O garimpo ilegal numa das maiores reservas de diamantes do planeta
RESUMO Terras ind�genas entre os Estados de Rond�nia e Mato Grosso possuem o que, estima-se, possa ser a maior jazida de diamantes do mundo. Os ind�genas cintas-largas que ali vivem passaram a colaborar com garimpeiros e atravessadores na explora��o; a �rea agora sofre desmatamento e tem at� pista de pouso.
"A nossa terra � nosso esp�rito. Um �ndio sem sua terra � um �ndio sem alma." Assim uma das lideran�as do povo cinta-larga encerrou seu discurso em um encontro, realizado em maio, para discutir novas pol�ticas ind�genas. Insepar�veis na sua cren�a, a terra e a alma dos cintas-largas padecem juntas: o genoc�dio cultural e a viol�ncia contra membros da etnia s�o resultado da viola��o do ch�o que consideram sagrado. Debaixo das Terras Ind�genas Roosevelt, Serra Morena, Parque Aripuan� e Aripuan�, entre Rond�nia e Mato Grosso, onde habitam, esconde-se aquela que pode ser a maior jazida de diamantes do planeta.
O brilho das pedras come�ou a atrair o garimpo ilegal � regi�o do igarap� Lajes entre 1999 e 2000. O territ�rio ind�gena demarcado (que, em tese, n�o poderia ser objeto de atividade mineradora, exceto garimpo artesanal promovido pelos pr�prios �ndios) � cortado hoje por uma clareira de aproximadamente 10 km de extens�o por at� 2 km de largura –al�m de um ap�ndice, tamb�m de 2 km, na chamada Grota do Sossego.
Garimpeiros e indigenistas estimam �rea ainda maior: seriam mais de 1.000 hectares dedicados � explora��o mineral.
O pico da corrida ao diamante na Roosevelt ocorreu em 2004, quando havia mais de 5.000 garimpeiros na regi�o. Foi interrompido com um conflito, ap�s uma sequ�ncia de amea�as m�tuas entre garimpeiros e ind�genas, que resultou na morte de 29 dos extratores de minerais. Desde ent�o, o garimpo no local j� foi fechado e reaberto diversas vezes.
"O quadro atual � mais grave do que era em abril de 2004. Em mar�o deste ano havia pelo menos 500 garimpeiros, a maioria armada e afrontando os �ndios, dizendo que n�o iria sair da terra ind�gena", afirma Reginaldo Trindade, procurador da Rep�blica incumbido de defender a etnia.
A situa��o se repete: a reportagem esteve dentro do garimpo enquanto as atividades estavam completamente suspensas, em maio, por ordem dos �ndios. Ainda havia equipamentos abandonados e marcas de pneus recentes. Em julho, a �rea foi retomada pelos garimpeiros, que, armados, voltaram a extrair os diamantes.
DIAMANTES
Por ser terra ind�gena, a Reserva Roosevelt n�o pode ser estudada nem lavrada at� a aprova��o de uma lei com regulamenta��o espec�fica. Ou seja, o conhecimento que se tem hoje resume-se a estimativas, e todas elas –segundo especialistas e empresas de minera��o– est�o abaixo do potencial real.
Mesmo conservadoras, as previs�es sobre a reserva s�o superlativas: a Companhia de Pesquisa e Recursos Minerais (CPRM), ligada ao Minist�rio de Minas e Energia, calcula que, apenas no garimpo Lajes, seja poss�vel extrair 1 milh�o de quilates de diamante por ano –uma receita que ultrapassaria US$ 200 milh�es (cerca de R$ 800 milh�es). Mais que isso: semelhantes ao raro kimberlito (tipo de rocha vulc�nica onde se formam os diamantes) do Lajes, de acordo com relat�rio de uma empresa mineradora, existiriam em pelo menos mais 14 �reas. N�o seria exagero dizer que h� anuais US$ 3 bilh�es (cerca de R$ 12 bilh�es) debaixo da terra.
