O fracasso de um modelo violento e ineficaz de pol�cia
RESUMO Num quadro de viol�ncia social e falhas institucionais, as pol�cias brasileiras matam demais, ignoram direitos, prestam servi�os deficientes e n�o t�m a confian�a dos cidad�os. A reportagem faz um diagn�stico da situa��o e exp�e as propostas de reformas, que v�o desde mudan�as estruturais a melhorias localizadas.
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Os meninos come�aram a chorar mal foram trancados na ca�amba do carro de pol�cia.
"A gente nem come�ou a bater em voc�s e j� t�o chorando?", gritou um policial para os adolescentes negros capturados como suspeitos de praticar furtos na regi�o central do Rio. O cambur�o subia as curvas da floresta da Tijuca, na capital fluminense.
Para os garotos, aquele desvio de percurso, da delegacia para a mata, seria um passeio f�nebre, registrado por c�meras instaladas no ve�culo -determina��o de lei estadual de 2009, criada para vigiar os vigilantes e fornecer provas tanto de a��es policiais leg�timas como das consideradas ilegais.
Em uma parada no morro do Sumar�, contudo, a grava��o � interrompida. Dez minutos depois, c�meras religadas, as imagens mostram os oficiais sozinhos no carro, descendo as mesmas curvas.
"Menos dois", diz um deles ao parceiro. "Se a gente fizer isso toda semana, d� pra ir diminuindo. A gente bate meta, n�?", completa.
Emmanuel Nassar | ||
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Dias depois, o corpo de Matheus Alves dos Santos, 14, foi encontrado no local gra�as a informa��es de M., 15, que levou dois tiros, mas sobreviveu porque conseguiu se fingir de morto mesmo ao ser chutado por um dos policiais.
S� em 2013, 2.212 pessoas foram mortas pelas pol�cias brasileiras, segundo o Anu�rio Brasileiro de Seguran�a P�blica. Isso quer dizer que ao menos seis foram mortas por dia, ou uma a cada 100 mil brasileiros ao longo do ano. No mesmo per�odo, a pol�cia norte-americana matou 409 pessoas. J� as corpora��es do Reino Unido e do Jap�o n�o mataram ningu�m.
O ano de 2014 promete elevar ainda mais o patamar dessa barb�rie: mortes cometidas por policiais paulistanos subiram mais de 100% em rela��o ao ano anterior. No Rio, o aumento foi de 40%, na compara��o com n�meros de 2013.
No Brasil, como se sabe, n�o h� pena de morte. O furto, infra��o n�o violenta que teriam cometido os meninos do Sumar�, tem como pena m�xima oito anos de reclus�o. Apenas ju�zes podem determinar as penas, ap�s processo que contemple o direito de defesa.
O marco jur�dico, por�m, parece n�o coibir a��es como a dos cabos Vin�cius Lima e F�bio Magalh�es: a naturalidade com que desaparecem com os dois adolescentes na mata deixa claro que o procedimento n�o era excepcional. A falta de pudor com que comentam a a��o diante da c�mera levanta outra hip�tese perversa: a de que contavam com a impunidade.
"N�o podemos dizer que esses sejam casos de desvio individual de policiais", avalia Renato S�rgio de Lima -professor da FGV-SP, ele integra o F�rum Brasileiro de Seguran�a P�blica, que produz o anu�rio estat�stico. "Trata-se de um padr�o institucional. � uma escolha encarar o crime como forma de enfrentamento."
Para o coronel Jos� Vicente da Silva, da reserva da Pol�cia Militar de S�o Paulo, o n�mero de mortos por policiais n�o pode ser visto isoladamente. "� desonestidade intelectual dizer que a pol�cia brasileira mata cinco vezes mais que a dos EUA porque aqui temos seis vezes mais homic�dios do que l�. E nossos policiais morrem mais que os de qualquer outro lugar do mundo", protesta ele, citando dados: s� no ano passado, diz, 1.500 PMs pediram demiss�o motivados pelos baixos sal�rios e pelo constante risco de morte.
Nessa din�mica, 490 policiais civis e militares foram mortos em servi�o ou durante folgas em 2013.
Editoria de Arte/Folhapress |
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"Para outras sociedades � inadmiss�vel que se mate um policial, porque quer dizer que ningu�m respeita mais nada", diz Alexandre de Moraes, secret�rio de Seguran�a P�blica de S�o Paulo. "No Brasil, quem mata policial tatua um palha�o para mostrar para quem quiser ver que matou um tira ou um PM", compara ele, favor�vel a altera��o no C�digo Penal que aumente em 50% as penas para crimes contra autoridade p�blica.
Os n�meros de ambos os lados se inscrevem num contexto aterrador: o Brasil � um campe�o mundial de homic�dios. Em 2013, 54.269 pessoas foram assassinadas no pa�s. O n�mero corresponde a um est�dio do Itaquer�o lotado, como no jogo de abertura da Copa do Mundo -s� que de cad�veres. Trata-se de uma taxa de 26,9 mortes por 100 mil habitantes, quase seis vezes a dos EUA, de 4,7.
