• Costanza Pascolato
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Na Balenciaga, um red carpet fez as vezes de passarela, com celebridades e modelos se misturando aos convidados (Foto: Getty Images e Imax Tree)

Na Balenciaga, um red carpet fez as vezes de passarela, com celebridades e modelos se misturando aos convidados (Foto: Getty Images e Imax Tree)

Depois desses dois anos recentes e absolutamente extraordinários, vivemos momentos de embaçamento entre o público e o privado, nos quais fantasia e realidade também se confundem. Na moda, duas grandes marcas de luxo, Gucci e Balenciaga, e seus respectivos diretores de estilo Alessandro Michele e Demna Gvasalia, exploram justamente esse limite tênue entre a ficção e o que é mais tangível.

A Gucci fechou o Hollywood Boulevard e usou a Calçada da Fama para desfilar sua Love Parade em Los Angeles. Escolheu 12 celebridades, incluindo os atores Jared Leto e Macaulay Culkin, para circular junto com modelos, fazendo com que estilo e estrelato colidissem em uma conflagração de plumas, rendas, cetins e brilhos banhados de tons rosa e roxos idênticos aos dos letreiros do cenário-locação.

Entre a entrada toda “produzida” e animada dos convidados – a maioria de personalidades conhecidas – e o show fashion, criou-se a impressão de que a coisa toda era um filme e todos ali, personagens. Isto depois de 18 meses vivendo por meio de telas, quando as fronteiras entre moda e as ilusões em celuloide pareciam já ter se desgastado.

Alessandro Michele levou o desfile da Gucci para Hollywood, deixando claro que o simples ato de se “montar” para sair já é uma performance.  (Foto: Getty Images e Imax Tree)

Alessandro Michele levou o desfile da Gucci para Hollywood, deixando claro que o simples ato de se “montar” para sair já é uma performance. (Foto: Getty Images e Imax Tree)

Em maio de 2020, Michele propôs “repensar” o sistema da indústria fashion, abandonando o circuito clássico e as citações inverno e verão. A partir de então, escolheu resolutamente caminhos independentes, criando o Guccifest, festival de cinema que inclui uma série dirigida por Gus van Sant, e apostando depois no bem-sucedido e autorizado hacking da Balenciaga.

As roupas de Michele são quase figurinos, muito mais do que sugestões de novas silhuetas ou construções. E funcionam porque as regras sobre quando e onde vestir isto ou aquilo não se aplicam mais. Assim, o designer da Gucci ignora antigas ideias do que é para a noite ou para o dia, do que é esportivo ou formal, feminino ou masculino e, com referências históricas, constrói seus personagens de um jeito só reconhecível e disponível em filmes.

Com emoção maximalista vintage, desfilaram vestidos plissados à la Marilyn Monroe, colunas rendadas dignas de Rita Hayworth, Cleópatras à maneira de Elizabeth Taylor e ombrões que seriam perfeitos para Joan Crawford. E foi exatamente por isso que Michele levou seu show para Hollywood, deixando claro que o simples ato de se “montar” para sair já é uma performance. Ainda mais agora, quando a qualquer instante as pessoas aparecem “midiasocializadas”, online.

O verão 2022 da Balenciaga ganhou nada menos do que um megaevento, inesperado e brilhante, no melhor estilo Demna Gvasalia. Na plateia do Théâtre du Châtelet em Paris, os convidados assistiam ao vivo, numa enorme tela, à exibição de um glorioso red carpet. Na verdade, a cena do “tapete vermelho” já era a passarela, repleta de celebridades, que foi tomando forma de desfile. Logo ficou claro que se tratava de uma grande brincadeira--ironia, com a já conhecida tribo de excêntricos modelos da maison Balenciaga posando como se fossem starlets enquanto estrelas de verdade, como Elliot Page, Offset, Isabelle Huppert e Lewis Hamilton, entre outros, posavam como se fossem modelos.

Alessandro Michele levou o desfile da Gucci para Hollywood, deixando claro que o simples ato de se “montar” para sair já é uma performance.  (Foto: Getty Images e Imax Tree)

Alessandro Michele levou o desfile da Gucci para Hollywood, deixando claro que o simples ato de se “montar” para sair já é uma performance. (Foto: Getty Images e Imax Tree)

Nessa ambiguidade, nem as roupas que usavam os disfarçavam, já que a assinatura da Balenciaga de Gvasalia é imediatamente identificável, com silhuetas couture agregadas a puffers e moletons, ombros monumentais, quase tudo em preto e com atitude cool e displicente, fazendo com que o novo e o nem tanto se confundissem – já que os convidados também vestiam a marca para prestigiar.

E o público mal sabia que ainda estava prestes a assistir a uma estreia, a da minissérie Os Simpsons/Balenciaga, na qual os cidadãos de Springfield são convidados por Demna a irem a Paris para participar de seu show, onde Marge, Homer e Lisa desfilam.

O multiverso irônico de Gvasalia abranda a seriedade dos desfiles, revertendo a ideia de que são lances “eruditos”. “Para mim, a indústria da moda se parece com as da música ou do cinema, na forma como você pode comunicar diferentes coisas”, disse. “Gosto de explorar essas fronteiras.” E, tornando todos os presentes cúmplices de sua crítica, deu um exemplo marcante de como o sistema da moda como o conhecemos pode mudar, seguir adiante.