Um santo neg�cio: os esc�ndalos financeiros do Vaticano, em 'Avareza'
RESUMO Jornalista explica os passos de uma canoniza��o e exp�e os excessos dos custos implicados no processo; fazer um santo pode custar o equivalente de R$ 2 milh�es. Este texto � um extrato de "Avareza", livro-reportagem sobre os bastidores das finan�as do Vaticano, a sair pela editora Planeta no come�o de abril.
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At� outubro de 2013, na conta do IOR [Instituto para as Obras de Religi�o] destinada � canoniza��o da beata Francisca Ana de los Dolores, uma congregada espanhola de Palma de Mallorca depositou a bela soma de € 482.693 [quase R$ 2 milh�es, considerando a cota��o do euro em R$ 4,13].
Essa montanha de dinheiro necess�ria para santificar Francisca n�o � uma exce��o. De 2007 a 2013, as mission�rias de Santo Ant�nio Maria Claret, na verdade, investiram para a beatifica��o da madre Leonia Milito, somando o dinheiro da congrega��o aos donativos dos fi�is, cerca de € 116 mil. Mas a maior parte disso acabou em fundos de investimento.
Estela Sokol | ||
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"A soma depositada � aparentemente elevada porque ainda n�o pagamos e completamos a 'positio' [volume que re�ne a informa��o necess�ria para o processo de beatifica��o] e o futuro suposto milagre", assim justificavam, em carta endere�ada ao prefeito da Congrega��o para as Causas dos Santos, a irm� Lidia e irm� Teresa. "A institui��o est� tamb�m empenhada em pequenos gestos para que o trabalho de beatifica��o de nossa m�e fundadora n�o sofra por causa da manuten��o econ�mica."
Os fluxos de dinheiro em torno da beata espanhola e da madre Leonia n�o foram os �nicos que preocuparam o cardeal Giuseppe Versaldi: em 16 de janeiro de 2014, o ent�o chefe da Prefeitura dos Neg�cios Econ�micos na realidade pegou papel e caneta e intimou o postulador dos carmelitas descal�os, Ildefonso Moriones, tendo em vista a presen�a de "transa��es em dinheiro n�o condizentes com a finalidade da causa e seu normal desenvolvimento", e buscando "imediata adequa��o das contas, a exclusiva utiliza��o dos recursos e uma substancial modera��o na utiliza��o do dinheiro em caixa".
Ao ver o relat�rio interno que lhe foi enviado pela Prefeitura dos Neg�cios Econ�micos, Francisco compreendeu que os rumores que havia anos circulavam sobre a "f�brica de santos" n�o eram boatos maliciosos. O papa j� nutria algumas suspeitas e, por isso, no ver�o de 2013 requisitara � Cosea [respons�vel pela an�lise das contas do Vaticano] e ao minist�rio, na �poca dirigido por Versaldi, uma investiga��o aprofundada para esclarecer custos e contas das causas de beatifica��o e canoniza��o geridas pela Congrega��o para as Causas do Santos.
Ap�s alguns meses, quando vieram � tona os resultados da investiga��o, viu com os pr�prios olhos que a realidade superava qualquer fantasia. Custos malucos, advogados que administravam o dinheiro de causas das quais eram "postuladores" por meio de suas contas privadas no IOR, fundos para as chamadas "causas pobres" reduzidas ao m�nimo.
Acima de tudo, Francisco compreendeu que a f�brica da santidade que Sisto 5� desejava em 1588 n�o s� trabalha hoje a pleno vapor como parece inspirar-se no aforismo do poeta latino Juvenal, segundo o qual "a reputa��o depende apenas do dinheiro que se tem no cofre": � um fato que, para os santos "in pectore", com boas a��es sobre a Terra, ser� bem mais f�cil se entender com o divino, na compara��o com os colegas que tenham patrocinadores menos ricos e lobby menos influente para impulsion�-los rumo � almejada aur�ola.
Em 2005, o cardeal Jos� Saraiva Martins, � �poca prefeito da Congrega��o para as Causas dos Santos, no livro-entrevista "Come si Fa Un Santo" [como se faz um santo], explicou que os custos da canoniza��o, entre despesas da Congrega��o, reembolsos aos estudiosos, pesquisa, volumes e impress�o, chegam em m�dia a um teto de € 14 mil. Entre as centenas de documentos consultados por este que escreve, o certo � que a cifra em muit�ssimos casos � bem mais alta e que, para um �xito r�pido e positivo da causa, o peso do dinheiro e a influ�ncia das camarilhas � enorme.
