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Grandes poluidores recebem €16 mil milhões de fundos "verdes" regulados pela UE

Investigação jornalística revela que empresas e gestores de fundos aproveitam lacunas na regulação destes fundos. Sem saber, investidores financiam poluidores enquanto crêem fazer investimentos sustentáveis.

As marcas de roupa fast fashion, construtores de automóveis e empresas produtoras de combustíveis fósseis estão entre os maiores beneficiários dos fundos de investimento verdes regulados pela União Europeia, com 18 mil milhões de dólares (cerca de 16 mil milhões de euros) dos investidores a irem para grandes poluidores, revelou uma investigação do site Voxeurop.

REUTERS/Carlos Jasso

Os fundos verdes são maioritariamente geridos por bancos, fundos de pensões e companhias de seguros, sendo normalmente designados por produtos financeiros ESG (Environmental, Social and Governance, ou ambiental, social e de governança), uma vez que têm por objetivo promover valores ambientais ou sociais. 

Segundo a investigação, apesar de estes fundos serem apresentados como "sustentáveis", acabam por incluir no seu portfolio as maiores empresas emissoras de carbono ou de gases com efeito de estufa do mundo, numa tentativa de capitalizar o sucesso dos mercados financeiros verdes na Europa. Desta forma, estão a canalizar o dinheiro dos investidores para o greenwashing - transmitir informação falsa ou enganosa sobre o facto dos produtos de uma empresa serem respeitadores do ambiente.

A investigação identificou os 25 maiores poluidores em cada um dos oito setores com maior intensidade de emissões de carbono e acompanhou os fundos que divulgam informações ao abrigo da diretiva da União Europeia sobre finanças sustentáveis. Examinou também os fundos verdes promovidos pela Eurizon Capital SGR, uma empresa de gestão de ativos controlados pelo Intesa San Paolo, o maior banco italiano.

A Eurizon é um dos vários atores financeiros em toda a Europa que utilizam frases enganosas e lacunas no quadro regulamentar da União Europeia para vender produtos financeiros supostamente "verdes" que, na realidade, financiam grandes poluidores.

Para um fundo de investimento ser considerado ESG, tem que ser classificado como um de Artigo 8.º (também conhecidos como "verde-claro") ou 9.º, de acordo com o Regulamento de Divulgação de Finanças Sustentáveis da União Europeia. A maior parte dos investimentos nos 200 maiores poluidores veio de fundos classificados ao abrigo do artigo 8.º, que promove objetivos ambientais e sociais, com mais de 2 mil milhões de dólares (cerca de 1,8 mil milhões de euros) provenientes de fundos classificados ao abrigo do artigo 9.º.

Estes estatutos têm vindo a ser utilizados como "rótulos de qualidade" em matéria de sustentabilidade em campanhas de marketing, o que consequentemente acarreta riscos de greenwashing e de venda abusiva.

E de que forma é que estes fundos de investimento são considerados verdes se na verdade não o são? A investigação revelou que não há uma definição clara das características "ambientais e sociais" que devem respeitar. Esta lacuna permite que os gestores classifiquem os seus fundos como verde-claro (artigo 8) de acordo com os seus próprios princípios ou com as avaliações das agências de classificação, mesmo que os investimentos favoreçam empresas ambientalmente prejudiciais.

Ao todo, os investidores detêm mais de 87 mil milhões de dólares (cerca de 81 mil milhões de euros) em fundos que se dizem sustentáveis ao mesmo tempo que incluem empresas muito poluidoras, mostrou uma análise dos dados do último trimestre em 2023 citada pelo jornal britânico The Guardian

Vários ativistas criticaram a dimensão da utilização abusiva. A análise revelou ainda que 11,7 mil milhões de dólares (cerca de 10 mil milhões) de investimentos nos maiores poluidores provinham de fundos cujo nome incluía os termos "ambiental, social e de governação", enquanto 1,1 mil milhões de dólares (cerca de mil milhões de euros) provinham de fundos cujos nomes incluíam palavras específicas sobre o clima, como "limpo", "transição", "net zero" e "Paris".

Estes termos remontam ao acordo climático de Paris que os líderes mundiais assinaram em 2015 para tentar impedir que o planeta aqueça 1,5ºC acima dos níveis pré-industriais até ao final do século, sendo necessário a redução da poluição para atingir emissões líquidas nulas até 2050.

Este mês, a Autoridade Europeia dos Valores Mobiliários e dos Mercados (ESMA) e os organismos europeus de controlo da banca e dos seguros apelaram a reformas profundas do sistema para combater o greenwashing. Nesse sentido foi adotado um conjunto de orientações que proíbem os fundos com investimentos significativos em combustíveis fósseis de se apresentarem como verdes. As regras, que entrarão em vigor no final deste ano, não são juridicamente vinculativas e os reguladores nacionais podem optar por ignorá-las.

Os dez operadores financeiros cujos investidores mais investem nestes fundos, por ordem decrescente de valores, são o Deutsche Bank Asset & Wealth Management (DWS), Black Rock Investment Management e Advisors Divisions, Credit Agricole Amundi Asset Management, Intesa Sanpaolo Eurizon Capital, Fidelity International, JP Morgan Asset Management, Northern Trust, Templeton, Allianz e Storebrand Kapitalforvaltning.

Vários afirmaram que cumpriam o quadro regulamentar da União Europeia e que atualizariam as suas políticas se estas mudassem. Contestaram a alegação de que os seus investimentos estavam em conflito com os objetivos climáticos.

"A transição energética só será possível se todos os agentes económicos mudarem", afirmou a Amundi quando questionada pela Voxeurop. "Por conseguinte, a Amundi tem o dever de apoiar e incentivar a transformação de todas as empresas e setores."

Já a Intesa Sanpaolo respondeu: "Os investimentos em setores com elevado teor de carbono não entram em conflito com os objetivos de transparência dos investimentos em sustentabilidade do SFDR [regulamento relativo à divulgação de informações financeiras sustentáveis] nem com o Acordo de Paris, que promove a transição para uma economia com baixo teor de carbono."

Segundo o jornal The Guardian, os especialistas estão divididos relativamente aos benefícios de excluir estes grandes investidores poluentes dos fundos de investimento. Se há quem diga que desinvestir em empresas de combustíveis fósseis reduz o preço das suas ações e dificulta conseguir empréstimos para novos projetos, esses sim que podem ser verdes, outros apontam que a sua retirada teria pequenas consequências financeiras para as empresas. 

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