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Antonio Prata

Autocontrole

Que �poca bunda-mole esta nossa! Elegemos como principal virtude justo a mais med�ocre

FAZ MAIS ou menos um m�s, ouvi uma mulher dizer que nunca iria a uma nutricionista gorda. Semanas depois, um amigo demonstrou preocupa��o ao descobrir que seu psicanalista fumava. Segundo eles, ao que parece, n�o pode cuidar da dieta ou da ansiedade alheia quem n�o controla os pr�prios impulsos.

Ah, que �poca bunda-mole a nossa! Elegemos como principal virtude justo a mais med�ocre: o autocontrole. Foi-se o tempo em que o her�i era aquele capaz de romper as amarras sociais, morais, hist�ricas. De enfrentar o mundo em nome de um ideal ou de dar um piparote nas sentinelas do superego em busca de seu eu profundo.

O Super-Homem atual � o que, avaro com os prazeres, melhor consegue inserir-se nos escaninhos dispon�veis do mundo. � um profissional bem-sucedido e com barriga de tanquinho. Seus feitos n�o ser�o medidos pelas marcas deixadas na hist�ria, mas pelo extrato da conta banc�ria e pela taxa de colesterol.

N�o falo de fora. Sou filho da �poca, tamb�m tento enquadrar-me neste an�dino "zeitgeist", de sonhos t�o mirrados como as cinturas de nossas divas: sou funcion�rio esfor�ado, corro na esteira, acredito nos poderes milagrosos da quinua. Quando ponho a cabe�a no travesseiro, contudo, envergonho-me e lamento a grandeza perdida.

Outrora busc�vamos a nascente do Nilo, a verdade �ltima das coisas, nos met�amos no mato sem cachorro, em mares nunca dantes navegados, nos entreg�vamos a amores e subst�ncias proibidas atr�s de para�sos naturais ou artificiais. Agora, aqui estamos n�s, usando 30 s�culos de conhecimento acumulado para vender mais pasta de dentes, mais jornais, empenhados em descobrir como fazer dez arruelas ao custo de nove e receber uma promo��o; aqui estamos n�s, reinando sobre a natureza, mas comendo barrinhas de cereais.

Onde foi que n�s erramos? Em que beco escuro do s�culo 20 um Mefisto chinfrim sussurrou em nossos ouvidos que alcan�ar�amos a vida eterna caso abr�ssemos m�o de nossos cora��es em nome do "sistema cardiovascular"? Que bizarra invers�o foi essa que nos fez acreditar que a fun��o das comidas � facilitar o trabalho do sistema digestivo, e n�o que a fun��o do sistema digestivo � lidar com nossas comidas? Desculpem por ser chulo, caro leitor, mas eis a ambi��o de nossa triste humanidade: fazer um coc� durinho.

Veja, acho bom que haja campanhas contra o cigarro. Que o exerc�cio f�sico venha se tornando um h�bito mais e mais comum. A vida � curta e preciosa demais para que a atravessemos com pigarro e sem f�lego. Mas � curta e preciosa demais tamb�m para ser gasta nesta liberdade (auto) vigiada, em que o prazer e a poesia s�o drenados a cada dia pelos ralos da efici�ncia.

N�o creio em nada para al�m do �ltimo suspiro, mas fic��o por fic��o, sou mais Dion�sio, S�o Francisco e Ogum do que esse culto desvairado pela bicicleta ergom�trica, o Excel e a fenilalanina.

Bichos burros! Indo do ber�o ao t�mulo agarrados �s certezas mais tacanhas e permitindo-nos o m�nimo de prazer, o grande legado de nossa �poca ser� bel�ssimos, saudabil�ssimos cad�veres -injusti�a, ali�s, com as minhocas, que n�o est�o preocupadas com o colesterol nem com suas anel�deas silhuetas.

antonioprata.folha@uol.com.br
@antonioprata

AMANH� EM COTIDIANO
Pasquale Cipro Neto

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