• Luanda Vieira
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Movimento próprio (Foto: Divulgação)

Movimento próprio (Foto: Lu Puiggrós)

Quando a escritora Vilma Piedade criou o conceito de “dororidade” (a dor que só mulheres negras reconhecem e precisam reagir), em 2017, não imaginava que a tese poderia virar curso. Foi o que Inaê Moreira, 30 anos, fez ao se inspirar em uma das interpretações da ideia, que é “a possibilidade de lutar dançando”, para tirar do papel o projeto Dança Intuitiva (@dancaintuitiva), metodologia própria de cura e resgate pessoal que convida à movimentação espontânea a partir de estímulos visuais e sonoros. “Ao final das sessões, as pessoas contam que descobriram movimentos impensáveis, coisas que surgem na hora, e que eu, por exemplo, não seria capaz de ensinar. O que eu faço é facilitar o caminho de autodescoberta”, diz.

Após sete anos morando entre São Paulo, Rio de Janeiro e Argentina, em busca de novas especializações envolvendo arte e corpo (Inaê é formada em dança pela Universidade Federal da Bahia), a soteropolitana resolveu voltar para Salvador, em 2018, onde surgiu a iniciativa. “Já vinha me perguntando porque e para quem eu produzia arte, então o retorno à minha cidade foi um reencontro com as memórias da infância, época que eu já amava dançar e frequentava terreiros de candomblé com a minha família”, lembra.

A prática interliga a dança das iabás (nome dado aos orixás femininos) aos elementos da natureza e os ciclos lunares, área que a bailarina também dedicou anos de estudo e aprendeu sobre a energia que cada fase pode ter em nossa vida. “Mesmo que o meu referencial seja o candomblé, não é uma experiência religiosa. Cada pessoa se conecta com os elementos que apresento a partir de suas histórias”, explica Inaê, que ressalta o essencial: não precisa saber dançar para se inscrever. Basta ter vontade de ser livre na própria pele e disponibilidade para quatro sessões que acontecem a cada lua nova, crescente, cheia e minguante, respectivamente. “É um aprendizado sobre ciclos e como podemos aplicá-lo em nossas vidas depois, de acordo coma fase da lua.”

O que muda entre os encontros é a intenção proporcionada por cada lua que, automaticamente, direciona os participantes a passos de dança particulares e sempre diferentes. O primeiro, por exemplo, é uma proposta de conexão com o passado. “Quando reverenciamos nossos ancestrais ou compreendemos o que ficou para trás, conseguimos dar passos adiante. É um momento de renascimento - com movimentação mais próxima do chão, como as raízes – e de pensar como dançar com essas memórias”, explica. A luminosidade da lua crescente traz o dom da visão e sugere autonomia e independência para planejar. “Baseada na serpente que Ewá (iabá) carrega, trago movimentos que despertam o centro de energia de nossos corpos, como as regiões do ventre alto, baixo, quadris e pélvis.”

O terceiro encontro tem a energia das águas que, de acordo com os estudos de Inaê, tudo lava e faz crescer. “A hora é de se abrir, expandir e imaginar o corpo como embarcação. Todo lugar que tem água prospera”, diz. Finalizando o circuito, a lua minguante vibra pela queima das dores e dos traumas. “Temos dificuldade de entender que algumas coisas, como sentimentos, hábitos ou pessoas, precisam perder espaço dentro da gente. Trago o elemento fogo na última etapa e é lindo ver as pessoas abrangendo espaços com seus próprios corpos”, conta.

Coma ajuda da internet e suas ferramentas de videochamada, a Dança Intuitiva saiu de Salvador para outras cidades do Brasil, Estados Unidos, México e França. “É a oportunidade de curar muitas coisas que a gente vem arrastando há muito tempo”, finaliza.