COE

Por Nathália Larghi e Marcelo D'Agosto, Valor Investe — São Paulo


No começo de 2024 fez dez anos que os Certificados de Operações Estruturadas (COEs) começaram a ser comercializados pelos bancos. Desde então, eles passaram a fazer parte das recomendações de assessores de investimentos para os clientes recém-chegados em instituições ou plataformas. Mas a verdade é que os rendimentos desses produtos ainda deixam a desejar, assim como a transparência a respeito deles. Se antes os COEs tinham como apelo permitir que investidores pessoas físicas tivessem acesso a mercados ainda restritos, como as bolsas estrangeiras, por exemplo, hoje esse chamariz perdeu força. Por que, então, investir nesses produtos?

Primeiro de tudo é preciso explicar como um COE funciona. Assim como nos fundos de investimentos, o COE atua como uma cesta com vários tipos de ativos dentro dela. Portanto, não é possível antecipar se o produto é "bom" ou "ruim", já que tudo depende do que está dentro dessa cesta.

No entanto, existem diferenças entre os dois (os fundos e os COEs). Primeiro, porque um COE não depende apenas do rendimento da cesta de ativos. Afinal, ele é um investimento que “aposta” em um cenário para o futuro. Essa aposta pode ser, por exemplo, a queda de um determinado índice, a alta do dólar, a valorização de certas ações e assim por diante. Além disso, diferente dos fundos, os COEs têm um prazo de vencimento, que é o período para aquela aposta se concretizar (ou não).

Desde que foi lançado, o COE costuma ser vendido como uma “mistura de renda fixa com renda variável”, porque ele oferece a possibilidade de um rendimento acima da taxa Selic, mas sem que o cliente "perca dinheiro" caso o cenário apostado não se realize. É uma proposta tentadora e com aparência de muito boa para ser verdade.

Como não existe almoço grátis, porém, costumam existir dois "problemas" ou custos nesta estrutura. O primeiro é que, no cenário positivo, nem sempre o cliente fica com todo o rendimento. Ou seja, o investidor pode ganhar até um determinado percentual, mas não mais do que isso. Já o segundo custo é que o "dinheiro de volta" do cenário negativo costuma vir sem correção — nem da inflação nem da taxa Selic —, o que acaba tendo um peso negativo mais relevante quanto mais longo for o prazo do investimento.

O resultado, ao menos por ora, tem sido negativo para os COEs. Um levantamento feito pelo Valor Investe mostra que, mesmo entre os COEs que rendem alguma coisa no fim do prazo de vencimento, poucos são os que batem o CDI (principal referência para o investidor brasileiro, que segue de perto a taxa Selic). Os dados históricos apontam que o investidor em COE teve pouco retorno para o risco envolvido.

O estudo foi feito com base nos COEs emitidos por Itaú, Bradesco e XP (as instituições com o maior número de COEs facilmente encontrados nos seus sites. Foram considerados os COEs que foram lançados entre os anos de 2019 e 2023, que totalizaram 3.310 produtos. Desse universo, dentre os produtos lançados em 2019, 70% bateram o CDI. Em 2020, esse percentual caiu para 29%. Em 2021, foi de 13%. Já em 2022, ele caiu para apenas 4%.

É bem verdade que o percentual de outros produtos que bateram o CDI nesse intervalo também diminuiu conforme a taxa de juros foi aumentando. Mas outras classes de ativos tiveram um desempenho melhor do que o dos COEs nessa disputa com o CDI. O Valor Investe mapeou, por exemplo, investimentos em cinco categorias diferentes: na bolsa americana, no Ibovespa, no dólar, em títulos prefixados e em títulos atrelados à inflação. Em 2019, 84% dessas alternativas bateram o CDI. Em 2020, 50%; em 2021, 20% e em 2022, 10%.

Segundo uma fonte do mercado que não quis se identificar, cerca de 80% das emissões de COEs que não bateram o CDI tiveram desempenhos superiores a outras classes de ativos. No entanto, é importante ressaltar que, de uma forma geral, os COEs têm o capital garantido, ou seja, o investidor sai no mínimo com o dinheiro que entrou. Portanto, faz sentido esperar que eles tenham desempenho superior, por exemplo, a um ativo que teve uma desvalorização no mesmo período analisado, como ações que caíram.

Isso não significa, no entanto, que o produto é ruim. Nem bom. Tudo depende da estratégia do cliente (e, claro, do que está na cesta de cada COE). Embora alguns especialistas afirmem que "se não for para superar o CDI, é melhor o investidor deixar o dinheiro em algo que renda essa taxa" (caso do Tesouro Selic ou fundos DI, por exemplo), há quem defenda que a "função" do COE numa carteira vai além de oferecer um rendimento acima do CDI. Uma dessas atribuições seria, por exemplo, a proteção de capital, o chamado "hedge", no jargão econômico.

