• Mirian Goldenberg (@miriangoldenberg)
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Qual é a idade da sua alma?  (Foto: @armelleperves)

Qual é a idade da sua alma? (Foto: @armelleperves)

Há mais de 20 anos venho pesquisando o significado do envelhecimento em uma cultura na qual existe uma verdadeira ditadura da juventude. No início dos anos 2000, comecei a minha pesquisa com cinco mil homens e mulheres com o objetivo de analisar os diferentes medos e representações sobre o envelhecimento no Brasil, buscando compreender por que as mulheres falam mais da invisibilidade social e da decadência do corpo e os homens do medo da aposentadoria, da impotência e da dependência física. E também por que as mulheres valorizam mais a liberdade e a amizade na velhice, enquanto os homens focam mais na casa, na família e nos projetos de vida.

Desde março de 2015 acompanho a rotina de 30 nonagenários e suas famílias, e vou apresentar aqui alguns resultados da minha pesquisa. Em primeiríssimo lugar, todos valorizam acima de tudo a autonomia, a liberdade, a independência, a capacidade de tomarem decisões e resolverem sozinhos os problemas. Eles fazem questão de administrar o próprio dinheiro, pagar as contas, fazer as compras nos supermercados e farmácias e resolver problemas domésticos. 

É interessante que as pessoas de mais idade dizem que não têm medo da morte, mas têm muito medo de se sentirem dependentes e inúteis. A falta de autonomia e de independência é uma espécie de prisão e morte simbólica. Na minha pesquisa sobre envelhecimento e felicidade, já escutei inúmeras vezes: “Eu tenho muito tesão pela vida, não quero morrer nunca”, como disse uma pianista de 93 anos que me mostrou a diferença entre idade cronológica, idade biológica e idade da alma.

“A minha idade cronológica é a idade civil, a que está registrada no cartório, é o dia em que eu nasci. Mas tem também a minha idade biológica: meu corpo, minha saúde, minha lucidez, minha memória. E tem a idade da minha alma, que é a mesma desde que eu nasci. Nunca deixei de ser a criança que um dia eu fui, minha alma é eterna, pois ela se alimenta da natureza, da música, da beleza, da bondade, da amizade, do amor e de uma vida plena de propósito. Minha idade cronológica é 93 anos, mas a minha alma é imortal”, falou a pianista. 

Para ela, a alma nunca envelhece. “O velho que ainda tem projetos pode até ter alguma limitação física, mas a sua alma está plena. Apesar de ter 93 anos, minha alma não é velha, me sinto totalmente plena realizando os meus projetos, cantando, dançando, tocando piano, escrevendo e participando de ações de caridade. Minhas filhas falam para eu desacelerar, dizem que não preciso mais fazer tantas coisas. É verdade: eu não preciso mais, mas eu quero. Elas querem que eu pare, mas a minha alma precisa continuar crescendo, aprendendo e amando. Velho é quem não tem mais tesão, não tem projetos, se aposentou da vida. Eu não sou velha, sou uma flor do outono.”

Há alguns anos, tive a alegria de entrevistar o cirurgião plástico Ivo Pitanguy. Com quase 90 anos, ele repetiu uma espécie de mantra que sempre escuto dos meus pesquisados: “Eu não preciso mais, mas eu quero”. “Eu tenho uma agenda intensa de compromissos, aulas, consultas, conferências, congressos e orientação de cirurgias. Não penso em me aposentar. Trabalho o dia inteiro com entusiasmo. Não é uma obrigação, é uma escolha diária, é o que mais me dá tesão de viver. Não há melhor preparo para a velhice do que viver intensamente um dia de cada vez. Sempre considerei o tempo o meu bem mais precioso.”

Com Ivo Pitanguy, eu aprendi que um dos segredos para ter uma “bela velhice” é saber se adaptar ao tempo presente e às mudanças inevitáveis – e muitas vezes indesejáveis – que acontecem em nossas vidas. “Pode parecer clichê, mas é a mais pura verdade: para envelhecer com beleza, tem que saber saborear as pequenas alegrias do tempo presente e se adaptar ao que muda. O mais importante para encarar a velhice numa boa é não levá-la tão a sério, rir um pouco dela e rir de si mesmo", disse ele.

E completou: "Cada problema que aparece eu penso: ‘Se for só isso, dá para me adaptar’. Se não consigo mais mergulhar por muito tempo, mergulho por alguns minutos, mas continuo mergulhando; se não consigo mais correr, ando um pouco mais devagar, mas continuo andando; se não consigo mais beber como antes, tomo só uma taça de vinho, mas continuo saboreando cada minuto da minha vida.”

Há mais de duas décadas eu tenho repetido como um mantra: "A única categoria social que todo mundo é, é velho". O jovem de hoje é o velho de amanhã. Eu tenho um sonho, eu tenho um sonho que um dia o velho será considerado lindo e que iremos viver em uma nação em que as pessoas não serão julgadas pelas rugas da suas peles, mas, sim, pela beleza das suas almas. Livres, seremos livres enfim.

Então, eu quero terminar com uma pergunta para você: Qual é a idade da sua alma?