Confirmados esses n�meros, a Roosevelt seria a maior jazida do planeta, com quase 50% de vantagem sobre a segunda, a russa Jubilee, que produz 10,4 milh�es de quilates ao ano. Em 2012, a R�ssia anunciou que a jazida Popigai Astrobleme, cratera de quase 100 km de di�metro resultante do impacto de um asteroide, teria diamantes para abastecer o mercado global por 3.000 anos, mas ainda n�o h� provas dessa capacidade.
Atualmente, o Brasil � inexpressivo no com�rcio internacional de diamantes: em 2013, o pa�s produziu aproximadamente 49,2 mil quilates, o que corresponde a 0,04% do total da produ��o mundial (130,5 milh�es de quilates). Destacam-se hoje Mato Grosso (88% do total) e Minas Gerais (11%), n�o por acaso as principais rotas de lavagem do diamante ilegal.
As pedras oriundas da Roosevelt s�o muito valorizadas por seu formato, tamanho, pureza e cor. "Podem ser usadas principalmente para joias de alto valor, s�o diferentes e facilmente identific�veis", diz o chefe do departamento de recursos minerais do CPRM, Francisco Valdir da Silveira.
Para atingir uma produ��o proporcional ao potencial da Roosevelt, seria necess�ria a explora��o mineral industrial de alta tecnologia, com m�quinas modernas e m�o de obra qualificada. Bem diferente da garimpagem semiartesanal que l� se pratica, com perda de at� 40% das pedras no processo. Sem nenhuma fiscaliza��o, utilizam-se equipamentos improvisados com baixa capacidade produtiva.
As retroescavadeiras abrem fendas de at� 20 metros –ao passo que, nas grandes minas do mundo, as escava��es chegam a at� 600 metros. Ainda assim, estima-se que que a venda anual de pedras extra�das do territ�rio ind�gena chegue a R$ 100 milh�es.
GARIMPO
Do alto, v�-se uma grande clareira na floresta amaz�nica, com a terra avermelhada em contraste com o verde. J� no ch�o, a entrada do garimpo parece uma ilha de um ecossistema seco e sem vida, margeado por um rio de um lado e um lama�al do outro. � preciso tomar cuidado com onde se pisa –a terra rachada pode esconder buracos de areia movedi�a.
Poucos quil�metros � frente, o cora��o da garimpagem: enormes crateras enfileiram-se, entrecortadas por montanhas de terra, num horizonte sem fim. Perto dos buracos erguem-se barrac�es prec�rios de madeira cobertos por lonas. � onde os garimpeiros fazem suas refei��es, preparadas por suas mulheres ou por cozinheiras.
"Tem muita droga e prostitui��o, claro, mas vai muita fam�lia para o garimpo. A fam�lia toda, mulher e filhos, fica meses l�, e todo mundo se respeita", conta um garimpeiro que n�o quer se identificar. Ele reclama de que a vida no garimpo � muito dura.
Chegar at� l� j� � um sofrimento: da aldeia Roosevelt, a maior de toda reserva, percorre-se uma estrada de 35 km transit�veis apenas em trator, ve�culos potentes ou motocicletas. De moto, a viagem passa por �reas alagadas, e o ve�culo precisa ser carregado no bra�o em alguns momentos. N�o raro o desgaste dos freios � tal que eles acabam antes do fim do percurso de aproximadamente quatro horas.
No garimpo, o trabalho � pesado, e o retorno, incerto. "Encontramos uma pedra grande, bonita, de mais de 11 quilates. Entregamos para o atravessador vender e nunca vimos a cor do dinheiro. Disseram que ele vendeu por R$ 180 mil", reclama um garimpeiro que, ap�s o epis�dio, desistiu do trabalho.
O sistema de funcionamento do garimpo � uma esp�cie de engrenagem complexa, que gera uma "guerra fria" entre garimpeiros, �ndios e intermedi�rios: todos tentam passar a perna nos demais.
Para come�ar, um investidor disp�e-se a comprar equipamentos, fazer contatos com compradores estrangeiros e subornar a fiscaliza��o. Ele utiliza um intermedi�rio local para negociar cada etapa desse processo –mediante, � claro, uma comiss�o.