FORA DE CONTROLE
A Organiza��o Mundial da Sa�de considera epid�mica, ou fora de controle, a viol�ncia que faz mais de 10 v�timas por 100 mil habitantes. Em rankings elaborados pela OMS e pelo Banco Mundial, o Brasil ocupa as primeiras posi��es em taxa de homic�dios, ao lado de pa�ses como Honduras, Venezuela, Jamaica, El Salvador e �frica do Sul.
Somam-se aos n�meros estat�sticas que ilustram a rela��o negativa dos brasileiros com suas pol�cias: segundo o �ndice Confian�a da Justi�a, realizado pela FGV em 2012, 70% da popula��o do pa�s n�o confia na institui��o, e 63% se declaram insatisfeitos com a atua��o da pol�cia.
O medo diante da pol�cia tamb�m � registrado em cifras: um ter�o da popula��o teme sofrer viol�ncia policial, e �ndice semelhante receia ser v�tima de extors�o pela pol�cia -os dados s�o da Pesquisa Nacional de Vitimiza��o (Datafolha/Centro de Estudos de Criminalidade e Seguran�a P�blica da Universidade Federal de Minas Gerais, 2013).
Especialistas em seguran�a p�blica dos mais diversos matizes ideol�gicos convergem em seus diagn�sticos: salvaguardados alguns avan�os pontuais e localizados, seja na diminui��o de certos crimes, seja no aumento da coordena��o e da transpar�ncia em um ou outro aspecto, a pol�cia mata demais, � ineficiente no atendimento � popula��o e nas investiga��es, tem setores racistas e corruptos, al�m de outros que desprezam leis e regulamentos. Como se n�o bastasse, as corpora��es perdem tempo e desperdi�am recursos com rivalidades entre si.
"A pol�cia tem v�cios e defeitos ineg�veis", afirma Jos� Mariano Beltrame, secret�rio de Seguran�a P�blica do Rio de Janeiro. "S� que existe um reducionismo no conceito de seguran�a p�blica, que hoje � sin�nimo de pol�cia, quando deveria englobar controle de fronteiras, Minist�rio P�blico, Tribunal de Justi�a e sistema carcer�rio", afirma.
"A situa��o que vivemos � resultado de uma s�rie de pol�ticas descontinuadas e de uma tradi��o brasileira de falta de di�logo entre as institui��es. � cada um na sua. E tudo vira jogo de poder e vaidade."
As pol�cias, de fato, n�o se encontram s�s nesse quadro tenebroso, em cujo verso est�o os baixos sal�rios, o treinamento deficiente, a falta de equipamentos e o duro enfrentamento de criminosos cada vez mais organizados e armados, que n�o vacilam em atirar, na certeza de que, ao escaparem vivos de um cerco, dificilmente ser�o pegos por uma investiga��o.
O embrutecimento dessa pol�cia � tamb�m o da sociedade brasileira, um pa�s em que se banalizaram o assassinato, o racismo, o desrespeito �s leis e a corrup��o. O que deveria causar assombro e rep�dio virou folclore ou "coisa do Brasil".
"Apesar de 26 anos de democracia, os brasileiros s�o capazes de se mobilizar mais pelos simp�ticos cartunistas mortos em Paris [na sede do 'Charlie Hebdo'] do que pelas centenas ou milhares de negros j� mortos pelas pol�cias militares nas favelas e periferias", diz o cientista pol�tico Paulo S�rgio Pinheiro, ex-secret�rio de Estado de Direitos Humanos do governo FHC e um dos coordenadores da Comiss�o Nacional da Verdade (CNV).
Uma situa��o bem diferente da de Nova York, onde milhares foram �s ruas no final do ano passado para protestar contra a decis�o da Justi�a de n�o indiciar um policial respons�vel pela morte, na cidade, de Eric Garner, um negro.
O epis�dio do morro do Sumar� � emblem�tico porque, ainda que a a��o tenha chocado parte dos telespectadores do "Fant�stico", que revelou o caso num domingo � noite, na segunda-feira a Secretaria de Seguran�a P�blica do Rio de Janeiro j� havia sido inundada por e-mails de apoio � a��o criminosa dos policiais.
DESCOMPASSO
Sem alarde, o Minist�rio da Justi�a criou no fim do ano passado um grupo de especialistas para estudar as ra�zes e os rem�dios do mortic�nio brasileiro.
A discri��o da iniciativa reitera o descompasso entre a aus�ncia de um debate p�blico, amplo e propositivo, e o fato de seguran�a p�blica ser a segunda maior preocupa��o dos brasileiros, segundo pesquisa Datafolha de 2014.
Isso sem falar nos custos sociais da viol�ncia, estimados em 5,4% do PIB (Produto Interno Bruto) ou R$ 258 bilh�es em 2013, segundo c�lculos de Daniel Cerqueira, do Instituto de Pesquisa Econ�mica Aplicada, registrados no Anu�rio Brasileiro de Seguran�a P�blica.