DIVINDADE
A estrada para alcan�ar a santidade n�o � simples e prev� regras burocr�ticas r�gidas e complexas. A hist�ria registra que antigamente o papa podia canonizar um m�rtir por decis�o sua ou at� mesmo ap�s a simples aclama��o popular, mas no final do s�culo 16 o papa Sisto 5� estabeleceu crit�rios espec�ficos para o reconhecimento da divindade, de modo a evitar abusos e excessos, e decidiu que um novo organismo, rebatizado por Jo�o Paulo 2� de Congrega��o para as Causas dos Santos, iria cuidar do percurso at� a beatitude por meio de um processo baseado no direito can�nico.
Hoje quem quer que fa�a parte do "povo de Deus" pode pedir a abertura de um procedimento (em geral, quem faz o pedido s�o parentes, amigos e, principalmente, as ordens religiosas �s quais o aspirante pertencia); obviamente isso ocorre somente ap�s a morte do candidato. S�o eles os "atores" da causa, que t�m tamb�m a tarefa de encarregar um postulador, uma esp�cie de advogado defensor que instruir� e perorar� a causa.
A primeira parte do processo � chamada de "diocesana", e n�o pode seguir adiante sem a autoriza��o do bispo competente, geralmente o do territ�rio onde o candidato faleceu. Com o processo iniciado, o examinado ascende � condi��o de "servo de Deus", e sua vida e suas obras s�o apreciadas por meio de uma investiga��o do postulador.
Se, ap�s testemunhos, pesquisas e entrevistas forem descobertos supostos eventos milagrosos, a causa entrar� na sua segunda fase, a romana, e ser� posicionada no Vaticano. � nos escrit�rios da Congrega��o, a dois passos da pra�a S�o Pedro, que o postulador dever� depositar sua "positio", isto �, o relat�rio final sobre o candidato, que ser� analisado pelo promotor de Justi�a, o magistrado da Congrega��o que dever� dar seu aval �s virtudes do beato aspirante e � veracidade do milagre apresentado na "positio".
O prod�gio que � debatido no processo � quase sempre uma suposta cura de um doente, considerada cientificamente inexplic�vel, que � ent�o discutida por uma comiss�o de sete m�dicos (que podem ser crentes ou n�o e �, atualmente, presidida pelo professor Patrizio Polisca, ex-m�dico pessoal de Bento 16), convocada sempre pela Congrega��o.
No final, um congresso teol�gico formado por nove especialistas � quem sanciona se o servo de Deus pode se tornar beato, mas a proclama��o final cabe exclusivamente ao pont�fice. Se os atores, mais tarde, quiserem dar prosseguimento ao caminho do eleito em dire��o a uma nova promo��o celeste, o postulador dever� demonstrar em um novo processo can�nico que o candidato realizou outro milagre ap�s a beatifica��o, e que merece tornar-se santo.
Este, em uma s�ntese extrema, � o procedimento padr�o. O que os manuais vaticanos n�o dizem, no entanto, � que aqueles que quiserem tentar elevar um ser querido �s honras dos altares ter�o de gastar muito dinheiro. Cada causa tem sua hist�ria, e os custos s�o vari�veis: a cifra final depende dos honor�rios do postulador, das dificuldades e do tempo necess�rio para avaliar a documenta��o, de eventuais pesquisas de aprofundamento e viagens para coleta de informa��es. Mas, a julgar pelos documentos de centenas de pr�ticas do per�odo que vai de 2008 a 2015, em geral estamos falando em dezenas e, com frequ�ncia, de centenas de milhares de euros.
Mesmo a lista das despesas fixas � impressionante: desde as taxas e direitos a serem pagos � Santa S� at� os custos das tradu��es (no final, a 'positio' deve ser entregue toda em latim), das consultorias de te�logos e estudiosos �s per�cias m�dicas, decretos (sobre o mart�rio ou sobre o milagre), despesas para o congresso dos te�logos e dinheiro para a organiza��o da cerim�nia de beatifica��o e canoniza��o –apenas para o dia de beatifica��o do fil�sofo Antonio Rosmini, segundo um folheto distribu�do em 2003 pelo ent�o postulador da causa, foram gastos € 375 mil.
