Leia tr�s entrevistas com Umberto Eco j� publicadas pela Folha
Morto na sexta (19), Umberto Eco foi um intelectual de destaque. Fil�sofo e semi�logo, se dedicou a diversas frentes do conhecimento.
Em mar�o de 1991, a capa da "Ilustrada" trazia entrevista exclusiva com o escritor realizada pelo hoje editor da "Ilustr�ssima", Marcos Augusto Gon�alves, e que voc� pode ler em nosso acervo.
Em maio de 1995, o caderno "Mais!" da Folha publicou entrevista de Umberto Eco feita pelo colunista da "Ilustrada" Contardo Calligaris em Nova York. Em 2012, quando o escritor completava 80 anos, a editora-adjunta da "Ilustr�ssima", Francesca Angiolillo, visitou Eco em sua casa em Mil�o e escreveu um perfil do intelectual que voc� pode ler aqui.
Leia abaixo o texto de Contardo Calligaris, intitulado Eco-Logia. (foi mantida a grafia da �poca, antes da reforma ortogr�fica)
*
O telefone de Umberto Eco em Mil�o � de f�cil acesso. E, de manh�, uma secret�ria eletr�nica atende. Mas � uma armadilha: ele n�o escuta os recados. A grava��o � proposta s� para tranquilizar quem liga e, desta forma, convencido de ter deixado o seu recado, ele n�o ligar mais.
O fax, ao contr�rio, funciona, mas com um detalhe: qualquer um acima de duas p�ginas � destru�do por raz�es ecol�gicas. Mesmo assim, n�o foi dif�cil aproximar de Umberto Eco. Marshall Blonsky –companheiro de Eco de velha data e um dos pioneiros da semi�tica nos EUA, no come�o dos anos 50– permitiu o contato; a simpatia de Eco pelo Brasil (lembre-se a parte de "O P�ndulo de Foucault" que acontece no Rio e na Bahia) fez o resto.
Depois da entrevista –feita no final de abril, no dia seguinte � palestra que fez na Columbia University, nos EUA– acompanhei Eco at� seu "pied-�-terre" nova-iorquino, onde mora seu filho Stefano, na 12th Street. Num dia de sol, atravessando Union Square, a entrevista terminada, a conversa foi para onde devia: a paix�o bibliof�lica, os melhores lugares para ca�ar livros em Nova York, as p�rolas de sua biblioteca.
� esta a lembran�a de Eco com a qual fico: no meio de Manhattan, um "organizer" eletr�nico no bolso, bem no seu tempo, o ouvido e o olhar atento ao variado desfile da vida, um bibli�filo leitor, apaixonado pelos saberes que fazem nossa hist�ria e o que somos.
Folha - Seu �ltimo romance, "A Ilha do Dia Anterior, esteve em fevereiro e mar�o em primeiro lugar na lista dos best sellers no Brasil, segundo pesquisa da Folha*, e em abril na s�tima posi��o. � um evento, pois esta lista costuma compreender livros que se situam entre a auto-ajuda e o ocultismo.
Quem sabe sua palestra de ontem ajude a mudar as coisas: o sr. dizia que um dos tra�os do fascismo eterno � o sincretismo, encontrar Santo Agostinho na mesma estante com Stonehenge. Al�m disso, a quest�o do sincretismo no Brasil � delicada...*
Umberto Eco - Um esclarecimento. Cada forma de fascismo � sincretista, mas isso n�o significa que cada forma de sincretismo seja fascista. Como voc� sabe, em "O P�ndulo de Foucault h� um epis�dio brasileiro, onde descobri que sou um filho de Oxal�. Mas, por mais que tenha simpatia pelas religi�es afro-brasileiras, trata-se de sincretismo, ou seja, da mesma coisa da qual eu falava ontem.
Nossa cultura e a educa��o em nossa cultura s�o fundadas na capacidade de se fazer distin��es. Esta coisa � diferente daquela. Em certas situa��es, pode-se decidir que as duas coincidem ou se equivalem, por exemplo, ao fazer uma met�fora. Mas, fundamentalmente, trata-se de saber dizer que isto n�o � aquilo.
N�s marcamos um encontro �s 10h e, de fato, nos encontramos �s 10h porque compartilhamos esta imperfeita subdivis�o do tempo dada pelos rel�gios. Sabemos que o tempo � um fen�meno mais complicado do que isso, mas, se n�o partimos do tempo dos rel�gios, n�o podemos interagir.
O ocultismo pode pensar que o tempo seja um mist�rio que vai muito al�m dos cron�metros. Por que n�o? Talvez tenha at� raz�o. O problema n�o � o ocultismo, mas o sincretismo, que confunde os dois tempos: acaba-se t�o convencido que o tempo � mais do que isso, que se joga fora o rel�gio.
Folha - Ent�o nos encontrar�amos com certeza quando a dist�ncia, conjun��es astrais e telep�ticas nos reunisse. Quem sabe estas observa��es encorajem a organizar melhor a estante dos best sellers. Mas, considerando a trilogia de seus romances at� agora, "O Nome da Rosa -romance medieval- concerne � procura de um peda�o faltante da tradi��o e os outros dois s�o romances modernos: ``A Ilha do Dia Anterior" acontece no s�culo 17 e "O P�ndulo de Foucault � contempor�neo...
