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As melhores cidades para viver em Portugal

Susana Lúcio 03 de julho

Segurança para passear à noite na rua em Braga, inovação tecnológica e tranquilidade no Fundão, viver, trabalhar e divertir-se num raio de 15 minutos em Lisboa e assistir ao mais bonito pôr do sol em Alcochete. Estes são alguns dos motivos que levaram famílias a fixarem-se nas melhores cidades para viver em Portugal.

Bruno Fernandes deixou Cabeceiras de Basto, onde cresceu, para ir estudar para a Universidade do Minho, em Braga, em 2009. Não saiu mais. “Cabeceiras de Basto tem pouca oferta de emprego qualificado”, justifica. “Para um engenheiro informático como eu, não há nada”, garante. Ana Bela Campos fez o mesmo caminho: estudou Bioquímica na Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, em Vila Real e fez o doutoramento em Neurociências em Braga. “Ficámos e foi a melhor coisa que fizemos”, garantem os dois.

O casal vive na cidade que surge no pódio em quase todos os estudos nacionais sobre qualidade de vida. Braga foi mesmo a única cidade portuguesa a entrar no ranking das 10 cidades europeias com habitantes mais felizes, elaborado pela Comissão Europeia em 2023. Baseado em 71.153 entrevistas, o Relatório Sobre Qualidade de Vida nas Cidades Europeias avaliou a limpeza, o emprego, transportes públicos, qualidade do ar e segurança. Aliás, nesta última categoria, Braga é a terceira cidade da Europa mais segura para famílias com crianças pequenas e a 9º mais segura para caminhar à noite.

Bruno Fernandes e Ana Bela Campos não têm filhos, mas passeiam a cadela pelas ruas da freguesia de São Vítor, onde vivem, a 1,5 quilómetros do centro, à noite sem receio. “Às vezes chegamos tarde a casa, pela 1h da manhã, e nunca me senti insegura”, diz Ana Bela Campos.

Francisco Borges e a família no Jardim Botânico do Porto, bem perto de onde vivem



Viver em Braga foi uma opção também profissional. Foi aqui, na Startup Braga, que os dois conseguiram apoio para fundar a Pluggable.AI, um sistema de notificação que usa a Inteligência Artificial e sensores no telemóvel para identificar o momento em que o utilizador está mais recetivo a receber notificações. “Se não tivesse sido lançado o programa Empreender@Braga, não existia a Pluggable.AI”, garante Bruno Fernandes. Têm projetos com o Sporting Clube de Braga e com a Sonae. Estão instalados na gnration, o antigo quartel da GNR que foi renovado para servir de incubadora para startups. Fica apenas a dois quilómetros de distância, pouco mais de cinco minutos de carro. “Devíamos ir a pé, até porque temos ciclovias”, diz Bruno Fernandes. “Não há trânsito, pelo menos, comparável com o de Lisboa e do Porto”, acrescenta.

De facto, Braga está no ranking das cidades europeias onde mais se usa o carro: 70% da população usam-no todos os dias, quando a média europeia é de 48%. “É o nosso maior desafio”, diz à SÁBADO o presidente da autarquia Ricardo Rio. “Temos projetos para mudar a mentalidade do carro como estatuto social, como o School Bus, com autocarros escolares em todas as escolas para evitar que os pais tenham de levar os filhos à escola”, explica. Também incentivam as crianças que vivem perto da escola a percorrerem o caminho a pé acompanhados por adultos, com o PediBus, e de bicicleta.

“40% da população do concelho tem menos de 30 anos”, salienta o presidente da câmara de Braga, Ricardo Rio



A oferta escolar e as atividades desportivas também afastam o casal de Cabeceiras de Basto. “Quando era criança só havia o futebol. Em Braga, os miúdos podem praticar andebol, voleibol, atletismo, que eu adorava”, enumera. Praticam crossfit os dois.

Braga sobe ao pódio também no inquérito que a Deco Proteste realizou a 3.500 pessoas sobre qualidade de vida em 12 capitais de distrito, publicado em 2021. A cidade dos arcebispos, como é conhecida, ficou no top três depois de Viseu e Leiria. E é a mais bem classificada em Educação, Saúde, Mercado de Trabalho. No acesso à habitação ficou em segundo, depois de Castelo Branco. Ainda assim, não é fácil. “Arrendámos o apartamento onde estamos desde 2018, mas foi complicado encontrar algo em conta. As rendas eram de €600 para cima”, conta Bruno Fernandes. Foi tão difícil que tiveram de voltar para Cabeceiras de Basto, durante o mês de agosto, porque o contrato do apartamento anterior tinha terminado em julho. Agora pagam €370 por um T1 não mobilado.


