• Lia Rizzo (@lia_rizzo)
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Juliana Azevedo (Foto: Divulgação)

Juliana Azevedo (Foto: Divulgação)

Para as gerações mais jovens soa estranho pensar em mais de vinte anos trabalhando num único lugar. E lá em 1996, quando Juliana Azevedo (@_ju_azevedo_), então estudante de engenharia da Escola Politécnica, foi contratada como estagiária da gigante norte-americana P&G, o plano também não era permanecer ali por tanto tempo. Porém, vinte e cinco anos mais tarde e um plano mudado, a agora engenheira (e advogada pois pouco depois de ingressar na USP, Juliana decidiu estudar direito na PUC para somar uma formação na área de humanas) lidera aproximadamente 4 mil funcionários na companhia onde fez carreira.

O caminho que a executiva trilhou dentro da companhia, crescendo a cadeira quase ao mesmo tempo em que assistia e participava ativamente do crescimento da P&G no Brasil, diz muito sobre porque ela é uma das maiores CEOs da atualidade. Contudo, é também uma amostra concreta dos esforços consistentes da P&G para atrair, além das mulheres consumidoras (principal público alvo de seus produtos), as profissionais de alta performance, dando a elas a chance de ascender.

Resultado de uma “força-tarefa” para ampliar a diversidade de gênero que deu um salto no início dos anos 90, depois de uma pesquisa de rotatividade apontar que dois em cada três talentos que deixavam a empresa eram mulheres. E elas não saiam para ficar em casa, mas para outras companhias onde encontravam melhores condições.

Na época, gerentes de marca mais experientes foram desafiados a desenvolver e embalar um produto inédito para uma campanha interna: um pacote de benefícios e adequações para mulheres no local de trabalho. No caso, na própria P&G. Em cinco anos a presença feminina passou a um terço do quadro de vice-presidentes e gerentes gerais, contra os 5% de antes.

A história foi contada ao The Wall Street Journal em 1998, por John Pepper, na época o principal executivo da companhia no mundo, que declarou como achou absurdo que em uma reunião sobre fraldas e absorventes, com 30 pessoas na sala, nenhuma delas fosse mulher. E afirmou ainda que, mesmo diante das iniciativas internas já em curso, ainda faltava que elas chegassem às presidências.

E então, embora com alguma demora, em 2018, Juliana que já tinha sido a primeira mulher oradora na história da Poli, se tornou também a primeira mulher presidente da P&G no Brasil.

O desejo de mudar o mundo

Filha única de pais empresários, Juliana começou a trabalhar aos 13 anos dando aulas de inglês – por escolha, não por necessidade financeira. Na paralela, participava de grupos voluntários de conscientização sobre saúde pública e política em locais de grande movimento na cidade, como o Largo da Batata. Mais tarde, passou a lecionar em comunidades como o Capão Redondo, onde tentava mostrar no caminho da educação, uma via alternativa para os jovens cuja realidade estava tão distante da sua.

Recém-chegada à Politécnica, conseguiu encaixar na grade difícil do curso de engenharia, um emprego em uma imobiliária. Atuou ainda como diretora da empresa júnior da universidade, aos 17 anos. Foi na combinação destas primeiras experiências que percebeu o quanto poderia e precisava aprender fora das salas de aula. A P&G foi o destino seguinte, à época uma corporação infinitamente menor do que a que Juliana dirige agora e que ainda não se parecia com o lugar onde ela atingiria a meta já estabelecida de ocupar uma grande cadeira de liderança.

Um giro completo sem sair do lugar

Aproximadamente 70% dos presidentes da P&G estão na companhia desde o início da carreira e boa parte do corpo gerencial começou como estagiário ou em funções de nível júnior. Reflexo de uma política formal para dar chances e promover os talentos internos - como aconteceu com Juliana -, e de uma forte cultura de inovação e transformação não somente de produtos, mas também do ambiente.

