Robert Smith, da banda inglesa The Cure, finalmente assumiu a cabeleira branca.
Sua cabeleira preta, espetada para o alto, foi um ícone. Inspirou o diretor italiano Paolo Sorrentino a criar o protagonista do filme "Aqui É O Meu Lugar" e o artista Neil Gaiman a criar o visual de sua consagrada HQ "Sandman". Imitada por uma geração de jovens, seu corte de cabelo parecia imortal.
Agora já era. Foi um rio que passou em minha vida.
Ser um fã do The Cure, uma banda tão branca, sendo uma pessoa preta, não é tão complicado quanto parece. O som da banda é todo mourisco, todo preto, harmonia, escalas árabes de todos os solos, as baterias tribais dos primeiros discos, Andy Anderson, o incrível o baterista preto do psicodélico álbum "The Top".
Para pessoas brancas, ser fã de Paulinho da Viola é mais do que fácil. É inevitável.
Pegue a letra de "Dança da solidão", do portelense, e traduza para o inglês. Compare-a com os versos góticos mais depressivos de Robert Smith.
Compare o arranjo da introdução da versão de Paulinho para "Nervos de aço", de Lupicínio Rodrigues, e o que Lou Reed fez na intro de "There she goes again", do Velvet Underground.
Né? Pois é. Seguimos.
Paulinho sempre assumiu seus cabelos brancos.
Para a cultura preta, ao contrário dos valores construídos por uma Europa colonizadora (ler "A História da Beleza" e "A História da Feiúra", ambos de Umberto Eco) cabelos brancos são motivos de orgulho.
Só os têm quem venceu a vida.
Envelhecer, para as culturas pretas, significa vencer a vida.
Por isso nos consultamos com pais e mães de santo, todos de "cabeça branca". A sabedoria está na cor prata dos fios de cabelo que ganhamos com o tempo.
As imagens de Robert Smith e seus novos cabelos brancos correram o mundo e caíram como uma bigorna na cabeça dos fãs, a maioria na faixa dos 30 e 60 anos.
Perceberam o óbvio. O tempo passa. Foram às redes sociais reclamar que envelheceram duas décadas a cabeça branca de Smith.
E sofreram. "Envelheci!"
Quando deveriam estar comemorando. "Envelheci!"
Tudo errado.
É por isso que todos os movimentos de descolonização do mundo são movimentos que estão aí para consertar o mundo.
"Desbranquecer" o mundo é, hoje, consertá-lo.
Entre tantas benesses, nos fazer perder o medo de envelhecer. Nem da inexorabilidade da passagem do tempo.
"Desbranquecer" o mundo é fazer-nos comemorar quando os cabelos por cima de nossa cabeça tornarem-se... brancos.
Consciência negra, cabeça branca.
Boys don´t cry.
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