Danann Tyler, 10, nasceu menino, mas se expressa como menina
RESUMO Apesar de ter nascido com par de cromossomos XY, definidores gen�ticos do sexo masculino, Danann Tyler, 10, se expressa como menina desde os 2 anos. A hist�ria da crian�a, que se encaminha para o feminino, sob acompanhamento m�dico e psicol�gico, retrata um cap�tulo ainda movedi�o das quest�es de g�nero.
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"Cindy, como algu�m pode olhar para esse rosto e achar que eu poderia ser menino?" Danann Tyler se olhava no espelho e mexia nos cabelos durante a sess�o com sua terapeuta, Cindy Paxton, em Redlands, cidadezinha vizinha a San Bernardino, na Calif�rnia.
Especializada em crian�as e adolescentes transg�nero, Paxton atende Danann desde os seis anos. Hoje ela tem dez e � tratada em casa e na escola como a menina que diz ser. Nem sempre, por�m, as coisas foram assim.
Danann nasceu menino, biol�gica e geneticamente. Isso significa que ela possui um cromossomo X e um Y, que define desde a fase embrion�ria os machos da esp�cie humana (as f�meas s�o XX), e �rg�os sexuais masculinos, interna e externamente. Mas, desde que come�ou a se expressar, aos dois anos, identifica-se como menina.
Quem a v� de legging e camiseta de paet�s saltitando pela casa confort�vel onde mora, na regi�o californiana de Orange County, falando sobre musicais da Broadway ou abra�ando o interlocutor com um afeto espont�neo que meninos da mesma idade n�o costumam demonstrar, n�o escapa da pergunta feita por Danann diante do espelho. Como algu�m pode olhar para aquele rosto e achar que possa ser de um menino?
Afinal, em poucas horas ao seu lado se constata que tudo, em Danann, � feminino, ou ligado �quilo que a sociedade identifica como feminino. E, n�o raramente, ao extremo: o tom dram�tico, o gosto por teatro e musicais, o talento vocal treinado em montagens locais amadoras das pe�as que adora, as roupas cor-de-rosa, os sapatinhos de salto, os brinquedos, os livros, os desenhos, a forma de andar, de falar, de pensar e de se expressar.
Paxton, uma doutora pela Universidade da Calif�rnia que leciona na unidade local da mesma institui��o e atende crian�as e adolescentes h� mais de 15 anos, lembra que, historicamente, a maioria dos meninos que gostam de se travestir ou de brincar com brinquedos de meninas crescem e se tornam homens gays. "Mas uma pequena porcentagem, e n�o sabemos qual � esse numero com precis�o, cresce como Danann", diz. "Suspeito que ela v� sempre se identificar como mulher, embora n�o d� para garantir. Ela se mostra coerente."
Danann diz que sempre teve certeza de que era menina. Por seis anos, essa certeza foi solit�ria.
Do momento em que a crian�a come�ou a se expressar at� seguirem a orienta��o da terapeuta e de m�dicos decidirem pela transi��o --passar a vesti-la e trat�-la como garota, sem interven��o cir�rgica--, seus pais, a instrutora de ioga Sarah, 40, e o policial Bill, 43, se viram envoltos em d�vidas.
O mais natural, os especialistas explicam, � os pais acreditarem que aquela insist�ncia em vestir-se e apresentar-se e comportar-se como algu�m do sexo oposto seja uma fase. E, sem evid�ncias f�sicas ou gen�ticas de que haja algo diferente com seus filhos, entender o que est� acontecendo com a crian�a torna-se ainda mais dif�cil.
"At� o aparecimento da internet, os pais de crian�as transg�nero tinham certeza de que eram os �nicos no planeta a enfrentar o dilema da varia��o de identidade de g�nero diante do sexo genot�pica, fenot�pica e bioquimicamente coerente do filho", escreve Norman Spock, endocrinologista do Hospital Pedi�trico de Boston e professor da Universidade Harvard, no pref�cio de "The Transgender Child" (a crian�a transg�nero, Cleis Press, 2008).
N�o h� estat�sticas confi�veis sobre quantas crian�as nos Estados Unidos (e menos ainda no mundo) sejam transg�nero. Na literatura especializada, m�dicos, psic�logos e soci�logos evitam palpites, ressaltando que, como n�o se permitem pesquisas populacionais a esse respeito (por exemplo, n�o h� pergunta sobre filhos transg�nero no Censo), muitos casos permanecem encobertos.