Fabio Zenaro, diretor de produtos de balcão, commodities e novos negócios da B3 é um dos que defende essa tese. Segundo o especialista, o COE pode ser usado, por exemplo, pelo investidor que tem uma parcela grande da sua carteira exposta ao Ibovespa e quer se proteger caso a bolsa caia (afinal, é possível investir em um COE que aposte na queda do índice). O mesmo acontece com quem quer se proteger de flutuações do dólar, seja para usar a moeda em uma viagem ou para alguma compra feita em moeda estrangeira.

Zenaro reconhece, no entanto, que esse caráter mais arrojado que o COE pode ter não é o que acontece no Brasil. Ele explica que no exterior, ativos de operações estruturadas são muito usados para compor a estratégia da carteira e, por isso, assumem mais riscos (o que pode, claro, trazer mais retornos). Já aqui, o histórico de juros altos e o próprio perfil do investidor brasileiro foram alguns fatores que dificultaram que o COE ganhasse um caráter mais arriscado.

“Há dez anos, eu achava que o produto nasceria assim, majoritariamente de capital protegido, mas depois mudaria. E, na verdade, mudou muito pouco de lá para cá. Hoje, 95% dos COEs têm ao menos o capital protegido e isso é muito particular do Brasil. Em outros lugares, como na Europa e até mesmo na África do Sul, China e outros países asiáticos é muito diferente”, diz.

Ainda que a característica do capital protegido seja muito reforçada por assessores de investimento, ela também pode ser um dos fatores que limita os ganhos dos COEs. Afinal, para garantir o capital protegido, boa parte do que compõe esses produtos são ativos prefixados, que já “garantem” o valor do capital de hoje, no futuro. O problema é que, com a oscilação dos juros no Brasil, esses ativos muitas vezes perdem do CDI. Isso porque, se os juros aumentam, os prefixados acabam ficando com um rendimento aquém dos pós-fixados. Assim, o ganho de produtos que têm prefixados em sua cesta fica limitado.

Um outro ponto importante que "limita" o ganho dos investidores é que, mesmo que não haja um custo explícito, como a taxa de administração dos fundos de investimento, o investidor em COEs paga alguma coisa por essa aplicação. O "problema" é que isso não fica muito claro. Isso acontece porque, na hora de estruturar o COE, o banco coloca uma “margem” nessa estrutura que ele monta.

Imagine um COE que aposte na alta das ações X. Para montar essa estrutura, o banco coloca, dentro da cesta desse produto, opções de compra dessas ações. Para quem não sabe, opções funcionam como um contrato que garante que, no futuro, o investidor (no caso, o banco emissor do COE) consiga comprar ou vender aquele ativo ao preço determinado nesse contrato. O problema, no entanto, é que os custos que o banco desembolsou nessas opções não é claro para o cliente. E parte da chamada "comissão" do banco vem também daí.

Além desse ponto não ser tão claro aos investidores, outras informações relacionadas ao COE também são difíceis de encontrar. Em 2020, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) estabeleceu a Resolução número 8. No artigo 14, a entidade propõe que as instituições emissoras de COE devam manter, em seus sites, uma seção específica destinada a informar os parâmetros definidos para os COEs, incluindo os custos de distribuição e os resultados dos COEs emitidos.

No entanto, essas informações não são exatamente fáceis de serem identificadas no site de alguns bancos e instituições. Em alguns, inclusive, a sessão para verificar esses dados era restrita a investidores com contas abertas naquela instituição. Já outras, colocavam os resultados consolidados por categoria e não por produtos específicos. Portanto, a transparência ainda é um fator que ainda precisa evoluir.

Zenaro, da B3, explica que há alguns anos, um dos maiores problemas que esse tipo de ativo tinha, no exterior, era justamente a falta de padronização de informações. E isso fez com que a CVM se antecipasse e exigisse as medidas propostas na Resolução número 8. Ele reconhece, no entanto, que isso não faz com que a oferta do produto seja "à prova de problemas".

"A gente teve muito aprendizado com as notas estruturadas lá fora, então começamos bem em termos de informação. Temos, por exemplo, o DIE - Documento de Informações Essenciais, que é um material que o banco precisa colocar os riscos e simular cenários daquele COE, por exemplo. Isso mostra que houve uma preocupação grande em se dar uma transparência", afirma. "Então o investidor está à prova de problemas? Não vai estar. Porque se a venda de qualquer produto não é bem feita, mesmo que tenha documentos, pode ter problema com investidor", diz.

