BNDES tem alta no lucro, mas pressiona TCU e manda recado a governadores e bancada ruralista
Banco diz que terá de cortar empréstimos a estados e setor agrícola caso não consiga aval do tribunal para reprogramar devolução ao Tesouro
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O BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) teve alta de 21,3% no lucro líquido no terceiro trimestre de 2023, ante igual período do ano passado, enquanto os desembolsos para investimentos na economia cresceram 18,4% no mesmo intervalo de comparação.
Os dados constam em balanço divulgado pela instituição nesta sexta-feira (17). Apesar dos números positivos, a direção do banco estatal dedicou parte da apresentação para traçar um cenário mais pessimista caso não consiga alongar suas transferências ao Tesouro Nacional.
Como mostrou a Folha, a área técnica do TCU (Tribunal de Contas da União) recomendou a rejeição do pedido do BNDES para rever o cronograma de devolução de repasses feitos pelo Tesouro –considerados irregulares– em gestões anteriores do PT.
O banco pretende dividir em oito parcelas anuais, até 2030, os R$ 22,6 bilhões que tem de devolver à União neste mês de uma só vez. O objetivo é manter valores em caixa para permitir a concessão de novos empréstimos sem o risco de precisar captar recursos no mercado, com custo maior para a instituição. O tema ainda deve ser analisado pelo plenário do TCU.
"Se tivermos de fazer uma antecipação de R$ 22,6 bilhões agora, qual é a providência que vamos ter de tomar, que evidentemente impacta a liquidez do banco? Teríamos que retardar aprovações, desacelerar e cortar desembolso", disse Aloizio Mercadante, presidente do BNDES, em entrevista nesta sexta.
Mercadante também mandou um recado a governadores e à bancada ruralista no Congresso, caso o banco não consiga o resultado desejado junto ao TCU.
"Temos, por exemplo, R$ 19,4 bilhões para governadores. Faz sentido o país parar metrô, estrada, investimentos estruturantes do governo do Estado para fazer uma antecipação que não tem nenhum impacto sobre o orçamento público?", questionou.
"Se isso for feito, vamos ter de suspender crédito para a agricultura. Já estou avisando antecipadamente à bancada ruralista. Vai ter de cortar."
O presidente do banco avaliou que existe base técnica para a reprogramação dos pagamentos e procurou destacar que o BNDES conta com o respaldo do Ministério da Fazenda nesse pedido.
"A economia está desacelerando. O BNDES tem o papel de fazer uma política anticíclica", declarou Mercadante, que disse confiar em um desfecho positivo junto ao TCU.
Lucro de R$ 2,9 bilhões
Conforme o balanço, o lucro líquido recorrente do banco foi de R$ 2,9 bilhões no terceiro trimestre, o que corresponde à alta de 21,3% ante igual período do ano passado.
O indicador desconsidera eventos considerados pontuais, que não tendem a se repetir. "O BNDES aumentou o resultado recorrente na sua atividade principal, que é crédito, intervenção financeira. Isso é bastante relevante", afirmou Alexandre Abreu, diretor financeiro do banco.
O lucro líquido contábil, que vai além de fatores usuais, foi maior, de R$ 4,9 bilhões, no terceiro trimestre. Esse resultado teve impulso dos dividendos da Petrobras.
"Não consideramos [os dividendos da estatal] no lucro recorrente porque eles têm sido grandes e achamos que no futuro tendem a diminuir", apontou Abreu.
Os desembolsos, por sua vez, somaram R$ 34,8 bilhões no terceiro trimestre, o que representa o aumento de 18,4% ante igual período de 2022. São recursos destinados a diferentes setores da economia.
A alta dos desembolsos está em linha com a política defendida pelo governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que vê a necessidade de aumentar o papel do BNDES como financiador de grandes projetos.
"O objetivo do banco não é o lucro. O objetivo é fazer o país crescer, financiar o crescimento", disse Mercadante.
Banco tenta chegar a 2% do PIB
O BNDES indicou nesta sexta que prevê desembolsar montante equivalente a 1,1% do PIB (Produto Interno Bruto) em 2023. A partir daí, a instituição elaborou três cenários.