Eco -...contempor�neo, mas hist�rico, de uma certa forma.
*Folha - Certo, mas ambos pertencem ao mundo moderno. Nestes �ltimos dois, ent�o, o peda�o faltante n�o � um fragmento da tradi��o. � um ponto fixo que precisa ser procurado ou mesmo constru�do: quer seja a verdade sobre o tempo e o espa�o (em "A Ilha do Dia Anterior), quer seja a verdade sobre a significa��o (em "O P�ndulo).
A tradi��o n�o � mais, para n�s modernos -como ainda podia ser na Idade M�dia-, a refer�ncia suficiente para viver. Como o sr. observava a prop�sito do tempo, hoje interagimos por conven��o, n�o por refer�ncia comum � tradi��o. Por consequ�ncia, procuramos "pontos fixos tanto mais dramaticamente quanto eles s�o incertos, bem mais arbitr�rios, de certa forma, do que um ditado tradicional.*
Eco - Minha atitude frente � tradi��o � a seguinte: estudei muito Arist�teles e a Idade M�dia e fui sempre fascinado pela hist�ria da filosofia. Nunca fui contra a tradi��o. Sou contra o tradicionalismo, que � algo diferente. Posso estudar e respeitar a religi�o mu�ulmana, sem ser um fundamentalista mu�ulmano. O tradicionalismo � um fundamentalismo da tradi��o, onde a tradi��o deve ser aceita como um todo, sem fazer distin��es, sem discutir.
E h� uma maneira de propriamente respeitar a tradi��o, embora fazendo distin��es. Por exemplo, minha tese de doutorado, meu primeiro livro sobre a est�tica de Tom�s de Aquino, era certamente um ato de amor pela maneira medieval de ver a beleza e a arte, mas sem deixar de fazer distin��es.
Por exemplo: n�o acreditem que Aquino disse coisas parecidas com o pensamento contempor�neo, tamb�m n�o pensem que Aquino dizia a mesma coisa que Alberto Magno -eles diziam coisas diferentes. Esta � uma rela��o respeitosa com a tradi��o, sem sug�-la para beber seu sangue. A tradi��o pode ser respeitada sem cair no tradicionalismo, que � um fundamentalismo.
Meus romances t�m algo em comum, � parte o fato de que foram escritos pela mesma pessoa, o que j� � muito. Eles s�o os tr�s "Bildungsroman, romances de forma��o, como em Goethe, em Thomas Mann.
Fui um educador toda a minha vida. Ainda me fascina o processo de educa��o, o jovem que descobre algo na sua rela��o com um mestre. Provavelmente, se escrever um outro romance, ele ser� um outro "Bildungsroman, porque, parece, sou incapaz de pensar narrativamente de uma outra maneira. Se � que h� outra maneira. Pois, talvez cada romance seja de fato um "Bildungsroman, a hist�ria de uma forma��o. Mesmo o "Chapeuzinho Vermelho � um "Bildungsroman: no fim a menina entende mais sobre a vida, os passeios nos bosques, os lobos e as av�s.
O romance pode sublinhar mais tal ou tal aspecto da "Bildung, pode insistir sobre a "Bildung sexual ou outra. Eu, evidentemente, concentro-me sempre na "Bildung intelectual.
Folha - Isto �, acredito, uma resposta indireta � minha pergunta. Pois a pr�pria id�ia da vida como "Bildung, como forma��o, � uma id�ia moderna, bem distinta da id�ia da vida como inicia��o em uma tradi��o. Mas gostaria de falar agora sobre o atentado de Oklahoma, ocorrido no dia 19 de abril. Como o sr. sabe, nestes dias, os Estados Unidos est�o em luto...
Eco - Organizei minha fala de ontem na Columbia University tamb�m pensando nisso. O p�blico deve ter entendido.
Folha - A primeira rea��o da opini�o foi pensar que o inimigo fosse isl�mico, ou seja, o fundamentalista, o tradicionalista como inimigo da democracia. Desta vez o inimigo � interno.
Eco - Mas este inimigo interno � uma forma americana de tradicionalismo, com tudo o que precisa: uma teoria do compl�, etc.
*Folha - � bem poss�vel, mas � um tradicionalismo paradoxal, ou, pelo menos, que produz um paradoxo. Se as suspeitas se mant�m -e j� s�o, ao que parece, mais que suspeitas- os acusados, simpatizantes das mil�cias, inimigos do governo central, representam de uma certa forma o esp�rito do individualismo ocidental e americano. Na mil�cia do Michigan h� sem d�vida uma s�rie de elementos do que o sr. chamava ontem de "ur-fascismo.
