• Sabrina Fidalgo
Atualizado em
 (Foto: Getty Images)

(Foto: Getty Images)

Há praticamente 13 dias consecutivos o Brasil abre recordes diários na média de mortes acarretadas pela COVID-19. Só nessa última quarta-feira (10/3) foram 2.349 óbitos em um período de 24 horas. No total, até então, são 275.276 vítimas desde o início da pandemia em território brasileiro, iniciado há cerca de um ano atrás.

Soma-se  a isso, o corte do pagamento do auxílio emergencial à população, o desemprego, o stress do confinamento, o aumento das medidas restritivas na maioria dos estados, as perdas de entes queridos, um governo que ignora a campanha de vacinação e o surgimento das novas variantes do Coronavírus,  o brasileiro esta completamente encurralado na desesperança, no medo e na apatia.

A manutenção da saúde mental em tempos de pandemia tem sido um dos maiores desafios desses tempos e nunca foi tão urgente. Como manter o equilíbrio psicológico e a fé na vida em meio a tantas incertezas e ao caos de diversas ordens?

Será tudo trevas no momento atual e no futuro próximo que se aproxima?

Para responder essas e outras questões inquietantes, eu conversei com o jovem psicanalista e psicólogo, João Pedro Passos de Queiroz. Mestrando em Psicologia Clínica pela USP e integrante da equipe de coordenação da Rede Clínica do Laboratório Jacques Lacan - IP/USP, João Pedro também realiza pesquisa sobre sonhos e sofrimento psíquico na pandemia.

VOGUE - Há 15 dias consecutivos o Brasil vem batendo recordes diários com mais de 2000 mil mortes a cada 24 horas  por conta do COVID-19. Vamos herdar  sequelas psicológicas desses tempos?
João Pedro - Sem dúvidas. O impacto psicológico da pandemia é uma realidade. Os consultórios médicos e psicológicos estão lotados e as pessoas trazem queixas muito concretas. A pandemia nos coloca diante de questões fundamentais para a nossa existência. Ao mesmo tempo em que somos ameaçados pela agressividade do vírus, que por si só desmascara a fragilidade da vida humana, ainda nos deparamos diariamente com a precariedade dos acordos sociais e com a incapacidade de criarmos uma resposta efetiva e solidária para os sofrimentos desse período.

O agravamento da crise sanitária amplia os quadros de angústia, ansiedade e hipocondria.  O maior medo que as pessoas apresentam nesse momento é o medo da morte, da contaminação de familiares e amigos, enfim, o medo de perder os laços mais íntimos e de não ter o suporte necessário para enfrentar esse momento.

Vogue - Dentre alguns transtornos desenvolvidos por muitas pessoas ao longo desse um ano de Coronavírus no Brasil se encontra o “Transtorno da Ansiedade”. Você poderia  falar mais sobre isso?
João Pedro - A ansiedade se caracteriza por um excesso de preocupação com o futuro. É aquela sensação de que alguma coisa ruim vai acontecer a qualquer momento e você precisa fazer alguma coisa para resolver, mas se sente impotente. Quando você está mais ansioso do que o normal, é comum que você eleve seu grau de estresse psicológico e físico.

É muito comum que nesses casos a pessoa encontre dificuldades de se concentrar em qualquer outra coisa que não no foco de sua preocupação, Em tempos de COVID-19, a ansiedade produz quadros que remetem inclusive a sintomas iniciais da doença, como a falta de ar.

A ansiedade costuma aparecer vinculada a algum outro sintoma, como a hipocondria, que é o medo de estar doente, e a depressão, que aparece como uma sensação de extrema incapacidade de transformar o seu atual estado de coisas.

Para combater a ansiedade é importante identificar os pensamentos que lhe causam mal-estar. É preciso reconhecer as emoções e aceitá-las. A conversa com alguém de confiança, inclusive com um profissional, pode ajudar a elaborar o sofrimento, discernindo qual é a questão que está no centro da sua preocupação. Isso permitirá que o sujeito redimensione o tamanho do perigo até então abstrato que lhe assombrava. Assim, poderá inventar para si saídas terapêuticas.

Vogue - Quais conselhos você daria  para que as pessoas não sucumbam nesses tempos difíceis?
João Pedro - Nesses tempos de aridez, em que a vida nos coloca diante de sofrimentos muito concretos e materiais, é importante que as pessoas possam elaborar o que, dessas fontes de sofrimento, às toca mais profundamente. É recomendado que cada um possa estabelecer práticas de cuidado de si e de promoção de saúde. Isso passa tanto por uma necessária elaboração do que para cada um se apresenta como a questão mais básica de seu sofrimento, como pela compreensão das responsabilidades e limites que cada um possui diante da vida e do outro. O ser humano tem uma capacidade impressionante de adaptação, portanto, mesmo nesses momentos de maior restrição, é fundamental para a saúde mental que as pessoas consigam se conectar com aquilo que lhes seja mais prazeroso.

Além disso, temos uma tarefa coletiva pela frente. Se os entes governamentais têm apresentado dificuldades em reconhecer o elevado e compreensível grau de sofrimento da população, precisamos solidariamente estabelecer relações de reconhecimento mútuo. Precisa ficar claro que cada pessoa sofre ao seu modo e pelos seus motivos, portanto, é preciso que na relação com o outro nós adotemos uma postura de acolhimento, inclusive ao não saber e à falta de controle que rege nossa vida.

Vogue - Você vê algum legado positivo a médio e longo prazo  em relação a saúde mental nesse periodo? O que você acha que pode mudar nesse sentido tanto para o bem quanto para o mal na vida das pessoas?
João Pedro - A pandemia está transformando a relação que cada um tem consigo e com os outros. Politicamente, socialmente e subjetivamente as transformações já estão acontecendo. Não seremos mais os mesmos e retornar ao que já fomos no passado é impossível. Então, é fundamental que as pessoas possam reconhecer o que mudou nas suas vidas.

Os legados da pandemia não são apenas negativos. Muitas pessoas têm conseguido avançar em questões que antes pareciam emperradas. As pessoas estão conseguindo notar o que de fato lhes parece mais fundamental, e com isso, têm tomado decisões aliviantes, abrindo mão de ideais ilusórios que apenas as mantinham reféns de si mesmas.

A pandemia colocou inúmeras urgências em cima da mesa. A que talvez possa favorecer relações mais produtivas seja a urgência do cuidado de si.