Barry Ames fala sobre a direita e a guinada pol�tica no pa�s
RESUMO Estudioso das institui��es brasileiras, o cientista pol�tico da Universidade de Pittsburgh acredita que a remo��o do governo petista redefine as perspectivas da direita, tradicionalmente clientelista, no pa�s. Ele avalia que o atual sistema pol�tico s� funciona bem com Executivo habilidoso e economia saud�vel.
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Professor do departamento de ci�ncia social da Universidade de Pittsburgh, Barry Ames � um estudioso do universo pol�tico brasileiro no per�odo p�s-ditadura, quando se formam as bases de um novo sistema pol�tico e democr�tico no pa�s. O cientista pol�tico norte-americano tem se mostrado c�tico quanto � efic�cia de nosso sistema pol�tico, em especial no que tange �s complicadas rela��es entre Executivo e Legislativo. As dificuldades para estabelecer maiorias s�lidas no Congresso e assegurar sem sobressaltos e expedientes clientelistas a chamada governabilidade s�o temas de seus estudos, entre os quais, o livro "Os Entraves da Democracia no Brasil" (FGV, 2003).
Na entrevista que segue, feita por e-mail, Ames responde a quest�es relativas � crise atual, como o decl�nio do PT e da esquerda e as perspectivas de ascens�o do liberalismo econ�mico e propostas conservadoras. Ele acredita que, dada a dimens�o da crise, a "direita ideol�gica" poder� ganhar mais presen�a e desenvoltura no cen�rio pol�tico nacional j� nas elei��es de 2018. Embora veja o PSDB mais talhado a desempenhar esse papel, Ames considera que o PMDB se tornou o elemento "chave" desse processo –e que o breve governo de Michel Temer ser� um teste.
Folha - O sr. acredita que o atual momento do Brasil, com a desmoraliza��o da esquerda, � favor�vel ao desenvolvimento de uma direita ideol�gica?
Barry Ames - Sim, sem d�vida. As condi��es pol�ticas e econ�micas no Brasil favorecem a forma��o de uma "direita ideol�gica". Essa direita ideol�gica, que existir� ao lado da tradicional direita "clientelista", pode se formar num futuro muito pr�ximo, talvez j� na elei��o de 2018. Em tempos "normais", a direita ideol�gica s� ganha elei��es explorando os tipos de clivagens que propiciam vit�rias aos republicanos nos Estados Unidos, ou seja, ra�a, aborto, religi�o etc. Dada a enorme desigualdade do Brasil, esses tipos de clivagens s�o muito menos importantes, o que fez a direita sobreviver politicamente com foco no clientelismo. Mas o Brasil n�o est� vivendo tempos normais. A economia est� em queda livre. A esquerda foi desacreditada pela corrup��o. E partes da classe m�dia, enraivecidas com a alta dos pre�os e a precariedade dos servi�os p�blicos, sentem que a esquerda s� liga para os pobres.
Da mesma forma que a crise econ�mica terminar� um dia, a esquerda um dia se recuperar� de seu atoleiro pol�tico. Novos l�deres, possivelmente novos partidos, sem a m�cula da corrup��o, emergir�o na esquerda. Para concorrer contra essa nova esquerda em uma democracia, a direita ideol�gica precisar� de um centro menos clientelista e mais ideol�gico.
O PSDB poderia fazer esse papel, mas o PMDB � a verdadeira chave. Por muito tempo, o partido vem sendo n�o mais que um conglomerado de pol�ticos em busca de obras e cargos p�blicos. O primeiro teste da seriedade do PMDB acontece agora. O partido ser� capaz de administrar a austeridade de modo a proteger os pobres, racionalizar a previd�ncia e melhorar o financiamento dos servi�os p�blicos? Por exemplo, o ensino superior gratuito � problem�tico em um pa�s no qual, para os alunos que n�o estudaram em escolas particulares no segundo grau, � extremamente dif�cil ingressar nas universidades federais. Mas o ensino superior gratuito beneficia a classe m�dia alta, e o PMDB ter� de enfrentar essa quest�o e eventualmente a oposi��o desses setores.
No Brasil o liberalismo econ�mico, com a defesa de um Estado mais contido e da livre iniciativa, teve seus momentos, mas jamais conseguiu articular-se de maneira s�lida e duradoura com um projeto de democracia e valores liberais. O liberalismo econ�mico, ali�s, na Am�rica Latina, como mostrou o Chile, j� conviveu harmoniosamente com ditaduras. Como o sr. v� esse tema, agora que um governo de direita, ligado a um partido clientelista, assume o poder e lan�a uma plataforma econ�mica liberal?
O liberalismo conviveu harmoniosamente com a ditadura, como no caso do Chile, mas tamb�m viveu em regimes democr�ticos, como na Argentina de Menem. Partes importantes desse Estado "mais contido" que Menem instalou, como a privatiza��o, foram continuadas pelos governos mais populistas que se seguiram ao dele. Ainda assim, existem duas quest�es fundamentais.