Mas, ao mesmo tempo, a mil�cia levanta e torna agudo um debate que, n�o s� nos EUA, espreita as democracias contempor�neas: mais ou menos governo? � a contradi��o da democracia desde Rousseau at� hoje: feita para responder aos anseios do indiv�duo, por ser governo, ela limita necessariamente a liberdade individual. N�o � por acaso, ali�s, que a contradi��o toma sua forma violenta logo aqui nos EUA, na ponta do individualismo da cultura ocidental contempor�nea.*
Eco - Pensava justamente em Rousseau quando ele dizia que, se a "p�lis n�o � pequena, n�o pode haver uma democracia por assembl�ia popular. Se a "p�lis � pequena, os cidad�os v�o para a pra�a e todos sabem do que est�o falando. Quando o corpo social � maior, n�o h� possibilidade de verificar diretamente a opini�o dos cidad�os, � preciso recorrer a um sistema representativo.
Isso, por si s�, n�o seria um problema de t�o dif�cil solu��o. Mais grave � a dificuldade, para os cidad�os, de chegar a uma vontade e, sobretudo, a uma id�ia comum do bem. Pense no nascimento dos grandes Estados nacionais europeus. Foram e s� podiam ser, no come�o, Estados absolutos. Os cidad�os do Languedoc mal podiam saber qual era o bem para a �le de France, ainda menos imaginar um bem comum a eles e � �le de France. Nesta �poca, ali�s, nem compartilhavam uma l�ngua comum.
Ent�o, a primeira solu��o foi o absolutismo. Logo, as democracias parlamentares, por um lado, tentaram testar a opini�o dos cidad�os pelas elei��es representativas. Por outro lado, tentaram fazer com que os cidad�os fossem mais e melhor informados sobre o bem comum: inventaram jornais e gazetas. Mas � um equil�brio dif�cil.
Voc� tem aqui, nos EUA, por exemplo, um estado multirracial, multicultural, e uma enorme quantidade de informa��o, mas, por isso mesmo, dif�cil de ser filtrada, selecionada. Sempre digo que n�o h� diferen�a substancial entre o "The New York Times de domingo e o "Pravda.
O antigo "Pravda n�o carregava nenhuma informa��o. O "The New York Times de domingo carrega todo tipo de informa��o, mas � de tal tamanho que uma semana n�o � suficiente para l�-lo inteiramente. Entre nenhuma informa��o e informa��o demais, o risco � ficar n�o informado. Ou de selecionar as informa��es ao acaso -o que d� no mesmo.
O problema da democracia, ent�o, � que os cidad�os n�o conseguem mais compartilhar uma no��o do bem comum. Qual � o poss�vel bem comum entre o dono de loja paquistan�s aqui na esquina e os pequenos burgueses do Michigan? Os pequenos burgueses do Michigan n�o s�o absolutamente antigovernamentais, eles s�o contra o governo cada vez que uma decis�o dele contrasta com seus interesses particulares e eles n�o conseguem compreender como esta decis�o poderia servir a algum bem comum. � dif�cil o percurso racional para entender que um hospital para porto-riquenhos pode ser uma vantagem tamb�m para eles.
Assim, vivemos em um per�odo no qual a pr�pria no��o de democracia talvez arrisque ser profundamente transformada. E n�o sabemos de que jeito. Talvez nossa concep��o de democracia fosse poss�vel desde o s�culo 17 at� ontem, e hoje esteja em crise.
*Folha - Estar�amos, ent�o, na necessidade de dar consist�ncia a uma opini�o p�blica, em dois sentidos: permitir que ela se manifeste como fonte de autoridade -medida quantitativamente - e permitir que se constitua, por ela, um bem comum necess�rio.
H� uma certa contradi��o entre estas duas tarefas, a n�o ser que a gente acredite nos poderes ilimitados do di�logo. No m�nimo, pode-se constatar que o pretenso debate entre quantidades diferentes na opini�o p�blica est� sempre exposto ao que o sr. chamava ontem de "populismo qualitativo.*
Eco - � a ret�rica ou t�cnica do "exemplum. Toma-se um caso singular e se sugere que representa a generalidade. Usa-se o exemplo como indicador e, imediatamente, ele se torna representativo da opini�o geral. � um erro do melhor jornalismo.
N�s nos queixamos, na It�lia, do fato de que nossos jornais encorajam exageradamente a dar a opini�o do jornalista mais do que a opini�o das pessoas. Ao contr�rio, o artigo ``standard" em um jornal americano prefere apresentar opini�es divergentes: "Sobre esta quest�o n�o concordo, nos confiou Fulano; mas "Oh, n�o, eu concordo, disse Sicrano. A impress�o assim produzida � de oferecer ao leitor uma vis�o balanceada de duas diferentes opini�es.
Isto � correto, mas frequentemente n�o � verdadeiro, pois imagine que Fulano represente 80% dos cidad�os e Sicrano 20%. O fato de propor as duas opini�es como duas cita��es objetivas n�o d� nenhuma imagem da situa��o real. Uma vez mais � a t�cnica do "exemplum".
Apesar deste inconveniente, aceitamos mais ou menos esta t�cnica nos jornais, pois sabemos -� uma esp�cie de conven��o- que os jornalistas nos d�o um espectro aproximativo das posi��es existentes. Sabemos tamb�m que o jornalista n�o fez nem pretendeu fazer uma verdadeira sondagem, nos contentamos com ele mostrar pelo menos algumas opini�es sobre o tema. Na televis�o a for�a do exemplo � muito maior. Quando voc� v� algu�m dizer de cara: "� assim, fica dif�cil n�o pegar isso como express�o de verdade e opini�o p�blicas.