Educação de qualidade


Ser feliz numa cidade depende muito do que se procura. “Se for um casal com filhos pequenos, uma cidade de pequena dimensão que não seja a capital, pode ser o ideal”, diz Rosário Mauritti, investigadora no ISCTE – Instituto Universitário de Lisboa e coordenadora do estudo Territórios de Bem-Estar: Assimetrias nos Municípios Portugueses. “Mas as pessoas vão para onde têm trabalho qualificado”, acrescenta.

No estudo, o País foi dividido em seis territórios com características semelhantes. As cidades com indicadores mais próximos dos parâmetros europeus, intitulados Territórios Inovadores, têm níveis de inovação científica e tecnológica superiores e capacidade de atrair profissionais mais qualificados, descreve o documento publicado em 2022 pela Fundação Francisco Manuel dos Santos. Coimbra é um desses territórios.

Ana Martins e a família vivem no centro de Coimbra, perto da Universidade de Coimbra



Ana Martins, de 34 anos, estudou em Lisboa, mas escolheu Coimbra para viver. “Sou apaixonada por Lisboa, mas não é uma cidade para se ter filhos”, considera. Depois de se licenciar em Ciência Política no ISCSP, da Universidade de Lisboa, deu prioridade à família: casou-se e criou raízes em Coimbra. “Os meus pais conheceram-se cá, depois foram para Vila Nova de Famalicão, mas conhecia bem a cidade porque vinha cá visitar os avós maternos durante a infância”, conta. O marido é conimbricense e foi ali que decidiu fazer um mestrado na Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra. “Quando me mudei, em 2011, era uma cidade em transformação, com um grande potencial de inovação tecnológica”, explica.

Agora vive no centro, a poucos metros da histórica universidade. E trabalha como gestora de desenvolvimento de negócio na Connect Robotics, uma empresa de software para drones, focada nas entregas de encomendas na área da saúde. Apesar do cargo de responsabilidade, tem tempo para a família. “Estou a cinco minutos de carro da escola do meu filho mais velho e do trabalho”, diz. O percurso já se fez mais depressa, mas as obras do Metro Mondego, o metropolitano de superfície, têm dificultado o trânsito. “Podia ir a pé, seriam 15 minutos, mas as colinas não facilitam.” Ainda assim, Coimbra é segunda cidade com melhor nível de mobilidade, segundo o estudo da Deco Proteste

A segurança também pesou na escolha. “É uma cidade segura, que quer ser cosmopolita, mas ainda tem um lado muito bairrista”, considera. O filho mais velho, Santiago, de 12 anos, já começa a ir a pé para o treino de futebol. O campo situa-se a cinco minutos de casa. Valoriza ainda a oferta cultural de Coimbra. “Tem melhorado nos últimos anos: no Convento de São Francisco há sempre concertos e exposições.” Ao fim de semana vai com o filho mais novo, Henrique, ao Museu Nacional de Machado de Castro. “Ele adora arte.”

Nas férias escolares, são organizados jogos e instalados insufláveis no parque da cidade. “Ajuda na ocupação das crianças, que nem sempre é fácil agora no verão.” Coimbra é ainda a segunda melhor cidade no que diz respeito à educação, depois de Braga, segundo o estudo da Deco Proteste. Ana Martins confirma. “Abriu agora o projeto internacional TUMO, que oferece um plano educativo complementar gratuito em computação e robótica. Quero inscrever o meu filho mais velho.” É o primeiro a ser instalado na Península Ibérica.

