque e �ndia, entre tantos outros.
Na Coreia, os subs�dios ao setor produtivo estavam atrelados a metas de exporta��o e foi adotada, simultaneamente, uma pol�tica que permitiu, em uma gera��o, a escolariza��o, com elevada qualidade, de toda a popula��o. Adicionalmente, esses pa�ses sempre apresentaram taxas dom�sticas de poupan�a acima de 30% do PIB.
Surpreende que a narrativa estruturalista tenha sido aceita, e que pol�ticas muito custosas tenham sido implantadas, sem evid�ncias emp�ricas com um m�nimo de robustez que a sustente.
A patologia da heterodoxia (que, como toda patologia, compromete alguns, mas n�o a todos) ocorre quando se recorre � desqualifica��o dos m�todos estat�sticos ou da motiva��o do pesquisador para rejeitar alguma evid�ncia.
A evid�ncia emp�rica tem pouca relev�ncia nesse debate. Seu papel seria apenas de ilustra��o. Se a favor, decorre de pessoas que compartilham da vis�o. Se contr�ria, decorre daqueles que t�m outra vis�o de mundo e deve ser rejeitada.
AUSTERIDADE
Existe um debate sobre em que casos a expans�o do gasto p�blico auxilia ou prejudica a retomada do crescimento econ�mico. Discute-se a efic�cia do instrumento, n�o o objetivo da pol�tica p�blica. Muitos heterodoxos no Brasil, no entanto, partem do princ�pio de que o gasto p�blico � sempre eficaz caso a economia se encontre em recess�o.
A economia tradicional, por outro lado, procura testar as conjecturas tendo por base os dados dispon�veis. Em alguns casos, a expans�o do gasto p�blico parece auxiliar a retomada da atividade; em outros, pode ser contraproducente. Cabe � an�lise dos dados diferenciar os diversos casos.
No Brasil, os dados indicam que a expans�o do gasto p�blico nos �ltimos sete anos contribuiu para a grave crise que atravessamos. A expans�o dos subs�dios n�o resultou em aumento do investimento e colaborou para a grave crise fiscal que o pa�s atravessa.
Alguns heterodoxos, por�m, prop�em que a recess�o de 2015 foi o resultado do cen�rio internacional desfavor�vel e da pol�tica econ�mica adotada ap�s a reelei��o da presidente. Esse argumento vai de encontro, por um lado, ao impacto da crise externa no crescimento dos demais pa�ses, que tiveram suas taxas de crescimento reduzidas de 4% para 3% ao ano, em m�dia, enquanto o Brasil passou de um crescimento de 4% para uma recess�o de mais de 3% ao ano.
Carlos Eduardo Gon�alves estima, utilizando um grupo sint�tico de controle, que o impacto apenas da crise externa seria a redu��o do nosso crescimento para perto de 2% ao ano. O nosso pior desempenho parece decorrer da pol�tica econ�mica adotada a partir de 2009.
Por outro lado, a evid�ncia internacional indica que, em geral, o multiplicador keynesiano, que estima o impacto da pol�tica fiscal sobre a atividade econ�mica, � de cerca de 1,5 (1 real a menos de gasto p�blico implica 1,5 a menos de produ��o) e apresenta uma defasagem de cerca de nove meses, prazo entre a redu��o do gasto e o seu impacto na atividade. Al�m disso, Zeina Latif e Tatiana Pinheiro estimam que, com a deteriora��o fiscal a partir de 2010, o multiplicador foi progressivamente reduzido, podendo ser nulo, ou mesmo negativo, depois de 2014. Por fim, a expans�o fiscal � contraproducente quando apenas resulta em aumento da infla��o.
Caso o argumento heterodoxo estivesse correto, para que a recess�o de 2015 fosse resultado do ajuste fiscal implementado naquele ano, o multiplicador deveria ser de quase 5, e com efeito instant�neo, na contram�o da evid�ncia emp�rica.
Os economistas tradicionais rejeitam essa conjectura precisamente por ser contr�ria aos dados dispon�veis. Alguns heterodoxos, no entanto, a defendem sem apresentar qualquer resultado estat�stico que contradiga a evid�ncia emp�rica existente. Os economistas heterodoxos afirmam que aumentos dos gastos p�blicos resultariam no aumento da produ��o e dos impostos arrecadados, equilibrando as contas p�blicas. Seria esperado que disponibilizassem as evid�ncias emp�ricas que suportam seus argumentos.
Pode-se, e deve-se, questionar a evid�ncia dispon�vel. Com outras evid�ncias ou t�cnicas de an�lise. Apenas dessa forma a economia contribui para reduzir a incerteza sobre os rumos a tomar. Desqualificar os argumentos como representando interesses contra o crescimento reflete, apenas, falta de rigor acad�mico.
COME�O
A inflex�o da pol�tica econ�mica iniciada em 2009 ilustra o argumento principal deste artigo. No Brasil, a diferen�a entre direita e esquerda decorre de diferentes maneiras de entender o funcionamento da economia. Trata-se, portanto, de diferen�as de natureza positiva (como o mundo funciona), e n�o normativa (qual � o mundo desejado), ao contr�rio da diverg�ncia nos pa�ses desenvolvidos.
O contraste do debate brasileiro com o americano entre os economistas � ilustrativo. L�, a esquerda � representada por Krugman e Stiglitz, que compartilham a mesma forma de construir conhecimento dos economistas de direita, por exemplo, Fama e Lucas. N�o h� diverg�ncia de m�todo entre eles. A diverg�ncia decorre do modelo desejado de sociedade. Krugman e Stiglitz gostariam de um Estado de bem-estar mais abrangente e de uma carga tribut�ria maior do que Lucas e Fama, que temem o seu impacto sobre o crescimento.
Evidentemente, h� discord�ncias sobre os impactos da interven��o p�blica. Mesmo porque h� in�meros temas de natureza positiva para os quais a academia n�o tem resposta definitiva. Por exemplo, muitos economistas tradicionais avaliam que ser�o baixos os impactos de um aumento do sal�rio m�nimo sobre o desemprego. Outros, por�m, temem que aumentos do sal�rio m�nimo resultem em aumentos apreci�veis do desemprego. Todos concordam, no entanto, que a diverg�ncia deva ser resolvida pela an�lise dos dados dispon�veis.
No Brasil, por outro lado, a imensa maioria defende pol�ticas sociais abrangentes. O debate polarizado decorre de uma controv�rsia entre os que utilizam evid�ncias para determinar a efic�cia das pol�ticas p�blicas e os que denunciam a diverg�ncia por, supostamente, defender interesses indevidos.
Alguns pa�ses se desenvolveram e superaram desafios b�sicos, como a educa��o em massa e a prote��o dos mais vulner�veis. Outros repetem antigos equ�vocos.
MARCOS DE BARROS LISBOA, 51, doutor em economia pela Universidade da Pensilv�nia, � presidente do Insper.
SAMUEL PESS�A, 52, doutor em economia pela USP, � pesquisador da FGV e colunista da Folha.
JOS� BECHARA, 59, artista pl�stico, est� em cartaz com "Voadoras" na galeria Mar�lia Razuk, em S�o Paulo, at� 20/7.
Livraria da Folha
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