As tentativas de fazer a transi��o, como no caso de Danann, s�o relativamente recentes: nos EUA, ocorrem h� cerca de uma d�cada. A amostragem de adultos e jovens submetidos ao processo --que em crian�as e adolescentes de at� 16 anos n�o envolve procedimentos cir�rgicos e se baseia na quest�o da identidade-- n�o � suficiente para um estudo mais elaborado.
Um levantamento de 2011, feito pela escola de direito da Universidade da Calif�rnia em Los Angeles (UCLA) e muito citado, estima que 0,3% da popula��o adulta dos EUA, ou cerca de 700 mil indiv�duos naquele ano, seja transg�nero. Os n�meros se apoiam em pesquisas nos Estados de Massachusetts e Calif�rnia e em dados reunidos por institui��es ligadas � comunidade LGTB (l�sbicas, gays, transexuais e bissexuais).
Em "The Transgender Child", as autoras Stephanie Brill e Rachel Pepper citam especialistas que calculam o percentual de crian�as transg�nero no pa�s em 0,2% --mas alertam que o dado possa estar subestimado. A proje��o mais consensual diz que tr�s em cada quatro dessas crian�as sejam meninas transexuais (nascidas meninos). Como Danann, observa Cindy Paxton, elas costumam manifestar muito mais cedo o desconforto com o pr�prio corpo do que os meninos trans, os quais muitas vezes passam a inf�ncia como molecas e a adolesc�ncia como mulheres l�sbicas at� conclu�rem ser homens transexuais.
PERSPECTIVA
Nos �ltimos cinco anos, por�m, os casos de crian�as transg�nero t�m se tornado mais proeminentes. "Talk shows", programas de reportagens com grande audi�ncia e o notici�rio cotidiano deram visibilidade � quest�o e acabam ajudando pais como Sarah e Bill a ganharem perspectiva e compreenderem que seu caso est� longe de ser um fato isolado e intranspon�vel.
Neste ano, o caso da garotinha transg�nero Coy Mathis, 6, mereceu longos minutos na TV americana e manchetes em jornais e sites quando seus pais passaram a educ�-la em casa porque a escola onde estudava, no Colorado, proibiu-a de usar o banheiro feminino por consider�-la um menino.
H� duas semanas, Mark e Pam Crawford, da Carolina do Sul, abriram um processo contra o Estado porque seu filho adotivo, nascido com �rg�os reprodutivos femininos e masculinos, teve o p�nis e os test�culos removidos aos 16 meses, sob anu�ncia dos assistentes sociais respons�veis. Hoje, aos oito anos, a crian�a --adotada pelo casal ap�s o procedimento cir�rgico-- se manifesta como menino, e n�o como menina.
"Dos poucos arrependimentos que tenho, o que mais me incomoda � n�o ter sabido como lidar [com Danann] mais cedo", diz Sarah Tyler, que mant�m um grupo de apoio, o ShiftHappens (a transi��o acontece, um trocadilho com a express�o americana "shit happens", algo como "�s vezes, d� merda"), criado com uma amiga cuja filha adolescente, nascida homem, se matou.
Sarah e a amiga se conheceram em um semin�rio que a Igreja Unida em Cristo, frequentada pela m�e de Danann, organizou para informar os fi�is sobre o tema e para acolher os Tyler. De quatro pessoas no in�cio, o grupo que se re�ne uma vez ao m�s em Orange County hoje tem 38, incluindo pais ou irm�os de uma mesma crian�a ou adolescente.
Sarah repassa com frequ�ncia a imensa solid�o de descobrir aos poucos que seu filho ou filha tem uma incongru�ncia de g�nero --termo com que o novo DSM-5 substituiu o criticado "transtorno de identidade de g�nero" usado nas vers�es anteriores do manual de estat�stica e diagn�sticos da psiquiatria. Hoje o que sua filha tem n�o � considerado uma doen�a psiqui�trica, embora, como explica Cindy Paxton, o diagn�stico de transtorno muitas vezes seja exigido pelos seguros m�dicos americanos para cobrirem as despesas.
"Naquela �poca", lamenta a instrutora de ioga, n�o tinha nada sobre o assunto na internet. "Nunca tive amigos transg�nero. Tenho amigos gays, mais gays do que l�sbicas. Mas n�o transg�nero. Muito menos crian�as."