João Matos Cruz já viveu em Lisboa e em Angola, mas decidiu voltar para Coimbra para criar dois negócios Sérgio Azenha



Outrora conservadora, a cidade dos estudantes está mais cosmopolita e aberta à inovação. É esta a avaliação de João Matos Cruz, 40 anos, filho da terra, que está a coordenar uma pós-graduação em Blockchain [um banco de dados que permite a partilha de informação de forma transparente e mais segura] na Coimbra Business School. Depois de anos a viver em Lisboa e em Angola, decidiu regressar à origem. “Lisboa não propicia a relação social: mais depressa via os meus amigos que vivem noutros locais, que os que vivem na cidade”, explica. Depois de anos como executivo em multinacionais, decidiu lançar-se em projetos próprios: um deles, uma empresa que opera ativos digitais, autorizada pelo Banco de Portugal. E escolheu Coimbra. “Estar no centro do País é uma vantagem: Coimbra é uma ponte que liga o norte e o sul”, considera. Vive no centro, em Celas, e faz vida de bairro. “Tenho tudo o que preciso perto de casa: supermercado, restaurantes, o centro de saúde, que funciona muito bem.” Coimbra é a segunda melhor cidade em termos de Saúde. “O Hospital Universitário de Coimbra dá-nos muita confiança”, garante.

João nota também como a abertura de restaurantes de outras nacionalidades deu uma cor mais vibrante à cidade. E salienta sobretudo o abraçar do rio Mondego. “Quando era miúdo, a cidade estava de costas para o rio, só era usado pelas pessoas das aldeias”, conta. “Agora há docas com restaurantes e eu faço paddle no rio.” Ainda assim, vai muitas vezes à capital. “Adoro a luz de Lisboa.”

A qualidade da vida na capital é muito variável. A cidade está no top das mais atrativas para se viver no País, segundo o estudo Portugal City Brand Ranking, publicado pela consultora Bloom em 2022. O avaliação centrou-se nos 308 municípios portugueses através de três variáveis: os dados socioeconómicos, a procura digital em todo o mundo, e o desempenho da autarquia na promoção no seu site oficial e nas redes sociais. “O estudo mede a atratividade do território para quem não vive lá”, explica o diretor da Bloom Consulting, Filipe Roquette. “Lisboa e Porto são as primeiras escolhas das pessoas que procuram locais para viver”, acrescenta.

Eunice Barroso com o companheiro, Micael, e o filho Simão no parque que têm a poucos metros de casa, em 
Lisboa Pedro Catarino


Ir de bicicleta para a escola


Eunice Barroso, de 38 anos, foi uma dessas pessoas. Natural de Évora, veio para Lisboa com os pais quando tinha 2 anos. Passou a infância nos jardins do Campo Grande e da Quinta das Conchas, e na Baixa. “Tenho memórias felizes de andar de metropolitano com a minha mãe para irmos à Baixa e às compras às lojas dos 300 na Avenida Morais Soares.” Mas na adolescência foi arrancada da cidade para Odivelas, onde viveu dois anos. Não gostou.

“Era apenas o dormitório, porque fazíamos a vida toda em Lisboa. Apanhávamos o autocarro e íamos sair à noite para Lisboa”, explica. “O meu sonho era regressar ao centro de Lisboa”, acrescenta. Quando estava a estudar na faculdade, conheceu um bairro especial. “Tinha uma amiga que lá vivia: ela acordava e ia beber café ao Miradouro da Graça com aquela vista de Lisboa inteira, era incrível.” Convenceu-se de que era ali que queria viver e conseguiu: desde 2016 que mora num rés do chão com logradouro, perto da típica Vila Berta.



Consegue fazer vida de bairro. Trabalha a dois quilómetros de casa, percurso que faz de bicicleta. Antes, leva o filho, Simão, de 2 anos, até à creche, a algumas centenas de metros de casa. O rapaz conhece bem o Jardim Boto Machado, com vista para o Tejo, para onde vão muitas vezes brincar. Também não se pode queixar do acesso à saúde: a Unidade de Saúde Familiar Mónicas funciona bem. “Tenho médico de família e vou a pé às consultas.” Eunice Barroso vive o modelo da Cidade dos 15 minutos, lançado pelo urbanista argentino Carlos Moreno, da Universidade de Sorbonne, Paris: a qualidade de vida reside na capacidade de se fazer tudo o que é necessário para viver num raio de 15 minutos a pé.



“É uma ideia fácil de concretizar em cidades antigas, como Lisboa. As mais recentes já foram desenhadas tendo por base o acesso automóvel”, explica o especialista em mobilidade, Manuel Banza. O especialista analisou a proximidade de serviços como supermercados, hospitais, escolas, parques e estações de metropolitano em sete freguesias da capital. “Alvalade é o bairro mais próximo da Cidade dos 15 Minutos porque tem muito comércio e acesso fácil a serviços”, explica. Arroios, onde vive e circula de bicicleta, é a que tem mais potencial para implementar o modelo. “Arroios é onde mais pessoas vivem e trabalham na mesma freguesia, segundo os censos. Isso é o sonho”, diz.