O intermedi�rio contata uma das principais lideran�as cinta-larga (cada uma pode "operar" um trecho do garimpo) e oferece as m�quinas em troca de um percentual da venda das pedras, de 20% a 30%. O garimpeiro entra como trabalhador bra�al, sem renda fixa. � "contratado" pelo l�der ind�gena e deve se reportar a ele caso encontre pedras. Do total do valor do diamante, o grupo de garimpeiros recebe 7%, parcela geralmente dividida igualmente entre todos.
Acontece que o intermedi�rio avalia a pedra entre 30% e 40% abaixo do valor real da venda, dizem �ndios e compradores. Muitas vezes o �ndio recebe sua parte e n�o repassa aos garimpeiros, que, por sua vez, tentam vazar o diamante do garimpo direto para o comprador, driblando �ndios e atravessadores. Pequenas, as pedras cabem no bolso ou podem ser engolidas; o problema � que, se descoberto, o garimpeiro corre o risco de pagar com sua vida.
MASSACRE
Os primeiros contatos dos cintas-largas com o homem branco foram tr�gicos: sofreram um monstruoso genoc�dio, conhecido como Massacre do Paralelo Onze, em 1963, que matou 3.500 ind�genas e precipitou a extin��o do Servi�o de Prote��o ao �ndio (SPI), sucedido pela Funda��o Nacional do �ndio (Funai). O que era uma etnia com cerca de 5.000 indiv�duos hoje tem, segundo o Censo, apenas 1.758 pessoas.
A rela��o com os brancos seguiu est�vel at� o in�cio da garimpagem. Da� em diante iniciou-se um processo sistem�tico de acultura��o. Primeiro, a contragosto, os �ndios permitiram o garimpo com ressalvas, mas a fartura de dinheiro e as perspectivas de consumo corromperam h�bitos e geraram d�vidas muitas vezes impag�veis.
Levantamento realizado pela indigenista Maria In�s Hargreaves indica que, em m�dia, para cada �ndio cinta-larga, h� entre tr�s e quatro processos judiciais, a maior parte de cobran�a de d�vidas. Independentemente das trapalhadas financeiras, parte do endividamento � fruto de golpes: estelionat�rios que abusam do despreparo dos �ndios para faz�-los assinar documentos em branco, aceitar juros abusivos e aprovar cartas de cr�dito sem detalhamento das condi��es de pagamento.
Para saldar os d�bitos, muitas vezes cobrados a arma de fogo, permitem a garimpagem em sua terra e a ela se aliam. "Eles sabem que a situa��o criminosa e marginal em que se encontram conduzir� (j� est� conduzindo, na verdade) toda a comunidade � extin��o. O povo cinta-larga est� � beira do genoc�dio, se n�o f�sico, no m�nimo �tnico e cultural", sentencia o procurador Reginaldo Trindade.
O coordenador regional da Funai em Cacoal, Bruno Lima e Silva, corrobora: "A comunidade, no geral, � contra o garimpo, e s�o apenas poucas lideran�as que lucram com isso e geram divis�es pol�ticas na etnia", afirma.
"Pela vontade da gente, n�o teria mais garimpo faz tempo, mas o governo n�o ajuda", diz uma das mais importantes lideran�as, que pediu para n�o ser identificada. A queixa tem endere�o certo e motiva��o definida: a falta de apoio t�cnico e financeiro da Funai.
Ainda que elogiem a recente a��o regional da funda��o, h� atritos sobre repasse de verbas e um hist�rico de problemas de relacionamento dos cintas-largas com a gest�o do ex-presidente M�rcio Meira (2007-12) –alvo, com mais tr�s dirigentes, de uma a��o civil de improbidade administrativa movida pelo Minist�rio P�blico.
Em 2014, a Funai destinou apenas R$ 104.823,26 � etnia, um valor m�dio de R$ 58 por �ndio.