Foi, ent�o que, sem saber como as coisas foram dar naquela cena, ela viu Danann tentar se mutilar aos quatro anos. Sarah conta que o flagrou --a m�e ainda mistura os pronomes ao falar do passado-- com uma tesoura infantil nas m�os, o p�nis sangrando. "Tentando resolver sozinho o 'problema'", relembra. "Tirei a tesoura, ele n�o relutou. Liguei para a emerg�ncia. N�o sabia o que fazer."
O corte era superficial, mas a situa��o ia se tornando progressivamente assustadora para os Tyler. Meses mais tarde, no epis�dio que culminaria com a consulta a Cindy Paxton e a conclus�o, logo de cara, de que a crian�a era transg�nero, Danann tentaria se matar.
Naquela altura, Danann j� gostava de se fantasiar de personagens femininos e, na festa de Dia das Bruxas daquele ano, havia escolhido ser uma Southern Belle --as mo�as sulistas do s�culo 19 e in�cio do 20, das quais a personagem Scarlett OHara � o �cone maior. O pai achou que eram babados demais. A fase dos vestidos, disse Bill, precisava acabar.
N�o era o que Danann achava. A crian�a saiu arrastada pela m�e da loja de fantasias. Gritou, mordeu, chorou. No caminho de volta, batia com for�a a cabe�a no vidro do carro. "Ela dizia que queria morrer, e eu pensava a qual hospital dever�amos lev�-la", lembra Sarah.
Quando a m�e estacionou diante da casa, a crian�a saltou repentinamente e correu para o meio da rua. Um motorista freou, e, apavorado, pediu desculpas. Danann revidou com tapas e a pergunta: "Por que voc� freou? Eu quero morrer!"
ROMARIA
Depois disso, a romaria por psic�logos e psiquiatras se tornou intensa. Transtorno de deficit de aten��o e hiperatividade, bipolaridade: os diagn�sticos eram t�o variados quanto imprecisos. At� que, no Hospital Infantil de Orange County, um painel de psiquiatras, pediatras e endocrinologistas levantou a hip�tese de Danann ser transg�nero. "Meu marido queria saber o que diabos isso significava", diz Sarah, que, de sua parte, sentiu-se aliviada por descartar outro dos diagn�sticos aventados, o de esquizofrenia.
A suspeita foi confirmada depois pela psic�loga Cindy Paxton, mas para Bill Tyler (e de certa forma, para Sarah) a compreens�o do que a filha vivia s� viria mesmo com um document�rio de TV apresentado pela veterana Barbara Walters, "My Secret Self" (meu eu secreto) e levado ao ar em 2007.
No programa, a personagem central � Jazz Jennings, uma menina dois anos mais velha que Danann, tamb�m transg�nero e tamb�m segura de sua identidade. Jazz, hoje adolescente, tem p�gina no Facebook, sua pr�pria ONG para crian�as transg�nero (TransKids Purple Rainbow, algo como o "arco-�ris roxo das crian�as transg�nero"), e � convidada ass�dua de talk shows vespertinos.
Daniel Bueno/Folhapress | ||
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Ilustra��o de Daniel Bueno para a edi��o de 16 de junho da "Ilustr�ssima" |
"Foi uma revela��o", conta Sarah. "Essa garotinha tinha muita coisa igual � Danann, at� a queda por sereias [psic�logos atribuem a predile��o ao fato de as sereias serem femininas da cintura para cima e indiferenciadas da cintura para baixo]. Ficou �bvio que t�nhamos de fazer a transi��o."
No quarto de Danann n�o h� sereias, ao menos n�o vis�veis. H� uma pilha de livros sobre teatro e musicais. Em uma caixinha, ela guarda seus CDs preferidos. "Esse, do Fantasma da �pera, voc� j� ouviu? Eu adoro, adoro. � lindo."
Quase tudo no c�modo remonta a musicais e filmes cl�ssicos. "Quero trabalhar na Broadway" � a resposta imediata que Danann d� � pergunta que toda crian�a ouve in�meras vezes na inf�ncia.
Ela diz ter escolhido o que vai ser quando crescer aos cinco anos, ao ver "O Fantasma da �pera". No dia da visita da Folha, ensaiava para uma montagem amadora de "Annie", cl�ssico sobre uma garotinha �rf� dos anos 30. A hist�ria teve uma vers�o no cinema em 1982, 21 anos antes de Danann nascer. "Tamb�m gosto de desenhar. E de ler. Sou bem art�stica."
E de moda? "Eu gosto", diz, explicando aspectos dos figurinos das pe�as; conhece de cor os detalhes de diferentes montagens do musical Wicked, baseado em "O M�gico de Oz", de L. Frank Baum; mostra v�deos de maquiagem da pe�a e, num palco em miniatura, como uma casinha de bonecas, faz marca��es para os atores.
