Hora de Investir

Por Nathália Larghi, Valor Investe — São Paulo


No fim do ano passado, as expectativas para 2024 eram otimistas. Os analistas esperavam que os juros começassem a cair nos Estados Unidos e seguissem em trajetória de queda no Brasil. Com isso, a bolsa decolaria e a renda variável finalmente voltaria a ter mais apelo. Seis meses depois, não foi o que aconteceu. O ciclo de cortes da Selic parou (pelo menos por enquanto) mais cedo do que o esperado e a bolsa acumula uma queda, no ano, de quase 8%. Até agora, a renda fixa continua sendo a classe mais rentável do país. E, segundo analistas, o segundo semestre tende a ir pelo mesmo caminho, a menos que existam mudanças significativas no âmbito fiscal ou na economia norte-americana.

No primeiro semestre, o Ibovespa acumulou uma queda de 7,66% Dos seis meses até aqui, apenas junho e fevereiro foram de alta na bolsa brasileira. Já o CDI (taxa que acompanha de perto a Selic e é usada como indexador de muitos investimentos de renda fixa) vem entregando uma rentabilidade de 5,22% no ano, mesmo com os cortes de juros feitos em janeiro, março e maio. Até mesmo a boa e velha poupança rendeu mais que a bolsa brasileira, já que ela entregou uma rentabilidade de 3,40% no ano até agora.

De acordo com especialistas, existem duas principais explicações para esse cenário. E seria justamente uma mudança de rumo nesses dois elementos que poder fazer com o que o segundo semestre seja diferente. Do contrário, a renda fixa tende a seguir reinando absoluta.

Por que a bolsa não subiu?

A primeira explicação vem lá de fora. No fim do ano passado, os dados dos Estados Unidos mostravam que a inflação estava entrando nos eixos por lá. Com isso, o mercado passou a projetar que os juros americanos cairiam logo no começo do ano. No entanto, os indicadores do início de 2024 mostraram que a atividade ainda estava forte, o que traz mais pressão inflacionária. Os próprios dados de inflação evidenciaram que a alta dos preços não estava totalmente sob controle como se pensava. Com isso, as apostas de que os juros americanos cairiam em breve perderam força. Assim, o mercado passou a projetar juros mais altos também no Brasil, o que ajudou a penalizar a bolsa.

Isso acontece porque, uma vez que as taxas de juros americanas estão altas, o Brasil também precisa mantê-las um pouco mais altas para que seus títulos consigam “competir” com os americanos e também atrair investimentos. Com isso, os investidores passaram a priorizar a renda fixa, que seguiu com rentabilidades atrativas, em detrimento de se arriscar na bolsa.

E, como se não bastasse os "efeitos do exterior", outro problema ajudou a derrubar o Ibovespa por aqui: o fiscal. Atualmente, o governo tem a meta de zerar o déficit em 2024 (ou seja, equiparar seus gastos e suas receitas). O cumprimento desse objetivo seria um sinal de que a saúde financeira do país está em dia. Isso diminuiria a percepção de risco e, portanto, os prêmios exigidos para se investir no Brasil. Ou seja: com a percepção de que as contas públicas estão sob controle e a atividade em alta, mais investidores se sentiriam confortáveis para aplicar seu dinheiro no Brasil.

"No começo do ano, estávamos ligando tudo aos cortes do Fed. Ou seja, quando o Fed cortasse os juros por lá, isso teria um reflexo positivo no mercado local. Mas a inflação americana veio acima do esperado e isso não aconteceu", narra Ricardo Peretti, estrategista pessoa física do Santander. "A partir de abril, quando governo começa a rever suas metas fiscais, a viabilidade do arcabouço começou a ficar mais questionável e o cenário ficou mais difícil", completa.

Esse panorama vai mudar?

De acordo com analistas, esse cenário de juros maiores tem pouco espaço para mudar. Fernando Ferreira, estrategista-chefe da XP, destaca que o próprio Banco Central sugeriu, em seus últimos comunicados, que não há a necessidade de mexer na taxa de juros para que a inflação volte para casa dos 3%, centro da meta definida pelo governo.