Embora a executiva tenha começado pela área de marketing, passou por vendas, logística, finanças, planejamento estratégico e gestão, com foco principalmente nos segmentos de cuidados femininos e com o bebê. A trajetória no alto escalão antes da cadeira de CEO incluiu alguns turning points. Primeiro, em 2013, quando foi promovida a vice-presidente de cuidados com beleza para a América Latina, baseada no Panamá. E, dois anos mais tarde, ao assumir a vice-presidência global de cuidados femininos.

Clareza nas prioridades, coragem para decisões

Na operação brasileira da P&G, cerca de 40% do quadro de funcionários é composto por mulheres e elas já são 50% dos gerentes. Durante a pandemia, ouvir as necessidades específicas delas, sobretudo as mães, foi um dos pontos de atenção para que a jornada de trabalho remoto não pesasse tanto por acumular-se a toda a rotina que acontecia no mesmo lugar, sem redes de apoio. Juliana, que sempre ressalta a importância da mãe e da avó em sua formação pessoal, sempre quis ser mãe – e sem abrir mão da carreira! Um desejo que até a encorajou a recusar uma oferta fora do Brasil, por decidir que era hora de engravidar.

Mais tarde, quando seu filho Rafael tinha três anos, veio o novo convite para uma posição internacional. Enfrentando alguns julgamentos, mas com o apoio do marido, que ficou no Brasil, a executiva passou a encarar a ponte aérea a partir do Panamá, de onde voltava aos finais de semana para estar com a família. E quando sentiu a balança desequilibrar, avisou a empresa que era hora de mudar. “Na minha trajetória os pesos dessas duas prioridades (família e trabalho) sempre foram muito equilibrados”, afirma ela, que recentemente enfrentou, em plena pandemia, a perda materna e da avó, num intervalo de 45 dias. E deu expediente direto do hospital para ficar ao lado da mãe até se despedirem de forma definitiva.

Responsabilidade além dos resultados financeiros

“Mulheres estão mais confiantes na tomada de decisão em relação a suas carreiras, mas o caminho ainda é cheio de obstáculos”, reconhece Juliana, que procura enfatizar com frequência a responsabilidade das empresas e das lideranças na construção de um ambiente inclusivo e igualitário em oportunidades. Um compromisso, que busca capitanear pessoalmente também para além das paredes da corporação.

Por atuar em segmentos essenciais como saúde e higiene, na pandemia a P&G não sofreu um grande impacto em resultado de negócios, por assim dizer. Mas se colocou de forma ativa nas causas mais urgentes em que poderia contribuir. Ao longo do último um ano e meio, a companhia doou mais de 50 milhões de reais em produtos, insumos para saúde, oxigênio e outras necessidades para o combate ao Covid-19. No Dia da Higiene Menstrual, destinou mais de um milhão de absorventes para meninas em situação de vulnerabilidade e firmou parceria com o Governo do Estado de São Paulo para o programa Dignidade Íntima, que atenderá mais de 70 mil estudantes da rede pública, com idade entre 12 e 17 anos.

Em março último, Juliana anunciou a expansão do She2Be, projeto de capacitação para empreendedoras lançado no Brasil em sua gestão, com a abertura do Programa P&G de Desenvolvimento de Empreendedoras Regionais. Em parceria com a WEConnect International, o programa busca facilitar o acesso de negócios pertencentes a mulheres às grandes cadeias de suprimento global, por meio de aperfeiçoamento da gestão.

Na época, comemorou a iniciativa em um artigo publicado em seu perfil no Linkedin. Onde aproveitou para deixar um chamado aos seus quase 50 mil seguidores: “não fazemos nada sozinhos, por isso, humildemente, te convido para também assumir esse compromisso de impulsionar e alavancar a equidade de gênero, mesmo que com pequenas atitudes no dia a dia, porque eu acredito que esse é um dever de todos nós!”.