A relev�ncia do tema se reflete na produ��o cinematogr�fica brasileira do ano passado, quando ao menos oito produ��es colocaram a pol�cia como protagonista (n�o exatamente no papel de mocinho) ou pano de fundo de a��es e debates. � o caso de document�rios como "Sem Pena", "� Queima-Roupa" e "Junho" e de fic��es como "Branco Sai, Preto Fica", vencedor do pr�mio de melhor filme na �ltima edi��o do Festival de Bras�lia.
"O Brasil est� est�tico nessa �rea. Os partidos que pretendem representar as classes populares s�o incapazes de reconhecer a prioridade desse tema que, por outro lado, � absolutamente central no cotidiano das massas, para as quais essa � quest�o de vida ou morte, de chegar ou n�o vivo em casa", avalia o antrop�logo Luiz Eduardo Soares, ex-secret�rio nacional de Seguran�a P�blica (2003) do primeiro governo Lula.
Mobiliza��es de v�timas do crime comum ou daquele cometido pelas for�as do Estado parecem se resumir a slogans como "queremos Justi�a", sem traduzir esse sentimento em propostas concretas. "� nessa fonte que bebem os demagogos e os oportunistas que advogam por penas mais duras e mais armas para as pol�cias. Isso � mais do mesmo e n�o rompe o ciclo vicioso", avalia Soares.
O artigo 144 da Constitui��o de 1988 disp�e, genericamente, sobre as atribui��es das institui��es respons�veis por prover a seguran�a p�blica no pa�s. A Carta herdou um sistema bipartido, com duas pol�cias, uma militar e outra judici�ria ou civil, cada uma executando uma parte do trabalho. Um quarto de s�culo depois, o artigo ainda aguarda regulamenta��o.
"Os constituintes, por temor ou convic��o, n�o mudaram uma v�rgula da estrutura da seguran�a p�blica herdada do regime militar", explica Paulo S�rgio Pinheiro, que, durante o trabalho da CNV, contou 434 mortos e desaparecidos nas m�os de agentes da ditadura. "O resultado � que temos esse traste, e 15 projetos de reforma que nunca s�o tocados pelos congressistas."
"Nos Estados Unidos, a coisa come�ou a mudar quando os governos passaram a perder processos e a pagar boas indeniza��es para v�timas de viol�ncia policial. Pegou no bolso", conta Julita Lemgruber, coordenadora do Centro de Estudos de Seguran�a e Cidadania da Universidade Candido Mendes.
Com esse arranjo institucional, a Uni�o tem pouca responsabilidade nos rumos da seguran�a p�blica, munic�pios se limitam a criar guardas civis, enquanto cabe aos Estados o desenho das pol�ticas e o controle das pol�cias. Nesse contexto, entre os que pensam perspectivas para a seguran�a p�blica e para as pol�cias, emergiram duas correntes conflitantes.
REFORMAS
A primeira corrente prega reformas que envolvam mudan�as de arquitetura do sistema legal e das institui��es. Nesse vetor se inscrevem as propostas de desmilitariza��o e de unifica��o das pol�cias militar e civil em uma nova corpora��o, sem sobrenome.
A proposta mais completa nessa linha est� na PEC 51, desenhada pelo antrop�logo Luiz Eduardo Soares e apresentada pelo senador Lindbergh Farias (PT-RJ).
Emmanuel Nassar | ||
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Ela inclui o fim do v�nculo e do espelhamento organizacional entre PM e Ex�rcito e cria o ciclo completo, quando uma s� pol�cia faz o trabalho preventivo, ostensivo e investigativo. Cada Estado poderia eleger um modelo pr�prio, seja ele o de corpora��es divididas por territ�rio ou por tipos criminais. "Mudan�as significativas n�o podem ser feitas sem reformas do modelo, que pedem altera��es estruturais e constitucionais", avalia Soares.
A bandeira da desmilitariza��o da pol�cia, proposta pela PEC, foi resgatada ap�s junho de 2013, quando parte das manifesta��es foi reprimida com viol�ncia exacerbada pelas PMs de S�o Paulo, Rio e Minas, principalmente. O relat�rio da CNV trouxe tamb�m essa recomenda��o, que ficou em segundo plano, por�m, em meio ao t�mido debate gerado pelo trabalho final do grupo que investigou os crimes da ditadura militar.
H� varia��es no entendimento sobre o que � desmilitarizar as pol�cias, mas todas compreendem a mudan�a do regime disciplinar, que permite pris�o administrativa para quest�es ligadas � hierarquia, � vestimenta e � administra��o, al�m da extin��o das inst�ncias estaduais da Justi�a Militar, que julga policiais em crimes graves, como o homic�dio de um PM por outro. A Justi�a Militar Federal seria mantida como tribunal voltado a membros das For�as Armadas.
Segundo a pesquisa Opini�o dos Policiais Brasileiros sobre Reformas e Moderniza��o das Pol�cias, da FGV, quase 64% dos policiais defendem o fim da Justi�a Militar, 74% apoiam a desvincula��o do Ex�rcito e quase 94% querem a moderniza��o dos regimentos e c�digos disciplinares. Essas vozes interessadas, por�m, parecem sub-representadas no debate.