A curiosidade com que Danann enche o interlocutor de perguntas e o vigor com que fala de seus interesses cessa quando o assunto � sua vida de antes da transi��o. "A escola e as pessoas eram chatas."
Ap�s levarem-na � psic�loga, os pais decidiram tir�-la da escola particular de orienta��o luterana onde Danann estudava e onde, segundo a fam�lia, sofria bullying por querer usar pe�as de roupa mais femininas ("tops sob a camiseta, pulseirinhas; n�o vestidos", detalha Sarah). Na escola nova, um col�gio p�blico da regi�o, ela se apresenta como menina sob consentimento da dire��o. Ali, ela tem amigos e, se lhe perguntamos se est� feliz, consente com a cabe�a, sorrindo, antes de desconversar.
De todos os pertences que tomam seu quarto, o preferido � o p�ster com dedicat�ria de Ricki Lake, uma humorista que tem um "talk show" matutino e com quem, conta a m�e, a menina mant�m contato. Danann e Sarah foram duas vezes ao programa. "Eu adoro a Ricki", confirma a crian�a.
Ela tamb�m esteve no programa vespertino do jornalista Anderson Cooper, no ano passado. A apari��o rendeu cr�ticas e mensagens agressivas para Sarah, acusando-a de fazer aquilo com o filho.
DIVAZINHA
A professora de ioga diz que nunca quis ter uma menina. "Queria ser a rainha da minha casa, sozinha. E hoje tenho essa divazinha a�", brinca. "Mas � claro que nenhum pai pode fazer isso com um filho. Voc� n�o faz uma pessoa mudar de g�nero, n�o d�. Isso � ela. � Danann."
De nome, ali�s, ela n�o precisar� trocar. O que os pais escolheram antes de ela nascer, de origem ga�lica, em conson�ncia com a ascend�ncia irlandesa da fam�lia, � unissex. Remete ao "Tuatha d� Danann", povo da divindade Danu, esp�cie de m�e dos deuses e da terra na mitologia celta. O nome, conta Sarah, "pode ser traduzido tamb�m como crian�a de Deus ou crian�a das fadas, conforme a vers�o. Combina mais com ela do que eu poderia imaginar."
Sarah e Bill t�m outro filho, William James, dois anos mais velho que Danann. Mais reservado, o adolescente conhecido como Jamie quando pequeno passou a pedir para ser chamado de James, nome mais m�sculo, quando a irm� fez a transi��o. Hoje ele se apresenta como Will e parece entediado com a aten��o dispensada a Danann. "Mas ele a defende, e os dois se d�o bem", avalia a m�e.
Com o resto da fam�lia, a rela��o n�o � t�o natural. A m�e e a av� de Sarah, que a criaram, aceitaram a transi��o de pronto. Seu pai e sua av� paterna nunca entenderam o processo, e a fam�lia rompeu. Os pais de Bill mant�m contato, mas evitam encontrar a neta.
Danann est� sendo monitorada pela endocrinologista pedi�trica Susan Clark, do Hospital Infantil de Orange County, para detectar o in�cio da puberdade.
Por decis�o da fam�lia, dos m�dicos e sobretudo da pr�pria crian�a, Clark vai usar inibidores hormonais para "frear" o desenvolvimento das caracter�sticas sexuais secund�rias --voz grossa, pelos, pomo-de-ad�o. � como apertar um bot�o de pausa, para atenuar o dimorfismo sexual (a diferen�a de caracter�sticas f�sicas b�sicas, como altura) e permitir que, aos 15 ou 16 anos, Danann possa decidir se quer continuar a transi��o ou manter o sexo com o qual nasceu.
REVERS�VEL
"Tudo feito nessa idade tem de ser revers�vel; isso � fundamental", enfatiza a psic�loga Paxton. O processo, diz, s� pode ser iniciado depois do diagn�stico, e o diagn�stico implica descartar todas as possibilidades de transtornos psiqui�tricos. "A crian�a, por exemplo, n�o pode ter del�rios; tem de ter conex�o com a realidade." A terapeuta explica que a conclus�o apontada deve ser de que se trata de uma crian�a t�pica, cuja �nica incongru�ncia � estar no corpo errado.