Folha - A imagem tem um poder diferente...
Eco - Talvez tenhamos elaborado com o tempo uma atitude mais cr�tica em rela��o � coisa escrita. Ou, ent�o, as pessoas que l�em a imprensa s�o uma minoria cultural, mais cr�tica do que as pessoas que v�em televis�o. Mas h�, em ambos os casos, uma passagem cont�nua entre tipos e casos (exemplos): a televis�o nos apresenta continuamente casos como se fossem tipos. Nos mostra um cavalo como se fosse "o cavalo.
Folha - O problema � que "o cavalo" n�o existe.
Eco - Existe, em um certo sentido, na cabe�a de cada um, sem ser uma id�ia plat�nica; por exemplo, Karl Popper diria que existe no que ele chama de terceiro mundo (epistemol�gico). � por isso que sabemos reconhecer dois cavalos como sendo cavalos, embora de cores e ra�as diferentes.
Folha - Sim, certo, mas n�o d� para apresent�-lo.
Eco - Certo, n�o se pode apresent�-lo. Mas, com o "exemplum, � esta a impress�o que � dada. A etimologia de id�ia, ali�s, � algo que est� sendo visto. � a id�ia da mitologia grega: te mostro a imagem de deus. O fato de que fosse meu amiguinho, com quem trepo todos os dias, n�o importa; no momento, eu, Policleto, esculpo a id�ia.
Folha - Mas como poderia ser diferente? A opini�o p�blica � uma suposi��o que necessariamente todos invocam e nada e ningu�m encarna. Ela � tamb�m um campo de conflito, de debate, onde cada um, para prevalecer, se atribuir� inevitavelmente a qualidade de representante da opini�o geral.
Eco - A �nica solu��o � tomar a opini�o quantitativamente. Uma maioria de piemonteses decidiram votar no Polo (coalis�o de for�as pol�ticas que elegeu Silvio Berlusconi, na It�lia). N�o � o ideal, mas, pelo menos quantitativamente, voc� pode cont�-los.
Quem invoca a maioria diz: esta � a vontade geral. Contanto, sabemos que se trata s� de 50% dos piemonteses mais um. Ora, nenhuma quantidade tem o poder de uma qualidade comum, de uma vontade comum. O recurso � qualidade � sempre perigoso. A quantidade � sem ret�rica, � uma matem�tica.
A matem�tica da quantidade diz que a maioria dos italianos quis, h� um ano atr�s, que Berlusconi fosse eleito. Respeitar o direito da maioria n�o significa pensar que a maioria escolheu direito. Eu acho que escolheu mal. Parece que, nos EUA, a maioria � favor�vel � pena de morte, embora saibamos que eles est�o errados. De qualquer forma, com o sistema democr�tico (que, como dizia Churchill, � muito imperfeito, mas n�o temos nada melhor), reconhecemos o direito de uma maioria com a qual n�o concordamos, sem nos iludirmos que estejamos assim obedecendo a uma m�tica ``vontade geral".
Al�m disso, � sempre poss�vel pegar a calculadora e refazer a conta. Dobrar-se � vontade de uma maioria quantitativa � aparentemente o �nico jeito de encontrar um acordo, sem que seja preciso impor ou fingir uma vontade de todos.
Folha - Mas, ao mesmo tempo, esta possibilidade de apresentar um exemplo com for�a qualitativa � tamb�m o caminho pelo qual a opini�o p�blica pode vir a mudar. Pois a opini�o � um teatro, onde cada um pode eventualmente se bater, tentar fazer prevalecer suas id�ias. Se se vai � televis�o, ou mesmo � imprensa, e declara o que o sr. acaba de declarar, isto tamb�m � um "exemplum.
Eco - Ok, certo, podemos dizer que, de fato, n�o h� nada de novo. Mesmo nas democracias antigas havia a ret�rica, que era a arte de convencer, de produzir opini�o p�blica. A democracia � a ditadura da maioria e o uso da ret�rica para transformar a opini�o p�blica.
Hoje, nossa ret�rica � diferente. A ret�rica da televis�o � provavelmente mais perniciosa que a ret�rica falada, a causa da facilidade, como disse, de transforma��o de casos em tipos, e tamb�m pela quantidade de pessoas que podem ser convencidas. Por isso mesmo, por esta novidade ret�rica que altera o debate na opini�o p�blica, pode estar acontecendo que o sistema democr�tico inteiro entre em colapso. Por outro lado, quando, por exemplo, vota menos da metade da popula��o, e para candidatos que foram previamente escolhidos por grupos de poder, que democracia � esta? � uma fic��o, j� do ponto de vista quantitativo.
Folha - Sim, mas o que salva a democracia neste caso � que, no final das contas, de qualquer forma, o candidato eleito n�o pode fazer tudo o que quer. Justamente, n�o s� os grupos de poder, mas a pr�pria opini�o p�blica, por incertas que sejam suas manifesta��es, ainda controla o exerc�cio do poder.