"A desmilitariza��o � importante, mas n�o � uma panaceia e ainda depende de press�o popular, porque o Congresso funciona por in�rcia e tem muita representa��o de setores que s�o contr�rios a isso", diz o soci�logo Ign�cio Cano, coordenador do Laborat�rio de An�lise da Viol�ncia da Universidade Estadual do Rio de Janeiro.
O surgimento da "bancada da bala", formada por parlamentares que pregam medidas como redu��o da maioridade penal, recrudescimento das penas e at� pena de morte, promete barrar o andamento de mudan�as estruturais.
Outra proposta dessa linha, baseada na cren�a de que cada territ�rio tem necessidades muito espec�ficas que s� um administrador local conhece, � a municipaliza��o das pol�cias. Seus opositores argumentam que, por quest�es or�ament�rias, esse tipo de reforma aumentaria muito a desigualdade no servi�o policial al�m de dificultar sua coordena��o. Afirmam tamb�m que o munic�pio j� tem papel fundamental na seguran�a p�blica ao cuidar da ilumina��o, das cal�adas e da coleta de lixo.
Mas h�, ainda, outros caminhos. "Na Col�mbia, por exemplo, h� um modelo em que a pol�cia � nacional, mas as prefeituras podem investir nela e influenciar seu trabalho sem que a corpora��o seja municipal", informa Cano.
CHOQUES
A segunda corrente de pensamento sobre seguran�a p�blica e pol�cia � a das reformas gerenciais, que se prop�em a incrementar a efici�ncia dos processos valendo-se de choques de gest�o. Nessa linha entram o aumento de recursos e de pessoal, a valoriza��o das carreiras, a melhoria da forma��o, a maior participa��o da sociedade civil nas pol�ticas de seguran�a p�blica e a integra��o do trabalho das duas pol�cias.
Na opini�o de Leandro Piquet Carneiro, do N�cleo de Pesquisas de Pol�ticas P�blicas da USP, "d�-se muita �nfase a reformas estruturais quando existem aspectos de microgerenciamento que podem ser implantados com mais rapidez". "S�o medidas de altera��o de procedimentos e regras e de cobran�a de resultados feitas dentro do marco institucional atual."
Marcos Fuchs, diretor da ONG Conectas Direitos Humanos, prega o envolvimento da popula��o por meio de conselhos -mecanismo que funciona com muito efeito em metr�poles como Nova York.
Emmanuel Nassar | ||
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"� preciso ampliar o debate e envolver a sociedade civil, seja com audi�ncias p�blicas ou no �mbito dos Conseg [Conselhos Comunit�rios de Seguran�a], que j� v�m se reunindo em cada bairro de S�o Paulo para discutir solu��es para problemas locais, algo incentivado pela gest�o passada da Seguran�a P�blica do Estado", avalia.
Ainda nessa chave, est�o medidas como a que chegou a tirar das ruas de S�o Paulo policiais que cometiam a terceira morte em servi�o, supostamente em leg�tima defesa ou de um terceiro -al�m da forma��o continuada e da melhoria dos sistemas de controle interno, via corregedorias, e externo, por meio das ouvidorias de pol�cia.
Na qualidade de ex-ouvidora do Rio, a soci�loga Julita Lemgruber defende que as ouvidorias tenham poder de investiga��o. "Sem isso, recebem as den�ncias, mas ficam amarradas", argumenta.
H� ainda experi�ncias de georreferenciamento, em que estat�sticas sobre ocorr�ncias, com o local de cada uma delas, permitem um planejamento mais racional das equipes de investiga��o e patrulha, otimizando recursos.
Entre esses extremos, no entanto, h� uma terceira via. "Essas propostas n�o s�o excludentes. � poss�vel avan�ar em reformas normativas que garantam a continuidade de determinadas pol�ticas e implementar reformas gerenciais para dar mais efici�ncia �s pol�cias", avalia Renato S�rgio de Lima, do F�rum Brasileiro de Seguran�a P�blica.
Comum �s duas pontas do debate � o imperativo de que as pol�cias trabalhem juntas, seja unificando-as em uma nova corpora��o, seja com processos graduais de integra��o -medida com o qual 75% dos policiais civis e militares concordam, segundo a pesquisa realizada pela FGV.
"Ter duas pol�cias � um acidente hist�rico. Desenvolvemos essa duplicidade institucional, criando inefici�ncia. Uma s� pol�cia seria mais racional e econ�mica em pelo menos 20%", estima o coronel Jos� Vicente da Silva. Com 52 anos de servi�o, ele viveu em 1970 a fus�o, imposta pela ditadura, da For�a P�blica, ent�o com 25.000 homens, com a Guarda Civil, que tinha 9.000 membros -da� nasceu a atual PM. "Houve mal-estar, houve d�vida sobre quem iria mandar, se o inspetor ou o coronel, mas tudo foi, aos poucos, se acomodando."