Depois dos supressores, que Danann tomar� por toda a vida caso se mantenha na sua decis�o, ela poder�, j� adolescente, receber horm�nios femininos --estr�geno, essencialmente-- para desenvolver seios e outras caracter�sticas das mulheres. N�o se fala ainda na eventual cirurgia de mudan�a de sexo --ou de confirma��o de sexo, no jarg�o dos ativistas (eles tamb�m preferem os termos "disforia de g�nero" e "vari�ncia de g�nero" em vez de incongru�ncia, embora a WPath, maior associa��o m�dica de sa�de transexual, tenha visto a recente mudan�a no DSM como um progresso).
Em mais de quatro horas de conversa, apenas uma vez --ao falar das contas da casa-- Sarah mencionou um fundo de cirurgia de Danann, encadeando-o com um "fundo para a faculdade".
Nos EUA, a legisla��o quanto � quest�o cir�rgica e o custo das opera��es variam conforme o Estado; h� casos de adolescentes de 16 anos que passaram pelo processo. Os valores sobem segundo o grau de interven��o; mas, em geral, a retirada do p�nis, com a cria��o de uma vagina revestida com partes do �rg�o masculino e mais algumas cirurgias pl�sticas complementares, � estimada em US$ 50 mil (R$ 107 mil), parcialmente cobertos por alguns seguros-sa�de.
Em mar�o, a administra��o do Medicaid --o programa de assist�ncia m�dica para a popula��o mais pobre mantido pelo governo federal norte-americano-- chegou a anunciar que abriria um debate p�blico sobre a cobertura da cirurgia, mas recuou ap�s 24 horas, preferindo examinar a quest�o em um procedimento interno sem participa��o popular.
No Brasil, o SUS cobre a opera��o, que h� dois meses passou a poder ser realizada a partir dos 18 anos, em vez de 21 --o tratamento hormonal pode ser iniciado aos 16.
Sarah especula sobre como ser�, no futuro, a apar�ncia de Danann, sua aceita��o e sua integra��o � sociedade.
Apesar de haver uma tradi��o de respeito e admira��o por pessoas como Danann em algumas comunidades ind�genas dos EUA --� semelhan�a do que acontece na Tail�ndia, onde transexuais s�o vistos como uma alma elevada que alia ambos os sexos (e onde as cirurgias de mudan�as de sexo s�o oferecidas em panfletos distribu�dos nas ruas)--, a sociedade americana ainda as v�, em geral, como estranhas, mesmo na comunidade ativista gay e l�sbica. A pr�pria Sarah perdeu o emprego em uma proeminente academia de ioga ap�s levar os filhos ao trabalho, em um dia sem bab�, e uma das alunas incomodar-se com a crian�a transexual.
Casos em que a pessoa transg�nero � proibida de usar o banheiro destinado ao sexo com o qual se identifica t�m proliferado, mas a expectativa dos envolvidos � que a exposi��o leve � informa��o e � aceita��o. Danann n�o tem tido esse problema, mas foi expulsa do grupo de bandeirantes ap�s descobrirem que ela nascera menino.
Nos momentos em que visualiza o futuro de Danann com mais otimismo, Sarah cita o exemplo de Christine McGinn. Hoje cirurgi� pl�stica especializada em mudan�a de sexo, McGinn, nascida homem, foi membro da Marinha americana e cirurgi�o de bordo em duas miss�es da Nasa. "A dra. McGinn, voc� precisa ver, � linda. N�s a conhecemos na grava��o do document�rio 'Trans', e ela disse que, se Danann quiser, far� todo o poss�vel por ela [em termos de cirurgia] no futuro."
Entre seus planos para a Broadway, suas certezas espantosamente maduras para a idade e o que conseguiu at� agora, Danann n�o se enxerga de outra forma, no futuro, que n�o como mulher.
Sua sexualidade ainda n�o se manifestou, e n�o � poss�vel saber, ainda, qual a sua orienta��o. Paxton e outros estudiosos explicam que o vasto espectro da orienta��o sexual nem sempre est� ligado � identidade de g�nero (no passado, chegou-se a descrever os transexuais como homof�bicos radicais: pessoas que sentiam atra��o sexual e afetiva pelo mesmo sexo, mas n�o aceitavam esse sentimento e, por isso, achavam que seu sexo biol�gico estava "errado").
Neste momento, Danann n�o se interessa por meninos. Para ela, garotos "s�o muito chatos". Por causa do ativismo, tem duas amiguinhas trans, de sete e nove anos. Sarah, por�m, diz que transexualismo nunca � um assunto mencionado entre elas. "Quando se encontram, s�o apenas menininhas brincando."
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