A artista e aristocrata surreal Leonora Carrington em cartaz em SP
O s�culo 20 gerou musas secretas que permanecem desconhecidas. Nesta lista escassa pontuam figuras como Mina Loy ou Laura Riding. Suas obras atestam a pot�ncia extraordin�ria que causaram e um percurso biogr�fico repleto de fasc�nio. A pintora, escultora e escritora anglo-mexicana Leonora Carrington (1917-2011) � um exemplo cabal deste fato.
O pintor surrealista Max Ernst a chamava de "noiva do vento". Para o cineasta espanhol Lu�s Bu�uel, era "aquela que nos liberta da mis�ria da realidade dos nossos dias". Na apresenta��o da edi��o espanhola da prosa de Leonora ("Memorias de Abajo", Siruela, 1995), o ensa�sta Fernando Savater recordou um fato ocorrido no M�xico, na d�cada de 1970. Convidado pelo poeta e diplomata Octavio Paz, Pr�mio Nobel de 1990, para um jantar, estariam presentes tamb�m L�vi-Strauss e Leonora Carrington. No entanto, Paz avisa-os depois que a convidada n�o viria. L�vi-Straus exclama ent�o: "Ainda bem... conheci-a trinta anos atr�s. Era t�o bela e fiquei t�o apaixonado que n�o sei como suportaria v�-la novamente". A confiss�o mostra o deslumbre que esta aristocrata surrealista despertava, criando um s�quito em que se inclu�am o romancista Carlos Fuentes e Alejandro Jodorowski.
Adriana Zehbrauskas - 14.nov.06/Arquivo Pessoal | ||
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A artista Leonora Carrington em sua casa, na Cidade do M�xico, em 2006 |
Temos agora a oportunidade de ver uma modesta mostra da sua obra na exposi��o em cartaz no Instituto Tomie Ohtake at� 10/1, "Frida Kahlo e as Mulheres Surrealistas Mexicanas", e � imperd�vel.
Leonora Carrington nasceu em 1917, em Lancashire, noroeste da Inglaterra. O seu pai era um empres�rio ingl�s da ind�stria t�xtil e a m�e, uma irlandesa que povoou a imagina��o da filha com hist�rias da tradi��o celta. Desde a inf�ncia foi um problema para a fam�lia, saltando de col�gios cat�licos por causa da sua rebeldia. Estudou em Floren�a, Paris e Inglaterra, at� que decidiu estudar pintura com Am�d�e Ozenfant, que reconheceu o talento da jovem insurrecta inglesa.
Ao 17 anos, ao folhear um livro do cr�tico Herbert Read, se deparou com uma reprodu��o do pintor surrealista Max Ernst, "Deux Enfants Menac�s par un Rossignol" (duas crian�as amea�adas por um rouxinol). Era o in�cio de uma rela��o que marcaria sua vida. Resolve abandonar o conforto aristocr�tico familiar e se aventura em Paris para conhecer o pintor.
A paix�o foi fulminante. Apesar de Ernst ser casado e ter o dobro da sua idade, isso n�o a intimidou, assumiram o m�nage � trois e passaram a viver juntos, dividindo a cama e as perip�cias surrealistas com Paul �luard, Marcel Duchamp e Andr� Breton, se tornando uma das musas do grupo franc�s.
Quando da eclos�o da Segunda Guerra, Enst e Leonora viviam num povoado pr�ximo a Aix-en-Provence. O pintor era persona non grata do governo de Vichy, e foi preso pelos nazistas, em 1939. Ela entrou em crise, e foi internada num hospital psiqui�trico, em Santander, Espanha. Em 1987, rememorou o fato: "Chorei muito, depois voltei para casa onde fiquei o dia inteiro provocando v�mitos em mim mesma, s� interrompidos para descansar. Eu esperava aliviar o meu sofrimento com os espasmos que sacudiam o meu est�mago como um terremoto. Tinha visto a injusti�a da sociedade, queria primeiro me limpar, e depois ir al�m da in�rcia total. Meu est�mago era o local onde a sociedade estava, mas tamb�m o ponto que me unia aos elementos da terra".
Da� seguiu para Lisboa, de onde sua fam�lia ia envi�-la para outro hospital na �frica do Sul. Leonora foge e se refugia na embaixada mexicana onde procura um diplomata que conheceu no est�dio de Picasso, em Paris, Renato Leduc. Para poder viajar para Nova York, se casam e seguem de barco rumo a Am�rica. Antes, Leonora recusou a ajuda de Peggy Guggenheim, que agora vivia com Max Ernst, e queria pagar a viagem. Ela morou um ano em Nova York, e em 1941 se mudou em definitivo para o M�xico, se separou de Leduc e casou com Chiki Weisz, colaborador do fot�grafo Robert Capa, e teve dois filhos. Voltou um per�odo aos EUA, ap�s o terremoto de 1985 que abalou o M�xico, mas n�o se adaptou, e regressou mais uma vez para a terra de ado��o onde criou toda a sua obra, at� o falecimento em 2011.
A sua obra pict�rica, escult�rica e liter�ria se entremeia numa espiral fiel a seus princ�pios. Na pintura, Leonora forjou uma mitologia pessoal ca�tica, ambi�ncias fant�sticas marcadas pelo on�rico, pontuada de jogos bizarros e densidades cabal�sticas. Seus quadros est�o espalhados por museus como o Metropolitan de Nova York ou a inglesa Tate.
A escultura foi motivada por um amigo galerista. Transladando dos seus quadros figuras antropom�rficas volumosas, animais e cavalos alados, modelados em cera, e que podem ser vislumbrados em locais como a avenida Reforma do M�xico, na capital. Ali�s, o cavalo se tornou um personagem ic�nico das tr�s frentes expressivas que explorou.
A sua prosa transita num territ�rio dividido entre o relato surrealista e o testemunho memorial�stico. A prosa "The House of the Fear" (a casa do medo, 1938), inclu�da por Breton na c�lebre "Antologia do Humor Negro", foi escrita ap�s a interna��o psiqui�trica e � uma esp�cie de reapropria��o da consci�ncia. Max Ernst escreveu um texto de apresenta��o no estilo t�pico, "O Loplop apresenta a noiva do vento". A edi��o de 120 exemplares foi ilustrada por Ernst. Mas escreveu ainda "A Dama "(1937), que inclu�a colagens de Ernst, e o engra�ad�ssimo "O Trompete Ac�stico" (1976).
Leonora Carrington viveu seus �ltimos anos de vida em reclus�o, passeando entre as �rvores e escadas de sua casa, na Cidade do M�xico, sempre l�cida, e fumando muito, demonstrando uma avers�o end�mica pela fama. Mas chegou a ser condecorada pela rainha da Inglaterra, em 2005, com a Ordem do Imp�rio Brit�nico. Ela foi uma maga celta exilada na voragem surreal do M�xico, testemunha e part�cipe de uma das vanguardas mais exuberantes do s�culo 20.
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