Primeiro, ser� que o PMDB, com apoio legislativo limitado, conseguir� promover grandes mudan�as na natureza do Estado brasileiro? O partido � grande, mas tem controle limitado sobre os seus deputados, e o futuro eleitoral deles depender� de obras e cargos p�blicos. Segundo, a popula��o e os empres�rios apoiar�o um Estado verdadeiramente liberal? A crise econ�mica brasileira � muito menos profunda do que as crises que levaram os povos da Argentina e do Peru a apoiar o liberalismo draconiano de Menem e Fujimori. Existe algum sinal de que as empreiteiras abandonar�o suas tentativas de influenciar os contratos e concorr�ncias do governo?
O soci�logo Celso Rocha de Barros disse que um dia a direita no Brasil ter� que apresentar seu pr�prio programa social. O sr. concorda?
Nos Estados Unidos, o programa social da direita consiste em dizer aos pobres que sua pobreza � culpa deles. O programa s� tem chance nas elei��es dos Estados Unidos porque a direita pode jogar a carta do preconceito racial. No Brasil, onde a clivagem dominante � por classe social, a direita n�o tem como vencer consistentemente atribuindo aos pobres a culpa por sua pr�pria pobreza. A ideologia corporativista, apoiada pela Igreja, no passado justificava o dom�nio da elite tentando convencer os pobres de que a submiss�o era natural. O pensamento corporativista sempre teve um relacionamento incerto com a democracia eleitoral, e seu tempo passou. Assim, talvez o �nico programa social vi�vel para a direita no Brasil seja dizer aos pobres que a esquerda errar� na gest�o da economia e os tornar� ainda mais pobres. O PT n�o fez muito para enfraquecer esse argumento.
Dos quatro presidentes eleitos depois do fim da ditadura militar dois sofreram impeachment. N�o � muita instabilidade?
Dois entre quatro presidentes sofrerem impeachment n�o � uma boa m�dia, mas talvez estejamos apenas diante de um come�o infeliz. O sucesso na Presid�ncia brasileira, multipartid�ria e baseada em coaliz�es, requer duas condi��es: uma economia razoavelmente saud�vel e um Executivo relativamente habilidoso. Lula teve as duas coisas. Dilma, nenhuma delas. O que n�o sabemos � qu�o saud�vel a economia precisa ser e qu�o habilidoso o Executivo precisa ser.
O Brasil n�o tem como arcar, al�m das viradas c�clicas de uma economia baseada em commodities, com um n�vel de corrup��o t�o grande que prejudique o crescimento econ�mico. Cientistas pol�ticos escreveram sobre a crescente for�a do Judici�rio e das ag�ncias de controle fiscal do Brasil. Essa for�a deveria tornar a corrup��o mais arriscada e, portanto, menos comum, mas passamos por Collor, o mensal�o e agora a Lava Jato e o impeachment de Dilma. Existe alguma coisa inerente �s institui��es pol�ticas brasileiras que conduz � instabilidade? Minha pesquisa enfatizou tr�s elementos institucionais: a representa��o proporcional de lista aberta, os distritos eleitorais muito grandes e as barreiras fracas ao ingresso de partidos pol�ticos no Congresso.
Em todas as �reas, reformas podiam fortalecer os la�os entre eleitores e seus legisladores e reduzir o n�mero de candidatos e partidos.
Mas as institui��es pol�ticas n�o existem no v�cuo, elas funcionam em um determinado ambiente pol�tico-econ�mico. No caso do Brasil, o dom�nio do governo como financiador de grandes projetos e a concentra��o do setor de constru��o tornam o conluio tanto f�cil quanto crucial para os burocratas, empreiteiras e pol�ticos. Repensar as institui��es pol�ticas tamb�m inclui repensar a rela��o entre o Estado e a sociedade.
O sr. escreveu que a pol�tica americana est� se tornando "rid�cula" e que o Brasil n�o deveria procurar imit�-la. Por qu�?
No improv�vel caso de uma vit�ria de Donald Trump, teremos um presidente populista-nacionalista e narcisista, com pouco conhecimento de problemas b�sicos de pol�tica p�blica e baixo apoio no Legislativo. Se Hillary Clinton vencer, ela enfrentar� o mesmo tipo de oposi��o intransigente no Legislativo que o presidente Obama enfrentou. O impasse entre o Executivo e o Legislativo torna improv�vel que os Estados Unidos enfrentem seus problemas fundamentais, entre os quais o p�ssimo estado das estradas, pontes, aeroportos e assim por diante.
A pol�tica dos Estados Unidos se polarizou muito nos �ltimos 50 anos. � medida que os democratas mais conservadores transferiram seu apoio ao Partido Republicano, o Partido Democrata se tornou um tanto mais progressista. Os republicanos moderados essencialmente desapareceram, e a extrema direita controla o partido por meio de sua for�a nas elei��es prim�rias.
Dada a maneira altamente politizada pela qual os limites dos distritos eleitorais s�o definidos nos Estados Unidos, a maioria dos republicanos e a maioria dos democratas tem assentos legislativos extremamente seguros, e os republicanos t�m grande vantagem. No plano presidencial, por�m, os republicanos sofrem desvantagem, porque n�o t�m como atrair os grupos minorit�rios, especialmente os hisp�nicos; e seu eleitorado central, os homens brancos, responde por uma por��o cada vez menor dos votantes. O impasse se tornou a condi��o normal na pol�tica dos Estados Unidos.
tradu��o PAULO MIGLIACCI
MARCOS AUGUSTO GON�ALVES, 60, � editor da "Ilustr�ssima" e da revista "s�opaulo".
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