Eco - Sim, a fonte da autoridade n�o � mais t�o democr�tica, mas o "output" � democr�tico.
Folha - Voltando e confirmando o que o sr. dizia antes, mesmo em uma sociedade individualista n�o poderia haver democracia sem alguma forma de comunidade, alguma no��o do bem.
Eco -Em uma grande democracia, como os EUA, a R�ssia hoje, ou mesmo a Europa amanh�, torna-se dif�cil encontrar um bem comum. H� uma confedera��o de bens comuns. Alguns s�o reconhecidos por todos, mas n�o est� dito que sejam bens comuns. O tamanho e a complexidade do sistema nos torna incapazes de avaliar o bem comum.
A preserva��o da Amaz�nia parece poder ser um bem comum, mas para alguns -aqueles, ali�s, que est�o justamente mais perto da floresta- � dif�cil entender a necessidade de preservar o ambiente. Dir�o que h� �rvores suficientes para continuar cortando ainda durante 10 mil anos, ou ent�o dir�o que n�o se importam, que querem seu bem agora. N�o se importam com as pessoas do pr�ximo mil�nio. � dif�cil elaborar a id�ia de um bem comum.
Folha - E, ao mesmo tempo, a ret�rica das m�dias criaria, a seu ver, falsas converg�ncias. Pessoalmente, n�o sou t�o pessimista quanto aos efeitos desta ret�rica. Me preocupa mais o recurso � tradi��o como poss�vel terreno at�vico comunit�rio.
Eco - Este � um dos recursos fascistas. Outro � a teoria do compl�. Encontra-se um bem comum facilmente, por exemplo, quando se isola um inimigo comum.
Folha - Recentemente, o sr. disse ao jornalista franc�s Roger Pol Droit -e eu me manifestei por escrito contra esta id�ia-, que o corpo podia servir de fundamento de valores universais. N�o � um pouco triste e de qualquer forma problem�tico que deleguemos � fisiologia a tarefa de fundar nossos valores?
Eco - Mas o corpo concerne tamb�m � alma das pessoas.
Folha - A liberdade de palavra n�o � a mesma coisa que a possibilidade fisiol�gica de fona��o.
Eco - Tomo o corpo como ponto de refer�ncia.
Folha - Sim, mas os valores de nossa cultura n�o s�o derivados da fisiologia, n�o derivam do corpo enquanto tal.
Eco - Se n�o tenho a l�ngua, n�o posso falar. Ent�o, n�o devem me cortar a l�ngua.
Folha - Est� bem.
Eco - Do mesmo jeito, n�o devem me cortar a m�o etc. Uma vez que me deixaram tudo isso, devem me deixar us�-lo, na medida em que se chegue a um acordo. Porque n�o devem me impedir de cagar, mas se eu venho cagar em sua casa, n�o est� certo. Ent�o, fazemos um acordo, eu n�o cago em sua casa, voc� n�o caga em minha casa e nenhum de n�s caga no meio da rua. Tamb�m sobre o uso da l�ngua. Eu n�o devo ir contando por a� que sua irm� � uma puta e reciprocamente.
Folha - E tamb�m n�o podemos dizer os dois, de uma mulher que passa pela rua, que � uma puta.
Eco - Um acordo procurando garantir aos dois e a todos o m�ximo uso poss�vel da l�ngua.
Folha - Isto � o legado b�sico da filosofia contratualista ocidental moderna. Minha cr�tica n�o � com estes valores. S� n�o acredito que sejamos capazes de deriv�-los e justific�-los por algo real, como o corpo. O direito n�o � natural, e n�o � mais divino. Portanto, � necessariamente contratual; e n�o se tem como deduzir da fisiologia do corpo uma universalidade do direito.
Eco - Eu sempre fui contra a id�ia dos universais sem�nticos. Embora, ultimamente, comece a acreditar que existam universais sem�nticos, com refer�ncia ao corpo no espa�o.
Folha - O sr. nunca foi chomskiano.
Eco - N�o. Mas n�o sei se h� um desacordo. Minha posi��o �: come�amos pelo corpo. Posso demonstrar que, come�ando pelo corpo, chegaremos �s mais altas express�es da espiritualidade, como a liberdade de palavra. A refer�ncia ao corpo � importante porque nenhuma ditadura pode paralisar nossa possibilidade de pensar, mas eles podem impedir nossa possibilidade de expressar este pensamento com a l�ngua. O controle f�sico afeta os valores espirituais.
*Folha - Sem d�vida, o controle sobre o corpo afeta os valores morais. Mas minha quest�o � outra. A procura de um ponto fixo �tico � certamente um dos problemas centrais da modernidade. Digo da modernidade porque, antes disso, a tradi��o se encarregava de resolver esta quest�o. Para o homem pr�-moderno, o fundamento �tico � geralmente divino. N�s, modernos, n�o sabemos mais de onde v�m os valores.