Em um horizonte mais conservador, com restrições de liquidez, o plano é manter o patamar de 1,1% até 2026. No cenário intermediário (base), o percentual subiria gradualmente a 1,4% no mesmo período.
Por fim, a visão mais otimista estima desembolsos equivalentes a 2% do PIB em 2026. Essa projeção já havia sido apresentada pelo banco em março. Segundo o BNDES, seria a volta ao patamar verificado em uma média do passado, antes do impulso a financiamentos nos governos Lula e Dilma Rousseff (PT).
"O objetivo de chegar a 2% do PIB continua, mas não depende só do banco. Depende de haver demanda", afirmou Nelson Barbosa, diretor de planejamento e estruturação de projetos do BNDES.
"Quem vai dizer qual cenário será mais factível serão as ações do banco, mas principalmente a evolução da economia e a disponibilidade ou não de alternativas de captação."
Desembolso à indústria sobe, mas setor segue atrás do agro
De janeiro a setembro de 2023, os desembolsos do BNDES chegaram a R$ 75,4 bilhões. O valor corresponde a uma alta de 19,9% ante igual intervalo de 2022.
Nesse mesmo recorte, os financiamentos cresceram para os quatro grandes setores da economia analisados (infraestrutura, agropecuária, indústria e, juntos, comércio e serviços).
Na indústria, os desembolsos alcançaram R$ 16,7 bilhões de janeiro a setembro, o que representa uma alta de 34%. Foi o maior crescimento relativo entre os setores.
A atual direção do BNDES vem insistindo na ideia de que é preciso fornecer mais crédito para as fábricas como parte de um esforço para "reindustrializar" o país.
Mesmo com o aumento, a indústria ainda recebeu menos dinheiro do que a agropecuária, estimulada em 2023 pela safra recorde.
No acumulado de janeiro a setembro deste ano, esse segmento obteve R$ 18,3 bilhões em desembolsos do BNDES, alta de 23,1%. Considerando o período de nove meses, a última vez em que a indústria superou a agropecuária ocorreu em 2017.
O setor de infraestrutura segue como o principal alvo dos recursos. No acumulado deste ano, recebeu R$ 28,2 bilhões em desembolsos, um avanço de 7,2%.
Em comércio e serviços, o montante foi de R$ 12,3 bilhões no mesmo período. O crescimento alcançou 31,8% ante 2022.
Mercadante voltou a afirmar que a maior parte dos recursos de crédito do BNDES (cerca de 82%) não é subsidiada. "Onde tem [subsídio] é no Plano Safra."
Venda de ações
O presidente ainda declarou que o BNDES pode vender ações de sua carteira, desde que haja retorno para a instituição. "Não vamos queimar capital do banco. Defendemos aquilo que é patrimônio público. Em empresas maduras, podemos vender as carteiras, evidentemente, mas no momento que traga retorno", disse.
Como mostrou a Folha, o BNDES mantém investimentos correspondentes a cerca de R$ 60 bilhões em ações de grandes companhias da Bolsa, enquanto o país discute investimentos.
Embora o dinheiro com a venda de papéis não possa ser usado para ajudar o governo a alcançar resultado fiscal, o recurso poderia ser destinado a linhas de financiamento do banco para fomentar infraestrutura, por exemplo.
"Alguém ganhou, e parece que quer ganhar de novo, mas não com essa diretoria. Quem vai ganhar é o Tesouro, o povo, o BNDES", disse Mercadante.
O balanço ainda apontou que a taxa de inadimplência ficou em 0,01% em 30 de setembro de 2023. É o mesmo percentual de 30 de junho e está abaixo da marca de 0,13% em 31 de dezembro de 2022.
"Essa taxa permanece expressivamente inferior à inadimplência do Sistema Financeiro Nacional (3,49% geral e 1,33% para grandes empresas), comprovando que o BNDES não sentiu os efeitos da piora do mercado de crédito em sua carteira própria e indireta", disse a instituição em nota.
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