Os exemplos de inefici�ncia na divis�o do trabalho policial s�o cristalinos. Enquanto a Pol�cia Militar atua na preven��o e no patrulhamento, a Pol�cia Civil ou Judici�ria investiga, tudo com troca de informa��es m�nima. A simples cria��o de bancos de dados conjuntos revelou-se uma epopeia.
"As pol�cias se detestam no Brasil inteiro, ent�o a coisa n�o funciona", avalia o especialista em seguran�a p�blica Guaracy Mingardi. A PM � a primeira a chegar ao local do crime e � quem o resguarda para a Pol�cia Civil e a per�cia. "Mas, quando elas chegam, n�o conversam com a PM porque acham que n�o tem nada a ver. Ent�o muito PM n�o preserva direito o local dos crimes, j� que � uma atividade desvalorizada", explica ele, que trabalhou por dois anos na Pol�cia Civil em S�o Paulo, coletando dados para seu mestrado.
FORMA��O
Em 2010, foi inaugurada a Academia Estadual de Seguran�a P�blica do Cear�. Celebrada como uma experi�ncia exitosa, ela aposta na integra��o entre policiais civis e militares logo na forma��o, para que aprendam desde os primeiros treinamentos a trabalhar juntos.
Para Jos� Mariano Beltrame, "quando n�o h� entendimento entre as pol�cias, h� temor, e cada uma se fecha do seu lado". A solu��o n�o vir� de uma "canetada".
"Tem de mudar a cultura, e isso se obt�m mudando pr�ticas", diz o secret�rio da Seguran�a P�blica do Rio, que v� na valoriza��o salarial um fator fundamental para aperfei�oar o servi�o prestado pelas pol�cias. "Enquanto a diferen�a salarial entre pol�cia e Judici�rio for oce�nica, como � hoje, o resultado do trabalho deixar� a desejar. Voc� tem de levantar essa pol�cia, pagar bem, dar condi��es, e ela entregar� um resultado melhor."
Nas pol�cias da maioria dos Estados verificam-se diferen�as salariais entre as carreiras, o que alimenta ainda mais as rivalidades. Pior: cada corpora��o � fraturada internamente. As carreiras civil e militar t�m duas entradas, numa esp�cie de sistema de castas, em que status e sal�rios s�o diferentes entre si e entre os Estados.
Na Pol�cia Militar, ingressa-se como soldado ou tenente. Mas o soldado nunca chegar� a ser tenente por progress�o ou m�rito. Enquanto um soldado ga�cho pode ganhar apenas R$ 1.375,71, o sal�rio de um coronel, topo da carreira iniciada como tenente, pode ser de at� R$ 21.531,36 no Paran�.
Na Pol�cia Civil, o concurso � para investigador ou delegado, e o melhor investigador do pa�s jamais se tornar� um delegado, a n�o ser que preste novo concurso, para o qual � necess�rio ser bacharel em direito. O soldo de investigador varia de R$ 1.863,51 no Rio Grande do Sul, a R$ 7.514,33 no Distrito Federal. J� um delegado pode ganhar R$ 8.252, 59 em S�o Paulo, o sal�rio mais baixo da categoria no pa�s, ou R$ 22.339,75 no Amazonas.
"Isso faz da pol�cia um lugar em que n�o se entra pensando em construir carreira", opina Mingardi, para quem a corpora��o atrai ou gente pouco qualificada ou "concurseiros profissionais" � espera de oportunidade melhor.
A Pol�cia Federal, que hoje tem plano de carreira e sal�rio inicial de mais de R$ 7.500, exige como pr�-requisito o diploma de ensino superior e coleciona em seus quadros m�dicos, contabilistas, engenheiros e advogados.
"Se as carreiras das pol�cias civil e militar s�o, na maior parte dos casos, desprestigiadas, como � que voc� mant�m um sujeito l� ganhando pouco?", pergunta ele, que responde: "Simples: voc� permite o bico e cria uma escala de trabalho que acomode atividade extra". Essa � uma das explica��es para escalas como as de 12 horas de trabalho para 24 ou 36 de folga.
Emmanuel Nassar | ||
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S�o agentes de seguran�a p�blica atuando no setor de seguran�a privada -servi�o que s� faz sentido onde as pol�cias falham. O conflito de interesses � evidente.
"Trata-se de um 'gato' or�ament�rio, um acordo entre o Estado e a ilegalidade. O Estado faz vista grossa para manter a estabilidade de um or�amento que � irreal", avalia Luiz Eduardo Soares. "H�, dessa forma, uma autoriza��o t�cita para a cria��o de ag�ncias de seguran�a privada que est�o na base das mil�cias."
Segundo a pesquisa da FGV, 95% dos policiais afirmam que a falta de integra��o entre as diferentes pol�cias torna seu trabalho menos eficiente, 99,1% avaliam que os baixos sal�rios s�o causa deste problema e 93,6% apontam a corrup��o como causa do mau servi�o prestado � sociedade. Outro problema quase un�nime nas corpora��es, segundo a avalia��o dos pr�prios policiais, � a forma��o deficiente (98,2%).
