Usem camisinha! Repetimos desde que sugiram os primeiros casos de Aids. Vale a pena insistir nessa mensagem? Claro, mas sejamos realistas: a maioria dos homens não usa.
Nos anos 2010, foi realizado um estudo internacional que propôs uma estratégia de prevenção (PReP), baseada na administração diária de um comprimido contendo dois antivirais: tenofovir e encitrabina —que daqui em diante chamaremos de TE.
Os resultados foram impressionantes: comparados ao grupo tratado com placebo (comprimido inerte), os que tomaram o comprimido de TE tiveram redução de mais de 90% no risco de infecção pelo HIV.
Os números atingiram tal significância que a OMS passou a considerar a PReP, a estratégia de prevenção ideal para as populações que correm risco mais alto de contrair o HIV. Hoje, ela é adotada pelo SUS e por mais de 70 países.
No mundo real, entretanto, ter que tomar um comprimido todo dia é problemático. Primeiro, por causa do estigma, do risco de provocar violência por parte dos parceiros, dos familiares e da comunidade.
Depois, por razões biológicas: a concentração das duas drogas é mais alta na mucosa retal do que na vaginal, condição que obriga as mulheres a seis ou sete tomadas semanais para adquirir proteção máxima, enquanto os homens que fazem sexo com homens já atingem esse grau de proteção com quatro ou cinco tomadas.
Então, o laboratório inglês ViiV desenvolveu o cabotegravir. Trata-se de um inibidor da integrase do HIV, enzima necessária para que os genes do vírus consigam se integrar ao DNA das nossas células. É um medicamento seguro, bem tolerado, capaz de manter sua ação inibitória por oito semanas, contadas a partir de uma injeção de 600 mg pela via intramuscular.
Em maio deste ano foi publicado na revista The Lancet o estudo HPTN 084, que recrutou mulheres de 18 a 45 anos, em 20 centros de pesquisas clínicas de países situados na região abaixo do deserto do Saara —Botsuana, Quênia, Maláui, África do Sul, Zimbábue, Eswatini e Uganda.
Nesse estudo fase três, as participantes precisavam ter história de pelo menos duas relações com penetração vaginal nos últimos 30 dias, fazer uso de método de contracepção de longa duração e serem enquadradas no grupo de risco alto para contrair o HIV, de acordo com um escore de avaliação.
As participantes foram divididas em dois grupos. O primeiro foi formado por 1.586 que receberam uma injeção IM de cabotegravir a cada oito semanas, acompanhada de um comprimido de placebo por dia. No segundo grupo, 1.592 mulheres tomaram um comprimido por dia de TE e uma injeção de placebo (soro fisiológico) a cada oito semanas. Nem os médicos nem as participantes sabiam quem tomava
placebo ou o medicamento injetável ou o oral (duplo cego).
De janeiro de 2017 a novembro de 2020 ocorreram 40 infecções pelo HIV: quatro delas no grupo que recebeu cabotegravir; 36 no grupo tratado com TD. Portanto, o cabotegravir reduziu 88% do risco em relação às que tomaram um comprimido diário de TE.
A essa altura o estudo foi interrompido por já ter alcançado significância estatística. Conclusão: na prevenção, agora contamos com uma droga que, injetada a cada dois meses, é capaz de diminuir quase 90% de um risco que já era baixíssimo, com a administração de um comprimido diário da associação de tenofovir e encitrabina.
Os resultados do HPTN 084, combinados com os do estudo HPTN 083, realizado anteriormente entre homens que fazem sexo com homens —que apresentou resultados semelhantes—, permitem concluir que, pela eficácia e facilidade de administração, o cabotegravir vai revolucionar o campo da prevenção à Aids.
O problema é que cada dose de cabotegravir custa US$ 3.700, nos EUA, preço que inviabiliza seu uso em quase todos os países.
A ViiV promete comercializá-lo sem lucro para os países mais pobres da África. Associações como a Clinton Health Access Initiative estimam que os fabricantes de genéricos seriam capazes de produzi-la a US$ 20. Outras sugerem que a dose deveria custar US$ 60 para atrair o interesse dos fabricantes de genéricos.
E o Brasil? O Brasil não é candidato a se beneficiar da redução de preço. Já vivemos essa situação em 1995, quando foi desenvolvido o chamado "coquetel anti-HIV". Naquela época, negociamos com as farmacêuticas, e até quebramos patentes, mas os brasileiros receberam os medicamentos pelo SUS.
Naquela época...
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