"A pol�tica indigenista vem sofrendo ataques constantes, que podem ser notados nas PECs e PLs e no enfraquecimento institucional da Funai, seja por limita��o da atua��o do �rg�o, seja pelos recursos irris�rios destinados � funda��o", analisa Bruno Lima e Silva.
Por outro lado, o grupo operacional capitaneado pelo Minist�rio da Justi�a e pela Pol�cia Federal recebia, entre 2006 e 2009, cerca de R$ 7 milh�es por ano para coibir o garimpo. N�o s� n�o coibiu como piorou a rela��o dos �ndios com o Estado. Al�m da quest�o financeira, os ind�genas relatam maus-tratos –e o Minist�rio P�blico j� denunciou abusos por parte da pr�pria Pol�cia Federal.
Rarefeita, mas agressiva, a presen�a do Estado � evitada pelos cintas-largas na reserva, o que abre espa�o para outras formas de poder: lobistas, intermedi�rios, operadores do garimpo e l�deres religiosos entram na terra ind�gena e agem como tutores da comunidade –conseguem rem�dios, vagas em hospitais, prometem riquezas e encaminhamento espiritual. A etnia hoje � quase toda seguidora da Assembleia de Deus.
FLUXO
H� bases da Pol�cia Federal em todas as portarias oficiais das terras ind�genas, mas ainda assim � imposs�vel controlar o fluxo de pessoas e equipamentos at� o garimpo. Abrem-se estradas clandestinas que vazam a reserva por meio de fazendas fronteiri�as. E h� uma pista de pouso dentro da reserva, al�m de diversos pequenos aeroportos em fazendas.
Os diamantes extra�dos da Roosevelt saem, sobretudo, por tr�s caminhos. Um deles � justamente o transporte a�reo. Retiradas da terra, as pedras s�o fotografadas e as fotos enviadas pela internet para os compradores intermedi�rios, geralmente europeus e norte-americanos. Por mensagem, negociam pre�os e local e data da entrega.
O comprador chega � Am�rica do Sul via Equador, Peru, Col�mbia ou Bol�via. Num desses destinos, aluga um monomotor e cruza a fronteira pelo ar, at� aterrissar numa pista ilegal para entregar o dinheiro e pegar o diamante, sem nem pisar em solo brasileiro.
Outra forma de desovar os diamantes � pela fronteira terrestre, rumo � Venezuela e � Guiana. A Venezuela era um dos poucos pa�ses produtores de diamante que n�o emitia o certificado Kimberley (esp�cie de certid�o da pedra que, em tese, comprova sua origem) at� abril deste ano, quando assinou o acordo internacional. Antes, todo seu mercado de diamantes era ilegal, e toda pedra brasileira que l� entrava era incorporada pelo com�rcio local. Para a Guiana, o fluxo de contrabando � menor. A vantagem � que se pode conseguir o selo Kimberley –pedras que entrem num zoneamento legal da certifica��o s�o cadastradas como se tivessem sido extra�das de l�.
O terceiro modo de esquentar os diamantes � interno. A opera��o � semelhante � que se realiza na Guiana, com o registro feito em outros Estados, no caso Mato Grosso, Minas Gerais e Goi�s. Os diamantes s�o levados de forma ilegal at� minas regularizadas e, chegando l�, s�o "oficializados".
Com a chancela Kimberley, podem ser exportados diretamente ou v�o para a cidade de Ju�na (MT), onde s�o vendidos em uma legalizada "bolsa de valores de diamantes", na pra�a principal.
Tudo isso dificilmente se faria sem um guarda-chuva de interesses poderosos. "Sempre acreditamos no envolvimento de pessoas poderosas a movimentar o garimpo", diz Reginaldo. "S�o muitos os relatos a respeito do envolvimento de servidores de diferentes �rg�os, pol�ticos, empres�rios e at� multinacionais na explora��o; s� isso pode justificar que uma situa��o t�o grave seja tratada de forma t�o amadora", conclui.