Mas falta espaço público. “Há percursos pedonais que não são confortáveis, nem convenientes, nem seguros”, reconhece Joana Almeida, vereadora do pelouro do Urbanismo da Câmara de Lisboa. A autarquia criou o programa Há Vida no Meu Bairro! para criar condições para a implementação da Cidade dos 15 minutos na capital. “Para Arroios temos o projeto de requalificação da Praça das Novas Nações, que vai resolver um ponto de enorme insegurança pedonal, mesmo junto à entrada de uma escola”, acrescenta. Noutras freguesias, é a ausência de comércio local o problema. “Em Paris, a autarquia comprou espaços e arrendou a preços mais acessíveis a comerciantes”, diz Manuel Banza.

A Cidade dos 15 minutos implica menos carros e mais bicicletas. “Não é necessário uma rede grande de ciclovias, basta limitar a 30 km/h a velocidade dos automóveis para que as estradas sejam seguras para quem anda de bicicleta”, considera o especialista.

Mas há outro problema: a pressão turística. Eunice Barroso já a sente. “Deixou de ser possível ir beber um café ao pôr do sol no Miradouro da Graça. Está cheio.” No verão, há sempre fila no supermercado e é mais difícil circular nos passeios. Suporta o aumento da renda porque recebe apoio do programa Renda 65 Jovem, que paga uma percentagem.

Até a oferta cultural, que tanto a atraía, tornou-se avassaladora. “Sinto que estou no meio de um furacão. São demasiadas ofertas”, considera. Lisboa é a cidade com mais sessões de espetáculos ao vivo, segundo o Pordata: em 2022 foram 8.594. O Porto, na segunda posição, ofereceu um pouco mais de metade, 4.919. Já pensa trocar a cidade pelo campo, mas não para já. “Temos as nossas rotinas e sentimo-nos seguros aqui”, conclui.

Trocar o Brasil por Oeiras


O Porto é um dos territórios inovadores do estudo da Fundação Francisco Manuel dos Santos, onde o poder de compra é mais elevado e o acesso à saúde e à educação é de melhor qualidade. A Invicta é, a seguir a Lisboa, a cidade do País onde há menos utentes por médico: apenas 44, enquanto no extremo oposto, Pampilhosa da Serra, há um médico para 2.030 pessoas.

E a cidade está bem servida de escolas. Há 134 estabelecimentos do pré-escolar e 78 do 1º ciclo, segundo a Pordata. Foi a qualidade das escolas que levou Francisco Borges e a família a mudarem-se de Leça da Palmeira para o centro do Porto há quatro anos. “Tínhamos boas referências das escolas.” Maria Benedita, de 10 anos, frequenta a Escola Básica Francisco Torrinha. Manuel, de 6, vai entrar para o primeiro ano do primeiro ciclo na Escola Básica São Miguel de Nevogilde. “Estamos muito satisfeitos”, diz Ana. “Mas havia outras boas alternativas”, acrescenta.

A família vive no centro da cidade, no bairro da Boavista, e percorre os três quilómetros que distam de casa até às escolas de carro com alguma dificuldade. “O trânsito piorou nos últimos dois anos com a construção do Metro Bus”, queixa-se Francisco Borges. Mas o cenário vai mudar, em princípio, no verão quando está prevista a inauguração. “Passa mesmo à frente da nossa casa” diz Francisco Borges. “Os miúdos poderão ir sozinhos para a escola”, acrescenta.

Francisco Borges nasceu e cresceu no Porto. O que o prende? “Ainda é uma cidade pequena e segura, onde podemos andar à vontade”, explica. Gosta sobretudo do ambiente bairrista. “Na noite de São João, fechamos a rua e fizemos um arraial com os vizinhos”, conta.



As vantagens de viver na segunda cidade do País não se ficam por aqui. “Temos tudo o que precisamos perto: vamos a pé ao supermercado, ao Jardim Botânico e à Casa das Artes”, diz Francisco Borges. Durante o fim de semana também não precisam de usar carro. “Estamos a cinco minutos de carro da praia, na Foz, e a cinco minutos do Parque da Cidade. Vamos lá muito com os miúdos”, diz Ana.