At� agora, ningu�m tinha ideia das propor��es do neg�cio, mas no passado foram muitos –incluindo altos expoentes cat�licos– os que criticaram o excesso de santifica��es e que torceram o nariz diante da infla��o de aben�oados imposta por Jo�o Paulo 2�, que durante os 27 anos de seu pontificado proclamou 1.338 beatos e 482 santos, quase um quarto de todos aqueles canonizados nos cinco s�culos precedentes.
Por certo, essa prolifera��o –interrompida com o advento de Bento 16, que imp�s ritmos mais tradicionais, pedindo, por meio de uma nota dirigida aos bispos, maior rigor na abertura da fase diocesana do processo– deveu-se a uma escolha teol�gica espec�fica de Karol Wojtyla, desejoso de fazer ver � comunidade dos cat�licos que qualquer um, com as obras e o mart�rio, pode aspirar a se tornar santo.
Mas � um fato que o boom (atualmente h� cerca de 3.000 causas em estoque) acarretou tamb�m vertiginoso aumento dos pre�os.
A abertura da investiga��o sugerida pelo papa Francisco tinha dois objetivos principais: avaliar a real dimens�o do neg�cio e verificar eventuais movimenta��es financeiras inadequadas.
Muito mais que os escrit�rios vaticanos da congrega��o, s�o na realidade os postuladores os verdadeiros caixas de cada causa individual; �s vezes monsenhores, �s vezes advogados leigos (diplomados na escola vaticana preposta, o "studium") que –depois de terem recebido a procura��o por parte de pessoas f�sicas, congrega��es ou ordens religiosas– recolhem o dinheiro depositado pelos atores em uma conta corrente, aberta para esse prop�sito no IOR.
S�o sempre os postuladores que administram, ao longo dos anos em que se estende a causa, todos os fundos e os bens destinados ao futuro beato e que saldam as contas com os escrit�rios vaticanos e os consultores externos.
Assim, a partir de 2013, na tentativa de limpar o instituto e de implementar as novas diretrizes antilavagem de dinheiro, a Prefeitura dos Neg�cios Econ�micos ordenou que todos os postuladores titulares de contas no IOR enviassem � Congrega��o toda movimenta��o financeira que efetuassem.
No final do processo, Bergoglio decidiu que o andamento das coisas era inaceit�vel e que devia mudar o mais r�pido poss�vel. Convocou Angelo Amato, atual prefeito da Congrega��o e cardeal considerado pr�ximo de Tarcisio Bertone [secret�rio de Estado de Bento 16], pedindo esclarecimentos sobre as cifras enlouquecidas indicadas pelo relat�rio. Depois ordenou � Cosea e � Prefeitura que providenciassem o bloqueio tempor�rio das contas IOR dos postuladores at� que fossem analisadas cada entrada e cada sa�da de dinheiro.
O exame das pastas foi conclu�do apenas em 2015. Ao examinar a papelada, a impress�o � a de que as surpresas na linha de montagem da f�brica de santos n�o v�o terminar nunca.
PR�NCIPE
No Vaticano circula um ditado: "Se voc� quer virar santo, tem que passar pelo escrit�rio do advogado Ambrosi". Mais do que um dito espirituoso, � um dado factual. H� quase 40 anos Andrea Ambrosi � o pr�ncipe inquestion�vel dos postuladores vaticanos, um profissional reservado, capaz de fazer beatificar dezenas e dezenas de frades e m�rtires, sacerdotes e freiras, leigos e religiosos, imperadores e cardeais.
Ainda hoje, h� centenas de casos em aberto, que est�o sendo instru�dos pelo advogado romano, com um correspondente n�mero de contas no IOR geridas diretamente por ele. Os postuladores leigos s�o muitos, mas alguns deles –como Ambrosi e a advogada Silvia Correale– s�o mais requisitados que os outros, talvez por serem mais competentes e �geis, capazes de levar as causas a termo em menos tempo.
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Analisando as dezenas de causas administradas por Ambrosi, s�o realmente muitas as de seis cifras. Principalmente quando se trata de aspirantes norte-americanos, parece n�o haver preocupa��o com despesas. Para o processo de beatifica��o do padre Patrick Peyton, irland�s que se mudou ainda jovem para Indiana e era devoto de Maria e do Ros�rio, entre 2011 e 2013, os honor�rios do postulador superaram os € 76 mil. Foram ainda mais altos os do padre Emil Kapaun, capel�o militar morto na Guerra da Coreia, cuja conta mostra entradas de € 266 mil e € 138 mil de sa�das.