O dinheiro que entra nas contas das lideran�as ind�genas, claro, tamb�m n�o � legal. � usado geralmente para melhorias na comunidade, com alguns privil�gios para os l�deres: compram-se, por exemplo, caminhonetes para o transporte de todos, mas a prioridade de uso � dos caciques; ou instalam-se antena parab�lica e internet wi-fi, mas antes na casa do cacique. Por outro lado, se a lideran�a n�o atender a um m�nimo de expectativas em sua aldeia, ser� contestada internamente.
Hoje, os l�deres mais influentes s�o aqueles com mais respaldo popular, caso de Marcelo Cinta-Larga, cacique da Aldeia Roosevelt, e do j� idoso Jo�o Bravo, chefe da Aldeia Tenente Marques, onde pouco se fala portugu�s.
Jo�o Bravo � lideran�a hist�rica dos cintas-largas e tem status de prefeito vital�cio, bancado pelo dinheiro do garimpo. Ficou rico, mas levou contrapartidas � comunidade: construiu estradas e ilumina��o, providenciou m�dicos e rem�dios para a aldeia, comprou carros e gado e at� ergueu uma pequena hidrel�trica na terra ind�gena.
J� seu filho, Raimundinho Cinta-Larga, n�o conta com o mesmo prest�gio. Um relat�rio do Minist�rio P�blico de Rond�nia aponta que em 2005 ele j� era dono de uma casa avaliada em R$ 400 mil em Cacoal. Em 2014 foi citado nas investiga��es da Lava Jato como destinat�rio de oito remessas de dinheiro (em um total de R$ 21.450,00) oriundas do doleiro Carlos Habib Chater, suspeito de participar da extra��o e venda de diamantes no exterior.
A defesa de Raimundinho diz que ele e a cooperativa que comanda, Coopecilar, nunca extra�ram diamantes da terra ind�gena.
LEI
Diz o par�grafo 3 do artigo 231 da Constitui��o Federal que "o aproveitamento dos recursos h�dricos, inclu�dos os potenciais energ�ticos, a pesquisa e a lavra das riquezas minerais em terras ind�genas s� podem ser efetivados com autoriza��o do Congresso Nacional, ouvidas as comunidades afetadas, ficando-lhes assegurada participa��o nos resultados da lavra, na forma da lei".
Em outras palavras: � preciso que o Congresso crie e aprove uma lei que permita e regulamente a extra��o de recursos naturais em terras ind�genas. Como essa lei n�o existe, hoje qualquer tipo de minera��o na Roosevelt � ilegal.
"Queremos que o garimpo seja legalizado", diz com veem�ncia Marcelo Cinta-Larga. A regulamenta��o � a solu��o apontada por nove entre dez fontes ouvidas pela reportagem, como funcion�rios do Minist�rio P�blico e Pol�cia Federal, �ndios e indigenistas e at� garimpeiros, que dizem preferir trabalhar legalmente.
J� foram propostos tr�s projetos de lei para tentar regular a atividade, os PL 7.099/06, 5.265/09 e, principalmente, o 1.610/96, proposto pelo hoje senador Romero Juc� (PMDB-RR) h� quase 20 anos.
A proposta de Juc� foi tida como inaceit�vel por defensores dos direitos ind�genas, sobretudo porque diminu�a o peso da consulta �s comunidades e estipulava royalties de s� 2% da receita bruta das riquezas naturais, por lei, pertencentes � Uni�o. O projeto valeria para todo tipo de minera��o, fosse de diamante, ouro ou qualquer outro min�rio ou pedra preciosa.
Em 2010, o deputado Eduardo Valente (PT-RO) apresentou texto substitutivo ao PL 1.610/96 que incorporou 40 emendas, mas rejeitou outras 62, al�m de considerar quatro inconstitucionais. O texto, que prev� royalties pouco maiores, de 3%, tamb�m enfrenta resist�ncia.
Em paralelo, tramita no Congresso a PEC 215, que transfere da Uni�o para o pr�prio Congresso o direito de demarca��o das terras ind�genas e permite revis�o dos territ�rios j� demarcados, sob novos crit�rios. Tais medidas ferem a Conven��o 169 da Organiza��o Internacional do Trabalho, acordo assinado pelo Brasil a partir de 2003, que incorpora � legisla��o interna dispositivos de prote��o a povos ind�genas e tribais.