Mas também há desvantagens. A pressão imobiliária impediu-os de comprar casa e estão a arrendar. “Ainda não se atingiu as rendas elevadas que se praticam em Lisboa”, garantem. O casal receia que poderá ser empurrado para fora do centro da cidade. “O Francisco fala de comprar um terreno e construir uma casa melhor fora do Porto”, conta Ana. “Eu não tenho essa vontade, mas se o boom imobiliário não ceder, podemos ter de abdicar da cidade”, conclui.

Oeiras, na área metropolitana de Lisboa, é dos concelhos com maior poder de compra e é, como Lisboa e Porto, um dos territórios inovadores do estudo da Fundação Francisco Manuel dos Santos. A autarquia criou a marca Oeiras Valley com o objetivo de transformar o município na capital da inovação, criatividade e tecnologia do País e, em 2021, foi apresentado um projeto para a construção de um polo científico na Doca de Pedrouços, em Algés, onde se vão instalar centros de investigação da Fundação Champalimaud e da Calouste Gulbenkian, num investimento total que ronda os €300 milhões. Oeiras é o segundo município com maior poder de compra per capita: 65% superior à média de referência.

Caroline Paes com o marido, Rodrigo, e o filho, Eduardo, no Parque dos Poetas, em Oeiras Mariline Alves



Mas, como Francisco Borges, foi a oferta escolar e também o nível de segurança que levou a luso-brasileira Carolina Paes a deixar São Paulo, no Brasil, por Oeiras. Depois de três anos em que a agente imobiliária analisou várias opções no País, leu artigos sobre as cidades e avaliou os sites dos municípios, ficou impressionada com os espaços verdes do concelho e a proximidade da praia. Lisboa nunca foi uma possibilidade. “É uma cidade muito grande: quando vou ter com clientes a Lisboa e estou presa no trânsito da A5 [autoestrada que liga Cascais a Lisboa] sinto que estou na Marginal, a via que atravessa a cidade de São Paulo”, garante.

Em Oeiras sentiu-se segura o suficiente para dar a autonomia ao filho, Eduardo, de 16 anos. “Hoje o meu filho vai de skate sozinho para a escola. Isso era inimaginável onde vivíamos”, conta. No Brasil, a então gestora de empresa e o marido, Rodrigo Mariano, executivo numa multinacional, tinham uma vida confortável. Mas o filho sentia-se aprisionado. “Eu era como se fosse a babá dele: levava-o para a escola, ao shopping, ao clube”, explica. “Ele queria ir de bicicleta para a escola. Mas no Brasil se a levava, já não a trazia de volta”, acrescenta.

O filho frequenta a Escola Secundária Luiz Freitas Branco, em Paço d’Arcos. “Os professores são muito proativos: levam os alunos para a praia para dar aulas e organizam viagens internacionais pedagógicas: já foram a Madrid com a professora de Espanhol e para o ano vão a Cabo Verde, através da aula de Biologia”, acrescenta.

Vive no bairro da Figueirinha, e faz o percurso a pé até à agência imobiliária, onde vive. Pelo caminho, atravessa o Parque dos Poetas, o parque urbano de 22,5 hectares que homenageia 60 poetas. “É encantador: a água, as árvores, os pássaros a cantar. Adoro caminhar e ler os poemas escritos no chão, distrai a cabeça”, garante. E consegue ter acesso a serviços de saúde e centros comerciais próximos. “O centro de saúde de Paço d’Arcos é excelente, fui muito bem atendida.”

Ficou também surpreendida com a oferta cultural. “Há muitas atividades culturais no Parque dos Poetas, provas desportivas na praia e várias peças de teatro”, enumera. O jardim e a proximidade do mar pesaram muito na escolha. “Vivíamos no interior e chegar à praia demorava uma hora e meia. Aqui, bastam 10 minutos a pé.” No Brasil, vivia numa moradia com jardim. Em Oeiras, contentou-se com um T2, junto ao Parque dos Poetas.

A proximidade de Lisboa também é uma vantagem – é onde se concentra metade dos clientes da empresa de construção civil do marido. Regressar ao Brasil está fora dos planos. “Oeiras é uma cidade completa. É onde quero ficar. Ganhou o meu coração.

