Gilmar Mendes baixou em Bruno Dantas, ministro do Tribunal de Contas da União (TCU). Dias atrás, em decisão monocrática, Dantas determinou que a lei que ampliou o Benefício de Prestação Continuada (o BPC, auxílio financeiro que atende grupos vulneráveis da população, como idosos e pessoas com deficiência) não tem eficácia até que se cumpram os requisitos financeiros previstos na Constituição.
A decisão tem cara de controle de constitucionalidade, tem fundamento de controle de constitucionalidade, tem efeito prático de controle de constitucionalidade, mas ganhou licença poética em contabilês: “controle da regularidade da execução da despesa”. E ainda exalou o aroma da soberba monocrática, aquele senso de indiferença ao plenário sob pretexto da urgência da decisão.
Há três questões principais que permeiam o episódio. Não se misturam: primeiro, se o Congresso, ao expandir o BPC, foi responsável do ponto de vista fiscal; segundo, se o TCU pode vestir chapéu de STF e controlar a lei; terceiro, se um ministro do TCU, sozinho, pode fazê-lo (e prevalecer sobre o voto de 302 deputados e 45 senadores).
A primeira suscita debate sobre contas públicas e seguridade social. A resposta não tem relevância para as outras duas, que demandam atenção urgente. O risco de fundo é o Tribunal de Contas da União se converter em Tribunal de Controle Universal, aquele que bota a mão na cumbuca de qualquer outro ente estatal a título genérico de proteção do erário público. É nessa direção que tem caminhado nos últimos tempos.
O TCU é órgão auxiliar do Congresso Nacional e tem dever de fiscalizar as contas da União. Isso se desdobra em múltiplas competências específicas. Nos últimos anos, o tribunal se agigantou para além do que se entendia ser sua missão constitucional.
O movimento ocorreu sem clareza de critérios, consistência e previsibilidade. Decisões casuísticas passaram a gerar paralisia em administradores e ineficiência na gestão pública.
No campo da regulação econômica, por exemplo, o TCU tem se colocado como instância revisora de agências reguladoras setoriais (como telecomunicações), desenhadas para ter autonomia em relação a interesses do Estado, de empresas e de usuários. Ao se fazer uma superagência reguladora multissetorial, sem clara previsão constitucional, e sem oferecer segurança jurídica, tornou contratos públicos mais custosos, não o contrário.
No campo do combate à corrupção, entrou em queda de braço com a Controladoria-Geral da União e com o Ministério Público Federal na celebração de acordos de leniência, que permitem a empresas infratoras colaborar na investigação de corrupção. Ajudou a colocar em xeque a lógica do instrumento.
O TCU começa agora a dar passos mais contundentes e estabanados no controle da própria lei. Vai construindo um perfil institucional que lembra o STF, com o requinte da arbitrariedade individualista. Mas é pior.
Ao contrário do STF, o TCU está longe dos holofotes públicos. A falta de transparência e escrutínio da nomeação de ministros, o obscurantismo de agenda e a inexistência de canais de participação abrem avenidas largas para o abuso de poder. Até o método de distribuição de casos a relatores é esotérico. Compromete imparcialidade e facilita conflito de interesses.
No caso da lei do BPC, bastou a representação de secretário do Ministério da Economia, em vez de agente de maior calibre do governo, para provocar decisão de tamanha envergadura institucional.
Por razão desconhecida, o governo preferiu não ir ao STF. Enxergou no TCU um atalho. Não precisou mobilizar o presidente e sua máquina jurídica, bastou um secretário de ministério. Percebeu que, sem os mesmos ônus de argumentação, e sem expor-se ao STF, havia oportunidade pouco explorada para o governo se sobrepor a decisão do Congresso ali mesmo, num órgão do próprio Congresso.
O TCU é um animal político em fase de crescimento. Com fachada de tribunal, pose de tribunal, mas sem sua arquitetura e visibilidade. Tem feito o que não pode e ido aonde não deve. Melhor Congresso e STF ficarem ligados.
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