PACTO
Em 2007, Pernambuco criou um programa de redu��o de homic�dios que previa metas, premia��es e trabalho conjunto das v�rias inst�ncias da seguran�a p�blica. No Pacto pela Vida, elaborado pelo soci�logo Jos� Luiz Ratton, o ent�o governador Eduardo Campos (1965-2014) passou a coordenar pessoalmente reuni�es entre as duas corpora��es, o Minist�rio P�blico, a Defensoria P�blica, o Tribunal de Justi�a e secretarias de Desenvolvimento Social e Direitos Humanos, entre outras, no combate aos homic�dios que sangravam o Estado -ent�o um dos campe�es em mortes violentas do Nordeste.
"� imposs�vel pensar no desenvolvimento do pa�s com taxas de homic�dio como as que temos. � uma trag�dia que, para ser combatida, precisa de um esfor�o interinstitucional. � preciso ter uma vis�o sist�mica da viol�ncia no Brasil e articular �reas de desenvolvimento social com pol�cia e Justi�a", diz o mineiro Ratton, que � professor do departamento de sociologia da Universidade Federal de Pernambuco.
Desde o pacto, as mortes por agress�o no Estado ca�ram 39%, e o �ndice de elucida��o dos crimes contra a vida subiu para mais de 60% -a m�dia brasileira � de m�seros 8%. No Reino Unido, 90% dos homic�dios s�o esclarecidos. Na Fran�a, 80%. Nos EUA, 65%.
O �ndice brasileiro � quase todo fruto de pris�es em flagrante, e n�o de investiga��es -cujo resultado p�fio � produto n�o s� do caldo de rivalidades, corrup��o e m� forma��o das pol�cias mas tamb�m de uma fraca participa��o do Minist�rio P�blico. O MP falha tanto na fun��o de controle externo da atividade policial como na cobran�a por dilig�ncias espec�ficas. Na pr�tica, pouco tem feito para cobrar a��o da pol�cia, limitando-se a concordar com a extens�o dos prazos regulamentares sem exigir qualidade na investiga��o.
"N�o sei o que aconteceu com a promotoria criminal", comenta Alexandre de Moraes, secret�rio da Seguran�a paulista, que trabalhou no Minist�rio P�blico. "Parece que a �rea perdeu o charme. Vemos a promotoria do meio ambiente, por exemplo, fazendo �timo trabalho, mas n�o a criminal."
Trata-se de um sistema que, al�m de pouco eficiente, favorece a famigerada lentid�o da Justi�a brasileira. Pesquisa rec�m-divulgada pelo Minist�rio da Justi�a, que monitorou o tempo de tr�mite de casos de homic�dio doloso em cinco capitais brasileiras, n�o deixa d�vidas: a fase de inqu�rito policial, que leva ao menos 30 dias, chega a 700 dias em Belo Horizonte, onde a dura��o de um processo de assassinato intencional, da descoberta do crime � senten�a, � de mais de nove anos.
TRABALHO DOBRADO
Uma parte dessa lentid�o se deve ao fato de o delegado de pol�cia funcionar como esp�cie de juiz de instru��o ou de primeir�ssima inst�ncia. Isso quer dizer que todos os procedimentos feitos na delegacia durante a investiga��o, como o depoimento de v�timas e testemunhas, s�o repetidos no Judici�rio, fase do processo em que a defesa pode se manifestar.
"O delegado brasileiro � uma figura 'sui generis' porque � um operador de direito dentro da pol�cia e, como seus atos s�o feitos fora da estrutura do Judici�rio, tudo tem de ser repetido quando o caso chega � Justi�a", explica o delegado Orlando Zaccone. Trabalho dobrado demora, claro, o dobro do tempo, o que ajuda a girar a m�quina da impunidade, por um lado, e a puni��o desproporcional dos desprivilegiados, por outro.
Pesquisa do N�cleo de Estudos da Viol�ncia da USP monitorou casos de pris�o em flagrante feitas com base na Lei de Drogas, que determina reclus�o para traficante e presta��o de servi�os para usu�rios. Dois casos acompanhados pelo estudo ilustram bem essa l�gica.
Um homem de 30 anos, desempregado, primeiro grau completo, com uma passagem por roubo e sem resid�ncia fixa foi preso em flagrante por dois PMs com 8,5 gramas de maconha e R$ 20. Na delegacia, apesar da pequena quantidade de droga, ele foi enquadrado como traficante. Aguardou seis meses para ser ouvido por um juiz, respondeu ao processo preso e foi condenado a cinco anos e dez meses em regime fechado.
Dois jovens de 19 e 25 anos, universit�rios, moradores dos bairros de Perdizes e Lapa, zona oeste de S�o Paulo, sem antecedentes criminais foram presos em flagrante por dois PMs com 475,2 gramas de maconha, mais por��es separadas que somavam 25,8 gramas e uma balan�a de precis�o. Na delegacia, foram enquadrados como traficantes. Seus advogados obtiveram sua liberdade provis�ria um dia ap�s o flagrante, sob o argumento de que a droga era para uso pessoal. Eles respondem ao processo em liberdade e, passados nove meses do flagrante, a senten�a ainda n�o havia sido proferida.