No mesmo per�odo, Ambrosi arrecadou tamb�m na Europa, dos atores que queriam tornar santo o m�dico alem�o Heinrich Hahn (as sa�das contabilizadas sempre no mesmo intervalo chegaram a € 75.952); da causa para o mission�rio esloveno nascido no fim do s�culo 18 Friderik Baraga, primeiro bispo da diocese de Marquette em Michigan (custos que saltaram para € 95 mil, todos pagos pela igreja local gra�as a doa��es e financiamentos); daquela para o Servo de Deus Engelmar Unzeitig, cujas sa�das, entre 2008 e 2013, chegaram a € 82 mil; e, por fim, da canoniza��o de Clelia Merloni, dos ap�stolos do Sagrado Cora��o de Jesus.
Nesse �ltimo caso, por dois anos de trabalho Ambrosi recebeu honor�rios que superaram os € 100 mil. "Um trabalho muito complexo, que exigiu intensa colabora��o do pessoal do meu escrit�rio e das freiras atrizes da causa", esclareceu o advogado em uma nota enviada ao Vaticano.
Mas, surpresa, o advogado especialista em encontrar milagres escreveu em 5 de setembro de 2013 uma carta ao amigo cardeal Amato, explicando-lhe que n�o teria como enviar as movimenta��es completas de dezenas e dezenas de pr�ticas.
Como assim? Ambrosi revela que, at� alguns meses antes, os fundos de todas as causas das quais era postulador conflu�am em suas contas pessoais (conjuntas com a mulher), que depois eram desmembradas a fim de consignar a cada causa sua pr�pria conta. No que dizia respeito aos anos anteriores, Ambrosi invocou o direito � privacidade: os extratos banc�rios revelariam n�o s� as movimenta��es das causas postuladas mas tamb�m as entradas e sa�das de sua fam�lia. O cardeal Amato, ao que parece, n�o teve o que objetar. No Vaticano, a privacidade � sagrada.
Estela Sokol | ||
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ANTINAZISTA
O arcebispo de Paderborn, para poder beatificar o padre antinazista Franz Stock, em cinco anos gastou € 208 mil, grande parte deles com o escrit�rio Ambrosi, que tamb�m nesse caso � o postulador.
Dessa vez, muitas despesas foram feitas nos Estados Unidos, em San Francisco, onde em 1998, por intercess�o de Stock, um homem teria sido curado de um c�ncer.
"Em San Francisco foi dif�cil encontrar os argumentos justos para convencer os m�dicos envolvidos no caso a colaborarem e especialmente a se apresentarem em tribunal para depor... Foi muito complexo encontrar a conex�o entre a vis�o da Fran�a e da Alemanha em tempos de guerra: lembro que Franz Stock, alem�o, passou os anos mais prof�cuos do seu apostolado na Fran�a", declara por escrito o advogado para justificar, uma vez mais, "cifras que � primeira vista poderiam parecer elevadas".
O pr�ncipe dos postuladores tem uma atividade decididamente pr�spera. Entre dezembro de 2012 e janeiro de 2013, algumas irm�s carmelitas da Pensilv�nia pagaram-lhe € 31 mil para iniciar a causa de Therese Lindenberg e, dois meses depois, ele recebeu outros € 25,5 mil da associa��o Uni�o de Ora��o para a Paz entre os Povos, em homenagem a Carlos 1� d'�ustria, o �ltimo imperador Habsburgo, tornado beato em 2004, e que seus f�s querem ver santo o mais r�pido poss�vel. As faturas de Ambrosi dizem respeito a uma "consultoria com um bispo de Santa F�" (€ 6.000) e "consultorias exigidas pelo tribunal eclesi�stico" (€ 18 mil), enquanto as viagens do advogado e de um assistente aos Estados Unidos para a pesquisa do milagre foram arredondadas para € 10 mil.
[...]
FAVORITO
Para ver santificados os fundadores e antecessores mais ilustres, monsenhores, bispos e fraternidades entregam sua alma e se disp�em a despejar rios de dinheiro em Roma e na f�brica vaticana. Para as comunidades cat�licas, saber que um favorito seu est� sentado ao lado do Senhor � motivo de uma f� renovada e de orgulho local, e as diversas igrejas, h� s�culos, n�o deixam escapar essas preciosas oportunidades, investindo na causa o seu patrim�nio e as doa��es que conseguem recolher de seus fi�is.