Procurada, a CVM afirmou, em nota, que "a instituição emissora é a responsável pela veracidade, consistência, qualidade e suficiência das informações fornecidas para fins da realização de oferta pública realizada nos termos da referida resolução". "Sem prejuízo do acima informado, a CVM acompanha e analisa informações e movimentações no âmbito do mercado de valores mobiliários brasileiro, tomando as medidas cabíveis, sempre que necessário", completa a entidade.

Um outro ponto positivo levantado por especialistas é o fato de o COE oferecer ao investidor acesso à diversas classes de ativos. Há alguns anos, por exemplo, um de seus principais atrativos era a possibilidade de o investidor se expor ao mercado internacional. Com o tempo, porém, esses investimentos ficaram mais acessíveis. Atualmente, existe a possibilidade de pequenos investidores aplicarem em BDRs (papéis que "espelham" ações estrangeiras na bolsa brasileira) e até mesmo investirem diretamente no mercado estrangeiro por meio de plataformas que permitem ao investidor brasileiro aplicar no exterior, além, é claro, de outros instrumentos mais "tradicionais", como fundos que investem em outros países e fundos de índices (ETFs) de bolsas estrangeiras.

"Hoje, mudou a dinâmica e o apelo parece que diminuiu, porque o investidor consegue aplicar lá fora, abrir conta lá fora. Para se ter uma ideia, em 2019 cerca de 70%, 80% do volume de COEs era de ativos estrangeiros. Agora está mais perto de 30%, de 40%. Ainda tem apelo, porque nem todo mundo quer abrir conta lá fora, etc, mas é menor", afirma Zenaro, da B3.

Uma outra fonte do mercado que não quis se identificar destaca que o Brasil ainda é um país "com investidores com um viés doméstico muito alto". Por isso, "oferecer um acesso internacional com o mecanismo do capital protegido e sem exposição cambial" é algo que tem apelo. Mas hoje em dia, existem diversas modalidades de investimento no exterior com o "hedge" cambial. E o apelo do capital protegido pode ser substituído pela diversificação dos investimentos.

Por fim, uma das principais críticas em relação ao produto é o fato de ser comum encontrar recomendações de COEs para investidores iniciantes, mesmo sendo um produto complexo, que exige ressalvas e diferentes análises. Para Zenaro, da B3, esse tópico também pode ser resolvido com mais transparência em relação ao produto.

"Quanto maior transparência de informação, melhor. E, principalmente, mais importante ainda é a transparência de risco, não basta constar só no papel. Faz sentido para um determinado investidor ficar em uma operação de quatro anos, por exemplo? Isso precisa ficar claro", afirma.

A preocupação do especialista está relacionada ao ambiente de juros altos do Brasil. Receber o capital protegido depois de quatro anos (leia-se, apenas o valor investido de volta e nem mais um centavo a mais) significa uma perda para o investidor de aproximadamente 40% do que conseguiria caso tivesse feito uma aplicação mais simples, atrelada às taxas de juros.

Procurados, XP, Itaú e Bradesco, cujos COEs foram usados no levantamento feito pelo Valor Investe, não quiseram se manifestar.

Como um COE pode ser montado?

Para entender a função de “proteção” que o COE oferece, é preciso entender como ele é montado.

Em um exemplo hipotético, um COE pode apostar na alta das ações X e Y. Nele, as “condições” podem ser, por exemplo, que: se as ações caírem, o investidor terá o dinheiro investido de volta. Se as ações subirem até 50%, o ganho será igual à alta que elas registrarem, mas se as ações subirem mais de 50%, o investidor terá uma rentabilidade limitada em 50%.

Para um banco montar esse COE e garantir que essas condições sejam cumpridas, ele precisa colocar dentro dessa “cesta” as chamadas opções, que nada mais são do que o direito de comprar ou vender um ativo, num determinado preço, em uma data futura específica.

Então, se as ações da empresa X valem hoje R$ 10 e as da empresa Y valem R$ 20, o banco compra opções em que poderá comprar, em um ano, essas ações a R$ 10 e R$ 20, respectivamente. Assim, ele já garante a rentabilidade dos investidores se as ações subirem.

Para reduzir o montante desembolsado com a compra das opções de compra, o banco vende outras opções de compra com preço de exercício 50% maior, de R$ 15 e R$ 30, respectivamente. Dessa forma, ele trava o ganho máximo do investidor no COE em 50%. Isso porque, caso de fato o preço das ações subam acima de 50%, o banco vai ser obrigado a vender as ações naqueles preços estabelecidos.

Adicionalmente, com os recursos que sobraram no caixa depois da emissão do COE, e descontado o custo das opções, o banco investe em títulos prefixados. Essa rentabilidade será suficiente para garantir o valor do principal, se o preço das ações caírem.

Diversificação de investimentos — Foto: Getty Images
Diversificação de investimentos — Foto: Getty Images
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