Segundo estudo do Instituto Sou da Paz, 37% dos detentos de S�o Paulo s�o presos provis�rios que aguardam julgamento. Desses, apenas 3% foram presos ap�s alguma investiga��o. A maior parte das pris�es foi feita por abordagem, que se baseia no discernimento do policial para eleger quem � ou n�o parado e revistado.
"A fal�ncia da investiga��o � end�mica. Como as pol�cias s�o sobrecarregadas, s�o seletivas, e essa seletividade abre espa�o para crit�rios discricion�rios e para a corrup��o", explica Ign�cio Cano. "Al�m disso, a pol�cia ostensiva sempre recebeu prefer�ncia em rela��o � pol�cia de investiga��o. As PMs t�m um contingente sempre maior que o da Pol�cia Civil."
Para o antrop�logo Luiz Eduardo Soares, a preval�ncia do flagrante sobre a investiga��o gera uma distor��o. Ele explica que "os crimes pass�veis de flagrante s�o aqueles que acontecem nas ruas, portanto, sob um filtro social, territorial e racial".
Abordagens policiais em S�o Paulo resultam, segundo estudo, na pris�o preferencial de jovens (62,9% t�m de 18 a 25 anos) e, apesar de ocorrerem em sua maioria em locais p�blicos e durante o dia, 76,6% t�m como �nicas testemunhas policiais militares.
A pol�cia de S�o Paulo fez 15 milh�es de abordagens em 2013 (mais de um ter�o da popula��o do Estado, estimada em 44 milh�es em 2014). Segundo a pesquisadora T�nia Pinc, major da PM paulista, que j� comandou a For�a T�tica, "em Nova York, a pol�cia aborda 2,3% da popula��o da cidade ao ano".
Para ela, as abordagens s�o uma pr�tica rotineira banalizada. Basta ver seu resultado: enquanto os policiais do Estado de S�o Paulo fazem 100 abordagens para cada pris�o, a pol�cia de Nova York faz 12. "Abordagem conta como indicador de desempenho policial, e tanto a pol�cia como o governo usam esses n�meros para dizer que est�o trabalhando."
Premiar desempenho � o tipo de pol�tica que tem de ser feita com cautela e crit�rios bem pensados. O maior absurdo nessa �rea foi apelidado de "gratifica��o faroeste". Criada em 1995 no Rio de Janeiro, premiava policiais por "atos de bravura", o que inclu�a envolvimento em casos nos quais a a��o policial terminava com o corpo do suspeito no ch�o. A partir do pr�mio, o n�mero de �bitos pelas pol�cias fluminenses, em casos registrados como resist�ncia � pris�o seguida de morte, aumentou at� atingir, em 2007, o pico de 1.330 mortos. Desde ent�o, esse n�mero vem caindo, apesar de ter subido, simultaneamente, o registro de homic�dios a esclarecer no Estado.
A maior parte dos casos de mortes envolvendo policiais � arquivada ao chegar ao Minist�rio P�blico, que muitas vezes acata procedimentos de exce��o como quebra de sigilo e invas�o de domic�lio. Hoje, 98% das pris�es realizadas em resid�ncias s�o feitas sem mandado judicial -expedido apenas quando uma investiga��o comprova que a pris�o � necess�ria. Invade-se a casa sem autoriza��o, o que � ilegal, n�o raro com base em den�ncias an�nimas.
O caso das mortes, no entanto, segue como o mais grave. Em uma pesquisa na qual avaliou 300 processos de �bito por interven��o policial, o delegado Orlando Zaccone identificou que 99% dos autos que chegavam ao MP foram arquivados em menos de tr�s anos.
"O Judici�rio tem de ser mais rigoroso com essas mortes, porque hoje participa delas", diz. Segundo ele, a condi��o de vida de quem morreu, o local onde se deram os fatos ou a exist�ncia ou n�o de antecedentes criminais j� s�o suficientes para que o Minist�rio P�blico identifique a morte como leg�tima e arquive o caso.
"Como vamos reformar as pol�cias se a ideia de que o criminoso � mat�vel n�o � s� dela, mas do promotor, do jornalista e da sociedade como um todo?", avalia ele. "Policial bom, no Brasil, � aquele treinado como guerreiro. Nossos �dolos s�o os operadores da guerra."
N�o � coincid�ncia, portanto, que o segundo deputado estadual mais votado em S�o Paulo, coronel Telhada (PSDB), seja aquele que, ao ser entrevistado pelo correspondente do jornal "The New York Times", sorri para dizer que matou 30 "bandidos" ao longo de sua carreira na Pol�cia Militar.
De acordo com pesquisa realizada pelo Minist�rio da Justi�a em 2009, 44% dos brasileiros concorda com a m�xima que diz que "bandido bom � bandido morto".
GUERRA E PAZ
O quartel-general da Pol�cia Militar do Rio de Janeiro � uma constru��o fortificada de 1740, no centro da cidade. A sisudez das escadas de madeira escura, das bandeiras e dos bras�es destoa dos objetos escolhidos para a decora��o de uma sala em particular.