N�o estranha que uma das causas de canoniza��o mais custosas tenha sido a que, desde 1996, procura levar � beatitude o padre Michael McGivney, fundador da associa��o cat�lica mais rica e poderosa do mundo, a dos Cavaleiros de Colombo. � um lobby extremamente influente, composto por 1,8 milh�o de inscritos, dedicado � benefic�ncia (US$ 170 milh�es [ou cerca de R$ 619 milh�es, considerando o d�lar a R$ 3,64] circularam pelo mundo apenas em 2014), ao voluntariado e ao neg�cio das ap�lices de seguro de vida.
No �ltimo balan�o publicado, as ap�lices subscritas superaram os 2 milh�es, para um valor total que chegou � hiperb�lica cifra de US$ 99 bilh�es, enquanto os ativos investidos diretamente pelos Cavaleiros em fundos e a��es alcan�ou US$ 21 bilh�es. Caso praticamente �nico desde o in�cio da crise econ�mica de 2008, os Cavaleiros conseguiram aumentar seu giro de neg�cios em 41%.
Para o atual chefe dos Cavaleiros, Carl A. Anderson, cavaleiro supremo da ordem e ex-membro do IOR, o dinheiro investido na beatifica��o de McGivney � provavelmente irris�rio, mas, sem d�vida, as cifras que Ambrosi teve de apresentar � Prefeitura dos Neg�cios Econ�micos e � Cosea s�o impressionantes: € 6.000 para "consultas m�dicas", € 27 mil "para uma viagem de trabalho do postulador com seu assistente-int�rprete" realizada em 2009, outros € 13 mil para uma viagem �s Filipinas para a pesquisa de um milagre do vener�vel McGivney, € 61 mil "para o trabalho desenvolvido no processo diocesano em Manila". Taxas vaticanas, "positio" e decretos, por fim, fizeram com que a causa superasse at� agora os € 233 mil de despesas.
O Vaticano sempre negou que os custos da f�brica de santos fossem altos, destacando que eventuais excessos n�o seriam por certo em gastos com a Santa S�. "Uma coisa segura � que n�o � a Congrega��o que determina as despesas", argumentou o ex-prefeito Jos� Saraiva Martins no "Osservatore Romano". "S� interv�m de modo indireto. O postulador da causa � que atua como 'caixa', � quem recolhe o dinheiro necess�rio e paga as contas. A Congrega��o apenas coloca em contato os diversos atores do processo, nada mais."
PERMISS�O
Na realidade, por�m, � o Vaticano que nomeia todos os postuladores, sejam eles eclesi�sticos (que, � parte o reembolso das despesas, com frequ�ncia n�o cobram um euro sequer) ou leigos, e � sempre a Congrega��o que organiza os cursos obrigat�rios dos quais os postuladores devem participar. Em suma, a permiss�o oficial para entrar no circuito das santifica��es � dada pela Igreja.
Al�m disso, at� a investiga��o promovida por Francisco, o controle dos custos foi m�nimo. E pouca aten��o tem sido dada aos poss�veis conflitos de interesses no neg�cio da tipografia, um dos itens mais caros de toda causa.
A �nica empresa que tem o monop�lio da impress�o dos documentos a serem depositados junto � Congrega��o para as Causas dos Santos � a Nova Res SRL, localizada na piazza di Porta Maggiore, cuja participa��o acion�ria majorit�ria est� nas m�os da fam�lia do advogado Ambrosi –que, segundo os dados da C�mera de Com�rcio de Roma, obteve da Nova Res, apenas em 2013, ganhos de € 621 mil.
Os auditores empossados por Francisco chamaram a aten��o tamb�m para outras movimenta��es cont�beis, como as da causa de beatifica��o de Theophilo Matulio (o novo postulador declarou � Congrega��o "n�o possuir informa��es detalhadas sobre despesas" do seu predecessor), as da conta IOR da postula��o geral da Ordem dos M�nimos (cuja conta era usada tamb�m para empr�stimos "ad personam") e as dos investimentos financeiros de congrega��es colombianas de Medell�n que transitaram por contas destinadas, em tese, aos servos de Deus.
"No que se refere �s pr�ticas recebidas pela postuladora Silvia Correale, assinala-se que, na sua generalidade, as causas em quest�o resultam particularmente carentes de justificativas e de descri��es, tanto para os itens de entrada quanto para os de sa�da", explicou Versaldi ao prefeito da Congrega��o, Amato, solicitando ainda "a documenta��o relativa � sa�da de um catering de € 10 mil" necess�rio para a beatifica��o de Fran�ois Nguy�n van Thu�n; destacando "as excessivas movimenta��es em dinheiro vivo" efetuadas pelo postulador Paolo Vilotta para a canoniza��o de Isabel Cristina Campos; e pedindo "mais detalhes, em particular sobre os itens de sa�da" para a beatifica��o de Eduardo Francisco Pironio.