Uma das tenta��es de nosso s�culo � procurar fund�-los no mundo f�sico e, por exemplo -� a resposta que voc� sugere-, no corpo como universal. Meu sentimento � que n�o h� como passar da fisiologia � �tica. A fisiologia -assim como a biologia, por exemplo- certamente introduz um n�mero de quest�es �ticas, mas n�o por isso � poss�vel deduzir princ�pios �ticos a partir do corpo.*
Eco - Nenhuma ditadura pode controlar meu cora��o. A tradi��o judaico-crist� tentou controlar isso tamb�m, com o nono mandamento -que � bem diferente do sexto ("n�o cometer atos impuros) e diz: "N�o desejar a mulher do outro.
H� a piada do homem que vai se confessar e conta ao padre: "Devo lhe dizer que ainda fa�o amor com minha mulher, agora ela passou dos 60 e eu tamb�m n�o sou mais um garoto... Sabe como �, nos momentos decisivos, sonho sempre com Marilyn Monroe. E o padre lhe responde: "Viu como ajuda?
O sonho interno, a fantasia, s�o permitidos porque n�o podem ser coibidos. Ao contr�rio, se amo Maria, deve ser um direito universal poder casar com ela; isso � universal e depende do corpo. Naturalmente, meu direito pode ser controlado por uma esp�cie de contrato, por exemplo, de fidelidade m�tua entre Maria e eu.
Mas n�o pode ser controlado o fato que, durante a noite com Maria, eu comece a sonhar com Jane. Assim, n�o tem sentido dizer que tenho o direito universal de sonhar com Jane, o que importa � que meu corpo seja livre para casar com Maria, se ela consente e quer. O que tamb�m n�o pode ser feito � pegar sua mulher e vend�-la no mercado de escravos de Damasco.
Folha - Resta que poderia haver culturas onde � autorizado vender Maria no mercado de Damasco ou em outro. N�o por isso eu concordaria, s� quero dizer que os direitos em quest�o n�o s�o "deduzidos do corpo. Eles s�o, isso sim, direitos de liberdade f�sica, do corpo, mas necessariamente inspirados culturalmente, s�o os direitos de nossa cultura. Eles n�o s�o biologicamente deduzidos.
Eco - Esta hist�ria, de qualquer forma, � um mal menor, como a democracia. N�o pretendo que todos os valores possam ser deduzidos do corpo. H� muitos outros que n�o podem, mas, para chegar a um acordo entre eu e um esquim� ou um argelino, provavelmente, se come�armos por nosso direito de usar o corpo, encontraremos alguns valores universais. "N�o cometer estupro", porque seria usar o corpo do outro sem sua permiss�o. "N�o mentir j� n�o � universal; por exemplo, para escrever um romance, voc� deve mentir, � encorajado a mentir. Ent�o, a sinceridade n�o � um valor universal. Voc� pode ser tamb�m encorajado a mentir a um paciente terminal de c�ncer. N�o cometer atos impuros, uma vez que voc� definiu os atos impuros, pode ser um valor universal. N�o desejar a mulher dos outros n�o � um valor universal.
Folha - Como diz�amos, isso � algo que o sujeito mesmo n�o pode controlar.
Eco - Al�m do mais, ele pode ser elogiado por desejar a mulher do outro. Se voc� for um poeta, Petrarca por exemplo, ser� elogiado porque desejou a mulher do outro. Ah, que bonito, congratula��es -� condi��o que n�o tenha cometido atos impuros com ela.
Folha - H� muito tempo atr�s, em 1974, n�s nos encontramos em um congresso de semi�tica, em Mil�o.
Eco - Tinha seu nome na cabe�a, mas n�o a sua cara. Mas as nossas duas caras mudaram sem d�vida bastante.
*Folha - Nesta �poca, e ainda mais nos anos seguintes, quando o sr. publicou o "Tratado Geral de Semi�tica, para a parte do grupo franc�s do qual eu me aproximava (frequentava Roland Barthes e o grupo Tel Quel), o seu nome era associado a uma semi�tica ``linha dura", que na verdade n�o gost�vamos.
A semi�tica constitu�da no fim dos anos 70, reconhecida como disciplina, que acabou entrando nas melhores universidades, o que � ela hoje para o sr.? Pergunto isso, considerando que se fala bastante do fim do estruturalismo, da volta da hermen�utica, da narrativa, de um retorno � problem�tica do sujeito.*
Eco -... a desconstru��o, a nova pragm�tica...
Folha - H� um clima de fim de ciclo: o estruturalismo foi uma bela aventura, mas n�o resolveu as m�ltiplas quest�es da subjetividade. No meio de tudo isso, Umberto Eco passa a escrever romances. N�o deve ser por acaso. O que �, o que sobra da semi�tica como disciplina hoje?
Eco - Primeiro, na �poca pens�vamos que a semi�tica pudesse ser ou vir a ser uma ci�ncia.
Folha - Engra�ado, na �poca pensava-se a mesma coisa da psican�lise.
Eco - Minha opini�o, hoje, � que a semi�tica n�o � uma ci�ncia. � um departamento, o nome de um departamento. Como a medicina. A medicina n�o � uma ci�ncia, � um departamento onde h� biologistas, geneticistas, cirurgi�es etc.
