• Alice Coy
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Fotografada em seu ateliê, em São Paulo, Paula Kim usa vestido Balenciaga, camisa Bottega Veneta e sapatos Clarks (Foto: Bel Lafer)

Fotografada em seu ateliê, em São Paulo, Paula Kim usa vestido Balenciaga, camisa Bottega Veneta e sapatos Clarks (Foto: Bel Lafer)

A combinação de Crocs, alfaiataria masculina e peças de lycra em um único look pode parecer uma receita audaciosa, mas a diretora criativa Paula Kim é o tipo de pessoa que fecha essa equação com êxito. A paulistana está por trás de três marcas descoladas da moda nacional atual: a P. Andrade, neogrife que comanda ao lado do marido, Pedro Andrade (cabeça por trás da Piet); a Lapô, especializada em roupas para a prática de esportes; e a M.I.L., uma espécie de laboratório criativo. Despachada e espirituosa, Paula é um exemplo que comprova a teoria de que pessoas genuinamente estilosas costumam ter senso de humor apurado. Uma coisa puxa a outra: não se levar a sério demais deixa qualquer um propenso a ter um olhar mais livre e, consequentemente, vestir-se de maneira autêntica.

Relógio Dior (Foto: Bel Lafer)

Relógio Dior (Foto: Bel Lafer)

As suas credenciais fashion não poderiam ser mais gabaritadas. Ela se graduou em moda na Central Saint Martins, em Londres, porque queria seguir os passos de alguns de seus ídolos, como John Galliano. Especializou-se em estamparia e durante a faculdade tirou um ano para estagiar – a primeira parada foi Nova York, onde integrou o time da Diane von Furstenberg, e na sequência desembarcou em Paris, direto para o ateliê da Dior. Na maison francesa fez um pouco de tudo, ready-to-wear, alta-costura e ilustrações para os lenços de seda, e ao final do seu contrato de estágio recebeu uma oferta de emprego, mas escolheu voltar para o Reino Unido e terminar os estudos.

“Todo mundo acha que estudar moda na Saint Martins é o céu, mas eu chorava muito porque os professores são extremamente exigentes. Eles te puxam até o limite, é tipo uma terapia de choque. Mesmo assim, foi uma época incrível de aprendizados e de muita liberdade”, ela diz. Como diploma em mãos, se mudou novamente, desta vez para La Coruña (na Espanha), sede da Zara, e depois Amsterdã, para trabalhar na Tommy Hilfiger. Após dez anos fora, finalmente retornou ao Brasil. “Sempre quis voltar, sentia que o meu futuro era aqui, que o amor da minha vida estava aqui”, completa.

Bolsa Louis Vuitton (Foto: Bel Lafer)

Bolsa Louis Vuitton (Foto: Bel Lafer)

Errada ela não estava. E não demorou para que trombasse com o seu futuro marido, no aeroporto em Porto Alegre. “Eu precisava ver o número do portão na televisão e um menino muito alto estava na minha frente, cobrindo a tela inteira. Fiquei morrendo de raiva daquela pessoa. Chegando ao destino, fui participar de uma mesa de TCC e quem estava lá, paradinho na mesma posição? Ele! Levei um susto e me apresentei”, conta.

Do encontro saiu não apenas um casamento (foi Paula quem fez o pedido) como também uma parceria criativa que se expande por cada uma das marcas que a dupla comanda. A lançada mais recentemente, a P. Andrade, que estreou no SPFW em novembro, é onde podem ser mais experimentais. “Tínhamos uma necessidade de ter algo para deixar a criatividade correr mais solta. Quando trabalhamos juntos, tudo flui rápido, nossa sinergia é muito boa.”

Casaco P. Andrade; suéter e legging, ambos Lapô. (Foto: Bel Lafer)

Casaco P. Andrade; suéter e legging, ambos Lapô. (Foto: Bel Lafer)

Sua outra empreitada, a Lapô, fundada com a amiga Gabriela Brandileone em 2021, reflete a vida ativa das duas (Paula já fez triatlo e nunca deixa de se exercitar) e foi criada pois sentiam falta de uma grife de roupas de treino que levasse em conta a sustentabilidade, que tivesse um design menos óbvio, e que considerasse diversos tipos de corpos.

Tanto a P. Andrade como a Lapô têm práticas sustentáveis em suas produções – isso inclui o uso de fibras recicladas e biodegradáveis, embalagens de biomassa e um projeto com lançamento iminente que irá capacitar costureiras no Jardim Guacuri, em São Paulo. Aliás, quando retornou ao Brasil, Paula foi a responsável pela primeira coleção com elementos ecológicos da Renner.

Paula usa camiseta Lapô, calça Isabel Marant, suéter P. Andrade e tênis Cariuma +M.I.L. (Foto: Bel Lafer)

Paula usa camiseta Lapô, calça Isabel Marant, suéter P. Andrade e tênis Cariuma +M.I.L. (Foto: Bel Lafer)

Esse senso de comunidade também é latente no trabalho que mantém com a M.I.L., o laboratório criativo que ela iniciou após observar Pedro constantemente recebendo perguntas técnicas sobre o seu ofício. Por lá, oferecem cursos e workshops com temas como “processos criativos” e “construindo uma marca”, além de eventualmente se unirem a outras labels para lançar produtos, como o tênis na foto acima, uma parceria com a Cariuma. “Aqui no Brasil, eu sinto que tudo é muito sigiloso, você precisa tomar cuidado com o que pergunta, ninguém quer compartilhar fornecedores, referências. Mas como vamos crescer como designers sem esse diálogo?”, questiona.

Ter caído nessa indústria, ela diz, foi consequência do destino. Diferente de muitos estilistas, não passou a infância desenhando roupas para as suas bonecas, e sim fazendo colagens, pinturas e outros trabalhos manuais. Apesar de ter nascido em uma casa com pai engenheiro e mãe administradora, ela sempre teve alma de artista e, não à toa, sente um pouco de falta de quando a moda a emocionava mais. “Antes era mais comum as marcas causarem uma reação nas pessoas, alguns desfiles já me fizeram chorar. Hoje, isso acontece muito menos, talvez o foco principal não seja mais esse.” Porém, ela garante que ainda se comove, só que agora são estilistas menores e mais low profile que fazem seu coração bater mais forte. Afinal, sem uma boa dose de paixão e bom humor, a moda fica muito sem graça.

Styling: Sam Tavares
Beleza: Carlos Rosa com produtos Hero Beauté e Truss
Produção de moda: John Fazzioli