"Na realidade, n�o se faz presente um balan�o que possa de algum modo dar ideia do emprego dos recursos � disposi��o de tal causa, que, embora definida como 'paup�rrima' pela postula��o, em definitivo n�o parece t�o pobre assim." Mas o papa e seus homens lamentam a aus�ncia de notas fiscais que comprovem as despesas e o trabalho desenvolvido pelos postuladores, m�dicos, tradutores e especialistas diversos.
"Esta Congrega��o constata que, no passado, n�o era habitual pedir notas fiscais nem recibos e que, portanto, uma documenta��o completa mostra-se imposs�vel de rastrear", admitiu Amato em uma carta a Versaldi.
No final da investiga��o, Bergoglio decidiu tentar remediar. Pediu a todos os postuladores que ficassem sujeitos a uma tarifa��o �nica de refer�ncia, tanto para a fase diocesana (elaborada pelo pr�prio Col�gio de Postuladores) quanto para a fase romana, de modo a conseguir "maior sentido de sobriedade e equidade, e que n�o haja disparidade entre as diversas causas", como anunciou no in�cio de 2014 o prefeito Amato, que Francisco manteve at� agora no cargo.
Os cr�ticos, dentro dos muros leoninos, temem que a tarifa��o possa ser facilmente driblada e que a solu��o prevista n�o consiga mudar de fato o mecanismo perverso da f�brica. Veremos. Por enquanto, o pr�ncipe dos postuladores dever� ser mais perspicaz ao definir as parcelas; mesmo porque, como afirmou Amato em uma carta privada a Versaldi, "julgou-se oportuno chamar a aten��o do advogado Andrea para a imprescind�vel exig�ncia de rever seus honor�rios, assim como para os custos das causas, � luz das disposi��es do departamento que se seguir�o, e de ater-se rigorosamente, no futuro, �s normas vigentes".
EMILIANO FITTIPALDI, 41, � rep�rter da "L'Espresso", revista do jornal italiano "La Repubblica".
LUIS REYES GIL, 66, espanhol, � tradutor de ingl�s, catal�o, espanhol e italiano.
ESTELA SOKOL, 35, � artista pl�stica.
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Papa cria nova norma para canoniza��es
No come�o do m�s o papa Francisco imp�s novas regras para a responsabiliza��o financeira nos processos de canoniza��o. As novas normas s�o uma decorr�ncia da investiga��o citada no texto publicado acima, durante a qual ficou patente a laxid�o dos gastos na "f�brica de santos".
Al�m de prever controle externo das contas banc�rias do Vaticano criadas para assuntos de canoniza��o, a nova norma tamb�m determina o acompanhamento constante do or�amento e da contabilidade relativa �s doa��es feitas para as causas de pretendentes a santo, a fim de garantir que esses fundos sejam empregados corretamente nos processos.
O documento assinado pelo papa em 4 de mar�o revoga o anterior, firmado por Jo�o Paulo 2� em 1983. Batizado de "Rescriptum ex Audientia Sanctissimi", tem car�ter "experimental" e validade de tr�s anos. Ele cria ainda um Fundo de Solidariedade, que deve ser utilizado para apoiar as causas de candidatos a santo mais pobres.
Enquanto, por�m, investiga��es propelidas por livros como "Avareza" motivam mudan�as na Santa S�, corre no Vaticano processo contra o autor do livro, Emiliano Fittipaldi, rep�rter da revista "L'Espresso", e outras quatro pessoas, entre as quais o tamb�m jornalista Gianluigi Nuzzi, que escreveu v�rios t�tulos sobre a Igreja.
Apelidado Vatileaks 2, o julgamento foi interrompido na semana passada porque uma das acusadas de ter vazado documentos confidenciais aos jornalistas, Francesca Chaouqui, que est� gr�vida, recebeu ordens m�dicas de repouso.
Fittipaldi classificou o processo como "farsesco" em entrevista ao "La Repubblica". Ele diz que n�o � acusado de ter feito amea�as para obter informa��es, mas de fazer perguntas –"isto �, meu trabalho".
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