Inovação no interior


Os territórios inovadores, concentram-se na área metropolitana de Lisboa e do Porto. Mas há cidades que estão a transformar-se no interior. Fundão, no distrito de Castelo Branco, é hoje um centro tecnológico apesar de estar a quase três horas de distância da capital. Em 2023 a multinacional IBM inaugurou um centro focado na Inteligência Artificial. A autarquia dá formação em programação informática na Academia de Código a desempregados e, desde 2015, os alunos do 1º ciclo têm aulas de programação e robótica. A cidade criou uma rede de coworking, incubadora, e a Design Factory, que apoia o desenvolvimento de projetos criativos de pequenas empresas. A estratégia atraiu profissionais de 73 nacionalidades, entre trabalhadores agrários e altamente qualificados. E roubou população a municípios vizinhos.

Catarina Nobre mudou-se da 
Covilhã para o Fundão devido aos incentivos 
ao empreendedorismo que 
lhe ofereceram Filipe Pinto



Catarina Nobre nasceu em Portalegre, estudou Design Multimédia na Covilhã, onde viveu cinco anos e, há quatro, fixou-se no Fundão. “Estou muito habituada a andar de bicicleta de casa para o trabalho. Demoro nove minutos.” Teve a certeza que era no interior do País que seria feliz quando viveu dois anos no Montijo, Setúbal, onde trabalhava numa empresa de certificação de cosméticos. “Apanhava muito trânsito todos os dias, sentia-me muito cansada”, conta.

Em 2016 criou uma marca de cosméticos e começou a procurar um espaço para produzir os sabonetes. “Não pensei ficar em Portalegre porque é uma cidade muito pequena e não existe apoio ao empreendedorismo”, explica. Em 2018, encontrou um espaço na incubadora do Fundão A Praça: paga 32 euros de renda mensal por 18 m2. “É um valor simbólico”, diz. Durante dois anos, morava na Covilhã e deslocava-se até ao Fundão, mas em 2020, comprou casa nesta última cidade. “Não foi fácil: os preços são mais acessíveis do que na Covilhã, mas há pouca habitação pois a procura é, cada vez, maior.” Tem uma escola primária e um parque infantil a poucos passos de casa. A distância do hospital mais próximo, na Covilhã, não a preocupa. “São 20 minutos de carro até lá e o centro de saúde do Fundão funciona bem”, garante. Ultimamente também se tem surpreendido com os espetáculos de humor e as peças de teatro que têm passado pela cidade. “Não me vejo a sair daqui”, assegura.

Perto de Lisboa, situa-se outros dos territórios inovadores: Alcochete. A vila piscatória do distrito de Setúbal tem mesmo o maior ordenado médio mensal por conta de outrem do País: €2.011 em 2019, segundo o Pordata. Lisboa ficava-se na altura nos €1.669 mensais.

Rita Ferraz 
e a família 
mudaram-se de 
Odivelas para 
Alcochete há 
três meses Pedro Catarino



Não foi o poder de compra que atraiu Rita Ferraz. A nova moradora – mudou-se há três meses – procurava calma e tranquilidade para os filhos. Antes vivia, com o marido e o filho mais novo, nas Colinas do Cruzeiro, um empreendimento projetado como bairro modelo, em Odivelas. Mas passados poucos anos, as vantagens do apartamento espaçoso, num bairro de famílias jovens e perto de escolas e da capital, perdeu o encanto. “Sentia que vivia no meio dos prédios, parecia que não passava a luz do sol”, explica. O trânsito era uma dor de cabeça. Levar o filho mais velho, Duarte, à escola, a dois quilómetros de distância, demorava 15 minutos.

Quando voltou a engravidar pensou que experiências teriam os filhos se continuassem ali. “Queria ter mais ar livre, mais tranquilidade.” O filho mais novo, António, nasceu em fevereiro e a família mudou-se em abril. “Conseguimos vender o T2 em Odivelas e comprar pelo mesmo valor um T3 num condomínio com piscina e ginásio.”

Está de licença de maternidade e ainda não regressou ao trabalho, como coordenadora operacional de segurança numa empresa situada na Quinta da Fonte, em Oeiras, a 46 minutos de distância, mas não está preocupada. “Tenho muitos clientes na área dos transportes no aeroporto de Lisboa, não estou longe”, considera. O marido trabalha nos Olivais, mas demora menos tempo no trânsito para Alcochete do que para Odivelas, onde viviam. Ambos têm carro das empresas, o que facilita nas contas do orçamento familiar.