"A lei ainda n�o veio. O modelo de minera��o depende do texto aprovado; se ser� por licita��o, se a negocia��o ser� direta com os �ndios, ou qualquer outro modelo", esclarece o advogado e professor de direito financeiro da Universidade de S�o Paulo Fernando Scaff.
Scaff explica que, regra geral, o direito de explorar a riqueza � do primeiro a descobri-la, mas que em terra ind�gena o procedimento depender� da lei. A consulta aos povos ind�genas deve ocorrer na opera��o de cada garimpo, n�o na aprova��o da proposta.
Isso significa que, para operar em terra demarcada, seria preciso se acertar com os �ndios. H� quem j� esteja fazendo isso.
Existem duas cooperativas dedicadas � explora��o mineral entre os cintas-largas, a j� citada Coopecilar, durante anos liderada por Jo�o Bravo e Raimundinho, e a Coesci (Cooperativa Extrativista e Sustent�vel dos Cinta-Larga), capitaneada por Marcelo e Oita Mina Cinta-Larga, mas que conta com apoio de quase todas as lideran�as. Para qualquer interessado em operar o garimpo legalizado, essas s�o as duas portas de entrada –e ambas j� t�m seus representantes.
Quem atende a Coopecilar h� alguns anos � o advogado Raul Canal, cujo escrit�rio fica em Bras�lia. Para a Coesci, o tamb�m advogado sediado em Bras�lia Lu�s Felipe Belmonte e o empres�rio Samir Santos Entorno apresentaram uma proposta de regulamenta��o do garimpo em mar�o deste ano.
Em ambos os casos, os discursos s�o semelhantes: fazem trabalho de consultoria jur�dica em Bras�lia para proteger os direitos ind�genas e represent�-los em processos judiciais em favor da legaliza��o.
As promessas tamb�m: �ndios acreditam que, ap�s a legaliza��o, a etnia cinta-larga ser� uma das mais ricas do mundo –a reportagem viu Samir Entorno mostrando para os �ndios fotos de seu trabalho com aldeias milion�rias no Novo M�xico, nos Estados Unidos.
As frentes de atua��o, contudo, s�o diferentes. Canal diz que se empenha em aprovar ainda neste ano o processo judicial que abst�m os cintas-largas de se submeterem � aprova��o do Congresso para "a explora��o exclusiva por eles [�ndios] de todas as riquezas do subsolo e potenciais energ�ticos".
"N�o apoiamos nenhuma das iniciativas legislativas, pois nenhum dos projetos que tramitam no Congresso atende aos interesses dos ind�genas. Todos s�o de interesse das grandes mineradoras."
J� Belmonte dedica-se a obter para o cintas-largas a permiss�o para a legaliza��o do garimpo, faisca��o e cata –procedimentos de explora��o do solo na superf�cie.
"A proposta � dar meios legais para eles trabalharem. O dinheiro seria todo da comunidade por vias legais: eles fazem o garimpo, negociam o diamante, e a cooperativa administra. O Estatuto do �ndio permite isso", afirma. "O problema � abrir para o garimpeiro entrar e explorar atividades ilegais", diz.
Os dois advogados afirmam n�o manter rela��o com o garimpo ilegal e mineradoras.
Uma fonte do governo federal diz que a legaliza��o do garimpo na Roosevelt � parte de um lobby internacional que vem da Antu�rpia, na B�lgica (pa�s respons�vel pela negocia��o de 80% dos diamantes brutos e de 50% dos diamantes lapidados do mundo), cujos investidores querem direcionar seu dinheiro para pa�ses com democracia e economia est�veis.
Em conflito com o Estado, sem verbas e com a cultura deteriorada, os cintas-largas seguem dependentes do garimpo, seja clandestino como hoje, seja legalizado por homens de terno em Bras�lia.
FELLIPE ABREU, 31, formado em cinema, � jornalista e fotojornalista.
LUIZ FELIPE SILVA, 26, � jornalista e fotojornalista.
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