Ciclocosmo

Um blog para quem ama bicicletas

Ciclocosmo - Caio Guatelli
Caio Guatelli

Apaixonado por ciclismo, deu exemplo de alegria e disposição

Josué Rodrigues Junior realizou o sonho de pedalar ao lado de profissionais

O ano era 2017, e da sua casa, o técnico de informática Josué Rodrigues Junior tinha uma vista privilegiada da rodovia Anhanguera —um vai e vem de veículos barulhentos que nunca mereceu admiração da vizinhança, pelo contrário.

Mas Juninho, como era chamado o homenzarrão de quase dois metros de altura, e cento e tantos quilos, gostava de madrugar para fixar os olhos na estrada. Sua alegria era esperar por um fenômeno que, em meio a tanta fumaça de óleo diesel, era desprezado pela maioria dos moradores daquela região da cidade de São Paulo.

O técnico de informática Josué Rodrigues Junior pedalando nas estradas perto de sua casa, em São Paulo

De longe ele identificava o movimento sincronizado do grupo de ciclistas, que irremediavelmente surgia às 6h, ofuscado por uma mistura de luz da aurora com o brilho de múltiplos faróis de neblina. A imagem das bicicletas enfileiradas se aproximando, entrecortada pelo caótico movimento dos outros veículos, produzia em Juninho sensações nunca experimentadas.

Ele queria estar ali, no meio daquele grupo excêntrico e colorido que contrastava com a fuligem cinza da metrópole. Devia se sentir como uma criança ao assistir o carnaval pela primeira vez. Aquela dança de lycra neon sobre bicicletas ornamentadas com pisca-piscas, quase engatadas umas às outras, era como uma cauda de cometa cruzando o horizonte da melancólica periferia.

Foi uma questão de tempo até Juninho tomar coragem. Equipou sua velha Barra Forte com um par de luzinhas, comprou um capacete furta-cor, subiu ao ponto mais alto da Anhanguera e tentou descer embalado pela gravidade, lado a lado aos encantadores marcianos que por ali passavam no finzinho de cada noite.

Sua primeira experiência foi em 2018, aos 34 anos. O contato com os desconhecidos foi meio desengonçado e não durou um minuto. Antes mesmo de cruzar os limites do próprio bairro, Juninho foi deixado para trás pelo colorido pelotão de etês.

Para tentar novamente, além de comprar uma bicicleta mais adequada, Juninho fez um trato com o padroeiro do bairro; pagou todos os seus pecados com meses de treinamento duro no Pico do Jaraguá (montanha mais alta da cidade, pertinho de sua casa). Em menos de um ano já conseguia acompanhar o ritmo alucinante de seus ídolos por quase cinco quilômetros. Já era capaz de segui-los do Parque São Domingos até o Jardim Santa Fé. Entrava em êxtase cada vez que ia um pouco mais adiante…

Em 2020, após uma dedicação fora do comum, foi convidado a participar do seleto clube de ciclismo que era fã. Ao invés de esperá-los na beira da pista para embalar na descida às 6h, passou a encontrá-los diariamente às 5h30, a 15 km dali, na "sede" do clube, a Praça Panamericana. De lá, se acostumou a seguir por centenas de quilômetros com seus novos amigos, colorindo e enfeitando as estradas por onde passava.

Ontem, 11 de julho de 2024, aos 40 anos, Juninho se ajeitou, vestiu suas alegorias mais caprichadas e, como já era de seu costume, pegou a estrada antes do sol raiar. Por volta das 6h10, sem perceber, já tinha superado a mais dura de todas as montanhas. Passou das nuvens e engatou em outro pelotão, dos deuses do ciclismo.

Neste momento nos ilumina, é uma cauda de cometa.

Josué Rodrigues Junior deixou mulher e filha.

O velório acontece a partir das 10h desta sexta-feira (12), no Cemitério Parque das Garças, Estrada dos Romeiros, km 43,5 — Santana de Parnaíba — SP.

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