Trata-se de aceitar esta variedade de enfoques e de mant�-los juntos, porque todos pertencem, todos participam da mesma "virada lingu�stica, mas sem por isso acreditar que constituam uma mesma ci�ncia.
Em segundo lugar, h� um "trompe l'oeil. N�o � suficiente que um franc�s diga que a semi�tica est� morta para que a semi�tica esteja morta. E acontece frequentemente que as bolsas de cultura s�o estabelecidas pela declara��o inspirada de um "scholar franc�s.
Folha - Pensa em algu�m em particular?
Eco - N�o, no caso sou genericamente racista. Estou brincando, mas � uma posi��o justificada em rela��o a este pa�s que, por outro lado, adoro. Tome o exemplo da l�gica medieval. Segundo todos os manuais que estudamos na escola, no fim do s�culo 14 a l�gica medieval est� acabada, chega o neoplatonismo da Renascen�a e o panorama mudou. Ora, nos s�culos 15 e 16 as escolas de l�gica continuaram. E nossos l�gicos, hoje, ainda seguem esta tradi��o que nunca morreu.
Cada vez que, nesta confedera��o de interesses que chamo a escola semi�tica, algu�m encontra algo novo, parece que acaba pensando que os outros caminhos est�o, por isso mesmo, abolidos. Se tivesse que reescrever hoje o "Tratado, colocaria em dia a primeira parte, retomaria a segunda tal qual e -mudan�a principal- acrescentaria uma terceira.
Elaborei, desde ent�o, uma id�ia da estrutura narrativa da representa��o sem�ntica, pela qual cada tipo de saber � organizado narrativamente. Gostaria tamb�m de explicar por que, sobre certos problemas, decidi falar narrativamente e n�o filosoficamente.
Folha - Neste caso, imagino que o sr. pense agora, que "a l�ngua -no sentido de Saussure-, � uma fic��o, e s� existe a palavra... Certamente, junto com a f� no conceito de "l�ngua, vai-se embora tamb�m a id�ia da semiologia como ci�ncia.
Eco - At� o �tomo � uma fic��o, � uma inven��o de Niehls Bohr. N�o estamos certos que o �tomo exista. Quem sabe, descobrindo novas l�nguas polin�sias, descobriremos n�o sei o qu�, que tal outra no��o crucial deveria ser corrigida. Agora, o conceito de "l�ngua, todavia, � um bom instrumento para entender as fun��es b�sicas de uma l�ngua. Se voc� tem que analisar a estrutura interna de uma l�ngua, Hjelmslev � ainda um bom instrumento.
Folha - Mas � um instrumento...
Eco - Se algo � universal � a necessidade de narrar, uma necessidade biol�gica. Psic�logos e historiadores j� est�o mostrando que a narratividade talvez seja a maneira como o pr�prio mundo mental se constitui.
Folha - Qual � a extens�o deste departamento, a semi�tica?
Eco - N�o gostaria de estabelecer suas fronteiras. Considero a semi�tica um espa�o aberto. O avan�o das ci�ncias cognitivas ampliou tamb�m o espa�o da semi�tica. O erro de muitos consiste em identificar o espa�o semi�tico com uma semi�tica particular. Por exemplo, Sperber e Wilson, em seu bel�ssimo livro sobre infer�ncia, acusam a semi�tica de n�o ter suficientemente levado em conta os processos de infer�ncia. Eles est�o pensando s� em uma certa semi�tica estrutural francesa; mas a semi�tica de Peirce (sobre a qual est� fundada a minha) � toda baseada no conceito de infer�ncia.
Folha - Por aberto que seja este espa�o, existe no m�nimo uma certa tens�o entre, por exemplo, de um lado a semi�tica de Greimas e do outro o desconstrucionismo....
Eco - Eis o caso de dois excessos. A semi�tica greimasiana (talvez mais aquela dos greimasianos do que aquela de Greimas) � muito sistem�tica, deixa pouco espa�o a outras possibilidades. Na Fran�a, aconteceu assim o caso curioso de pessoas como Tzvetan Todorov, que a um dado momento � como se tivesse abandonado a semi�tica (ou n�o � mais considerado um semi�tico), quando de fato as coisas bel�ssimas que ele escreve dependem muito de sua forma��o semi�tica.
O outro excesso � desconstrucionista. Aqui tamb�m a responsabilidade est� mais com os derridianos americanos do que com o pr�prio Jacques Derrida (sempre digo brincando que a "deconstruction" � um produto americano sob licen�a francesa). O desconstrucionismo convenceu os americanos que a �nica arte semi�tica consiste em fazer dizer aos textos o que sugerem nossos desejos. Perdeu-se o respeito ao texto, ao seu fundo cultural, � sua estrutura. O desconstrucionismo produziu muitos outros excessos, entre os quais os do multiculturalismo.
Folha - N�o � atribuir muito ao desconstrucionismo?
Eco - Quando se diz que � preciso fazer uma leitura feminista ou africana de Homero e que � ruim um africano entender o mundo de Homero (quero dizer, os c�digos culturais da Gr�cia daqueles tempos), isto n�o � um bom neg�cio para o estudante afro-americano.