A vida na vila é tudo o que desejou. “A paisagem do estuário do Tejo é deslumbrante: vou buscar o Duarte à escola com um pôr do sol lindo”, diz. “Transmite uma grande paz de espírito”, acrescenta. Não teve dificuldade em encontrar vaga para os filhos nas escolas locais. “Estão num colégio privado, como estavam antes, mas com um terreno enorme e com animais para brincar.”

Ao fim de semana, o marido, Filipe Pereira, vai passear de bicicleta com o mais velho no Passeio do Tejo, até às salinas. Podem ir a pé até ao jardim e levar os miúdos a brincar no areal, enquanto bebem café numa esplanada. “Deixámos de sair tanto de carro”, garante. Não conhece o centro de saúde local, mas sabe que está a poucos minutos do Hospital da CUF, no Montijo, e a 15 minutos do do Parque das Nações. Em Alcochete, sente-se bem acolhida. “Existe um grande sentimento de entreajuda.”

Constança Cleto deixou o Montijo pelo centro 
de Alcochete. 
“Gosto da 
autenticidade 
da vila”, diz Pedro Catarino



Constança Cleto também escolheu Alcochete pela paisagem natural. “Abrir a janela da minha casa e ver o rio de frente é maravilhoso”, diz. Vivia no centro do Montijo e trabalhava na Câmara Municipal de Alcochete, mas quando deixou de se sentir bem com o aumento da densidade populacional, procurou uma alternativa perto do Tejo. “Com 50 mil habitantes, o Montijo está a perder a identidade, a tradição”, considera. “Em Alcochete, vive-se muito a terra. A Festa do Barrete Verde é uma loucura aqui”, acrescenta. Comprou uma casa no centro histórico em março e já se sente parte da terra. “Estou aqui há quatro meses e já conheço os vizinhos. No Montijo não sabia quem eram os vizinhos”, garante. A vida é feita toda no centro, com supermercados, restaurantes e cafés a cinco minutos de casa e há pitadas de cosmopolitismo. “Residem muitos franceses, alemães e norte-americanos”, diz.

A futura construção do aeroporto perto da vila não a assusta. “Penso que vai trazer mais turismo a Alcochete, mas não o suficiente para estragar a qualidade de vida da vila”, analisa. “Os preços das casas é que deverão inflacionar.”

Todos os dias leva os dois cães a passear no parque canino. “Tenho a sensação de estar sempre de férias”, diz, sentada na esplanada do café que também explora no centro da vila. “Mas tenho receio de me habituar e acabar por desvalorizar o mais bonito pôr do sol do País.”

Bruno Fernandes deixou Cabeceiras de Basto, onde cresceu, para ir estudar para a Universidade do Minho, em Braga, em 2009. Não saiu mais. “Cabeceiras de Basto tem pouca oferta de emprego qualificado”, justifica. “Para um engenheiro informático como eu, não há nada”, garante. Ana Bela Campos fez o mesmo caminho: estudou Bioquímica na Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, em Vila Real e fez o doutoramento em Neurociências em Braga. “Ficámos e foi a melhor coisa que fizemos”, garantem os dois.

O casal vive na cidade que surge no pódio em quase todos os estudos nacionais sobre qualidade de vida. Braga foi mesmo a única cidade portuguesa a entrar no ranking das 10 cidades europeias com habitantes mais felizes, elaborado pela Comissão Europeia em 2023. Baseado em 71.153 entrevistas, o Relatório Sobre Qualidade de Vida nas Cidades Europeias avaliou a limpeza, o emprego, transportes públicos, qualidade do ar e segurança. Aliás, nesta última categoria, Braga é a terceira cidade da Europa mais segura para famílias com crianças pequenas e a 9º mais segura para caminhar à noite.

Bruno Fernandes e Ana Bela Campos não têm filhos, mas passeiam a cadela pelas ruas da freguesia de São Vítor, onde vivem, a 1,5 quilómetros do centro, à noite sem receio. “Às vezes chegamos tarde a casa, pela 1h da manhã, e nunca me senti insegura”, diz Ana Bela Campos.

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