• Lilian Pinto em depoimento a Thiago Baltazar (@thiagobaltazar)
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A médica intensivista Lilian Pinto (Foto: Arquivo pessoal)

A médica intensivista Lilian Pinto (Foto: Arquivo pessoal)

"Ontem nós ultrapassamos a marca de 3 mil mortos por Covid-19. Mas, apesar deste número impressionante, acho que, infelizmente, a situação ainda pode piorar pelo que tenho visto no dia a dia. Houve aumento na internação de pacientes jovens e acredito que isso possa favorecer no crescimento do número de mortes nos próximos dias. Desde o ano passado, o perfil de internados com Covid-19 mudou, antes eram idosos e, agora, jovens. Vejo muitos com 30 anos, 40 anos chegando ao hospital.

Essa diferença, acredito eu, ainda não pode ser atribuída à vacinação, porque ainda não deu tempo de a imunização mostrar seu efeito entre idosos. Somente agora estamos vacinando pessoas com mais de 70 anos. Talvez nos próximos meses possamos ver este grupo mais protegido. Acho que os mais jovens estão entre os mais afetados ultimamente porque são os que mais se expõem aos riscos, seja no trabalho, no comércio, no transporte público ou em festas.

Recentemente, as autoridades tomaram medidas para diminuir a circulação de pessoas. Elas são válidas. Nós, aliás, demoramos muito para enrijecer as restrições. O Brasil, como um todo, não acreditou que a segunda onda viria com esta magnitude. Por isso, diminuir a circulação de pessoas é fundamental. Nós chegamos ao nosso limite. Eu nunca imaginei ver algo tão triste como o que está acontecendo, a situação é muito preocupante.

Eu trabalho num grande hospital que possui muitos recursos e, mesmo assim, estamos passando por várias dificuldades. Imagino como devam estar os hospitais menos assistidos.


Umas das situações mais tristes com as quais me deparei na pandemia envolvem mulheres grávidas que são infectadas pelo vírus da Covid-19. Elas estão chegando aos hospitais com insuficiência respiratória – que nem sempre é tão severa. Mas, diante deste quadro, mesmo assim, elas precisam ser levadas ao centro obstétrico com urgência para interromper a gestação numa tentativa de salvar o bebê e a mãe. Algumas delas, estavam com somente 30 semanas de gravidez.

Vejo uma comoção muito grande quando entro no quarto para atender a paciente, que, muitas vezes, é jovem. A mãe, o marido e a família ficam muito abalados com medo de perderem o bebê. Há uma angústia generalizada no momento em que contamos aos pais que é preciso interromper a gestação com a criança ainda prematura. Somente nesta semana (hoje é quarta-feira), vi dois casos semelhantes. São cenários muito tristes e, infelizmente, cada vez mais frequentes.

Os hospitais estão colapsando. E isso não está acontecendo somente pelo número de pessoas que estão buscando ajuda, mas porque cada paciente demora muito para ter alta. Os intubados, por exemplo, levam de duas semanas a um mês para serem liberados. Alguns perdem até 10 kg em um mês. É absurdo.


Como consequência da perda de massa magra, não conseguem andar, nem comer sozinhos. Precisam da ajuda de uma equipe multidisciplinar para terem uma condição mínima de qualidade de vida. É por isso que os pacientes saem dos hospitais em macas ou cadeiras de rodas. Em contrapartida, meu consultório está lotado de pessoas que não tiveram Covid-19, mas que engordaram muito ao longo da pandemia.

Muitas vezes, quem não está no ambiente hospitalar ou que não teve familiares internados, não acredita no que estamos dizendo. Mas o que a mídia vem mostrando na TV sobre a hiperlotação dos hospitais é verdade. Eu trabalho numa grande unidade de saúde particular e há fila para atendimento. Há muitos jovens sendo internados e morrendo em poucos dias.

Por isso, eu peço que as pessoas fiquem em casa, lavem as mãos e evitem circulação. É isso que vai nos salvar, além das vacinas e do uso de máscaras. Precisamos dessa disciplina. Não há outro caminho."