Ao contr�rio, ele � privado, assim, de uma parte da consci�ncia cr�tica. N�s, ocidentais, estar�amos errados se l�ssemos o Alcor�o sem tentar entender o c�digo isl�mico. Esta atitude n�o garante forma de liberdade alguma ao jovem africano: ao contr�rio, � uma maneira de n�o ajud�-lo a compreender o esp�rito desta civiliza��o ocidental com a qual ele tem justamente que lidar.
Folha - A psican�lise provavelmente ambicionaria ser uma disciplina ou um departamento em si. Mas, se n�o fosse, me parece que encontraria lugar num departamento ideal de semi�tica. No Brasil, h� grupos bastante significativos de psicanalistas -digamos p�s-lacanianos- reformulando a experi�ncia e a teoria psicanal�tica pela pragm�tica e a teoria da narratividade.
Eco - Isto � muito interessante. O di�logo com a psican�lise de fato aconteceu pouco. Embora eu tivesse uma rela��o bem amig�vel com Jacques Lacan. Em 1972 ou 1971, fui escutar em Mil�o uma palestra de Lacan. Ao fim, coloquei uma pergunta. E algu�m lhe murmurou no ouvido: ``� Umberto Eco". Parece que ele queria me encontrar porque sabia que, em "A Estrutura Ausente, meu �ltimo livro na �poca, eu o criticara.
Lacan, no fim da reuni�o, veio at� mim, me apostrofando: "Meu caro Eco, quero ver voc�. Ele insistiu para que almo��ssemos juntos no dia seguinte. Quando ele voltou a Mil�o, ofereci um ``party" para ele. Foram encontros deliciosos, mas sem nenhuma troca propriamente cient�fica.
No congresso de Mil�o de 1974, Lacan, que ningu�m tinha pensado em convidar, veio por sua conta, e para n�s foi uma coisa importante, uma forma de reconhecimento em um momento delicado para nossa disciplina.
Folha - N�o � de estranhar. Imagino que o interesse de Lacan nem fosse tanto discutir as cr�ticas que o sr. lhe dirigia. De fato, ele sempre foi circundado por tantas pessoas que o amavam com a cega e estafante fidelidade de cachorros, que devia ser um verdadeiro descanso falar com algu�m que n�o estivesse na mesma.
Eco - Certamente, por isso s� podia estar interessado em uma cr�tica.
Folha - Tornou-se uma tradi��o lhe perguntar algo sobre as m�dias modernas e a inform�tica, desde a paix�o pelo computador que apareceu em "O P�ndulo de Foucault. Sobre este tema, ali�s, sua distin��o entre apocal�pticos e integrados parece valer ainda. Para evitar as quest�es cl�ssicas e um pouco ins�pidas, s� uma pergunta: o sr. acha que todo o barulho contempor�neo sobre novas m�dias � mais do que uma recente vers�o da eterna quest�o sobre as "amea�adoras e "alienantes transforma��es produzidas pela t�cnica?
Eco - Ningu�m pode escrever hoje uma teoria das m�dias, porque � como fazer uma teoria da semana que vem. N�o d� para escrever uma teoria do futuro, mesmo que voc� seja futurologista...
Folha -... d� para vend�-la...
Eco - Mas n�o d� para faz�-la. Uma teoria da Internet feita hoje, ser� ultrapassada daqui a tr�s meses. S� d� para elaborar, considerar criticamente, mas n�o se pode fazer profecias.
Em Bolonha, no curso de ci�ncia da comunica��o, profiro cada ano uma palestra inicial e, nesta ocasi�o, digo aos estudantes: n�o podemos lhes ensinar propriamente nenhuma t�cnica ou disciplina, pois no fim do curso cada t�cnica estar� ultrapassada. Podemos lhes ensinar s� o tipo de atitude kantianamente transcendental para entender, no fim de seus cinco anos, o que ent�o acontecer�.
N�o se pode fazer profecias. Por exemplo, � preciso achar novas t�cnicas para selecionar a informa��o. N�o h� como dizer: amanh�, a informa��o ser� assim e assado, porque n�o sei qual ser� a resposta -quero dizer, quais ser�o os atos- das pessoas que vou justamente encorajando a elaborar t�cnicas para selecionar a informa��o. Em rela��o ao futuro, posso identificar uma tend�ncia, mas, sobretudo, trata-se de estabelecer uma pr�tica.
Posso e devo intervir e, se minha pr�tica tiver sucesso, ela produzir� ou contribuir� para produzir uma nova gera��o que poder� fazer escolhas, talvez contr�rias � tend�ncia que podemos constatar e eventualmente recear.
Folha - No pr�ximo s�culo, o sr. n�o acha que poder� ser escrito um romance no estilo de Umberto Eco, uma esp�cie de "Bildung policial, onde o protagonista procurar� seu caminho no labirinto de todas as teorias semi�ticas deste s�culo, de Saussure a Lacan, via Quine e Ogden-Richards, assim como o sr. usou o ocultismo rosa-cruz ou as teorias seiscentistas do tempo e espa�o?
Eco - � uma boa id�ia, vou pensar nisto.
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