Naquelas paredes, um quadro vermelho com a imagem de L�nin faz par com uma imagem de Nossa Senhora das Dores. Sobre a mesa larga, um pequeno porta-retratos com a foto de Nelson Mandela e a cita��o "Aprendi que coragem n�o � aus�ncia de medo, mas o triunfo sobre ele" divide espa�o com pilhas de livros, entre os quais "A Rep�blica", de Plat�o, "Guerra e Paz", de Tolst�i, e outros de Nietzsche, Fernando Pessoa e Simone Weil.
Sentado atr�s dos livros e diante das fotos dos 48 oficiais que o antecederam no posto de chefe de gabinete, o coronel �bis Pereira da Silva se vangloria de duas a��es ocorridas quando esteve no comando da PM do Rio, em dezembro do ano passado. "Fizemos duas desocupa��es de pr�dios para reintegra��o de posse sem usar uma bomba de efeito moral nem disparar uma bala de borracha sequer. Tenho o maior orgulho disso", gaba-se.
Para ele, uma das trag�dias do modelo atual de seguran�a p�blica � que, nele, "a pol�cia tem de prender, e n�o proteger as pessoas -e a pol�cia que n�o promove nem protege direitos, sejam eles das v�timas ou dos criminosos, � uma amea�a � cidadania e � democracia".
O coronel �bis integra a primeira gera��o de policiais treinados no apagar das luzes do regime militar que chega aos comandos da corpora��o. Quando ingressou na Academia de Pol�cia, em 1982, estava sendo descontinuado o manual de seguran�a interna e defesa territorial cuja capa estampava a imagem de um vietcongue, comunista vietnamita, sentado sobre um mundo que sangrava. Sua primeira aula foi de direitos humanos.
"Mas houve uma coincid�ncia terr�vel e desastrosa. No momento em que sa�amos da ditadura e da vis�o ideol�gica de guerra contra os comunistas, o presidente [norte-americano] Ronald Reagan declarou a guerra �s drogas", conjectura �bis. "Ent�o, o sistema de seguran�a que vinha operando contra um inimigo apenas mudou sua figura, mas a m�quina continuou a rodar com as mesmas viola��es de direitos e a mesma l�gica de combate", avalia o coronel.
Para ele, a din�mica da guerra altera os marcos morais e a no��o de certo e errado. "Quem acha que est� em combate, como � o caso das nossas pol�cias, � capaz de cometer atos brutais e ofensivos porque acredita que � aquilo que se espera dele. Isso acontece comigo, com voc�, com um monge", diz.
A peculiaridade do trabalho policial, que pede resolu��es imediatas para situa��es complexas e imprevis�veis, contribui para desvios de conduta e uso excessivo de armas de fogo, pondo tanto policial como suspeito em perigo.
Quando come�ou a pesquisar abordagem policial, a major Pinc identificou problemas no treinamento. Havia protocolos e m�todos, mas n�o eram seguidos. Prop�s, ent�o, um supertreinamento para uma equipe e comparou seu trabalho com o de outra. "Descobri que a premissa de que treinamento resolve est� furada", revela.
Ela classificou os oficiais em diferentes padr�es, quanto ao quesito letalidade. V�o do primeiro, que s� age dentro da legalidade, ao quarto, o de policiais que matam intencionalmente. "S�o pessoas doentes, transformadas, que, se n�o t�m oportunidade para matar, criam. Esses t�m que sair", diz.
No meio est�o os que devem ser objeto de programas que combinem treinamento com estrat�gias de supervis�o, monitoramento por c�meras e premia��o de boas pr�ticas. O segundo � o tipo despreparado, que mata para se defender, mas n�o assume que atirou no susto. O terceiro � aquele que atira por sucumbir � press�o. "Ele tem controle da situa��o, mas sabe que, se n�o atirar, vai chegar no quartel e um colega vai dizer: 'P�, voc� teve a chance e n�o matou, por qu�?'", diz a major, que entrevistou centenas policiais. "Se esse tipo de ideia existe na sociedade, � claro que existe na pol�cia tamb�m."
"As pol�cias matam porque trabalham em locais violentos; porque h� nas corpora��es uma doutrina do combate, e combate se faz atirando; porque n�o h� fiscaliza��o eficiente de suas atividades; e, sejamos sinceros, porque, na sociedade brasileira, isso responde a uma demanda social", avalia Ign�cio Cano, da Uerj. "A pol�cia � violenta desde a sua forma��o."
"Ainda que consideravelmente melhorada, a pol�cia n�o goza de grande prest�gio junto � popula��o, sem d�vida por causa da lembran�a de antigos abusos. � ali�s dif�cil conseguir que os policiais fa�am uma distin��o perfeita entre a raz�o e o erro, e sobretudo lhes fazem falta o tato e a amenidade no trato." O diagn�stico foi registrado em 1912 pelo viajante franc�s Paul Walle.
Mais de cem anos depois, ele permanece atual.
FERNANDA MENA, 37, � rep�rter especial da Folha.
EMMANUEL NASSAR, 66, � artista pl�stico.
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