No cenário atual, não vemos espaço para corte de juros até o final do ano que vem. E acho que o BC tentou mandar essa mensagem tanto na ata quanto no comunicado da última decisão, onde eles colocam aquele cenário alternativo de que, com um cenário de juros inalterados, ou seja, mantidos em 10,5% até 2025, a inflação chegaria em 3,1%, portanto, muito perto da meta. O recado foi: não precisamos subir juros nem cortar”, disse o especialista. Sendo assim, caso o cenário fique inalterado, a renda fixa continua tendo apelo, uma vez que os juros continuam altos e entregando um rendimento real (ou seja, acima da inflação) atrativo.

É bem verdade que, mesmo com juros altos, a bolsa americana conseguiu entregar resultados positivos em 2024, coisa que não aconteceu por aqui. Mas, segundo os especialistas, o bom desempenho dos índices acionários dos EUA foi justificado principalmente por um único setor: o de tecnologia.

"As bolsas americanas foram puxadas principalmente por ações de crescimento e com bom momento de entrada. E isso veio do setor de tecnologia. O índice S&P, por exemplo, tem 40% de sua composição em tecnologia. E até mesmo quando olhamos mercados emergentes, o melhor país neste ano é Taiwan, e o segmento de tecnologia é 60% do índice lá. No Brasil, é 1%. Então, não tínhamos essas tendências que o mercado procurou", explica Daniel Gewehr, estrategista-chefe de ações do Brasil e América Latina do Itaú BBA

No caso do Brasil, Ferreira, da XP, afirma que é um pouco mais difícil encontrar essas histórias específicas que ajudem a puxar a bolsa para cima. Ele até relembra que, no ano passado, o bom desempenho de Petrobras e Banco do Brasil foram decisivos para o Ibovespa fechar o ano no azul. Em 2024, no entanto, as ações que têm tido bons desempenhos representam pouco do índice.

“Ano passado teve o exemplo da Petrobras e Banco do Brasil, que ajudaram bastante na alta do índice que vimos em 2023. Esse ano está mais difícil ver um setor que vai descolar e que seja relevante. Temos imobiliário voltado para baixa renda, que está indo muito bem. Mas no índice a participação é pequena. Também temos ações de commodities, como os frigoríficos etc. Mas não sei se só elas conseguem puxar o Ibovespa, precisamos de outros setores participando também para que ele [o índice] suba”, diz.

O que é preciso para mudar?

Para que o cenário do segundo semestre seja diferente do primeiro (e, consequentemente, a bolsa feche em alta), é preciso que aconteçam mudanças tanto na rota de juros americana quanto no âmbito fiscal brasileiro, segundo os analistas. 

"Tudo depende do clima no Brasil e se teremos corte de juros por parte do Fed. Se isso acontecer, o mercado pode começar a prever que aconteçam novos cortes na Selic mais para o fim do ano. Mas, pelo menos por enquanto, o mercado entende que BC fez uma pausa e que pode durar seis meses. Então, temos um horizonte de Selic em 10,5% até segunda ordem. E isso é o suficiente para deixar os investidores satisfeitos com renda fixa. Mas é claro que tudo depende de Fed, da eleição nos EUA, dos gastos públicos aqui e tudo mais", afirma Peretti, do Santander. 

No âmbito fiscal, Ferreira, da XP, acredita que devem acontecer “acenos positivos” por parte do governo, com medidas de controle de gastos. Ele questiona, no entanto, se as propostas serão suficientes, do ponto de vista do mercado, para melhorar a situação.

“A gente acredita que haverá acenos. O Fernando Haddad, ministro da Fazenda, tem falado bastante sobre medidas de tentativa de controle e combate a fraudes na previdência, por exemplo. Então devemos ver medidas sendo anunciadas, sim, porque o câmbio em R$ 5,50 gera um alerta em Brasília. Mas não sabemos quais serão essas medidas ainda. Às vezes o time da Fazenda solta uma ideia via imprensa, depois o Lula diz que não vai fazer, então está difícil descobrir quais serão os detalhes. Mas achamos que algo vem, a dúvida é se o mercado vai comprar aquele plano como crível ou não. Se vai conseguir agradar os economistas de que existe uma vontade de controlar o orçamento via gastos e não são via arrecadação”, diz.

Onde investir?

Mas isso não significa que tudo está perdido para quem quer investir em bolsa. A máxima de que "a bolsa brasileira está barata" pode até parecer batida no mercado, mas ainda é verdadeira. No entanto, é preciso saber escolher bem. Para Gewehr, do Itaú, existem alguns setores interessantes, com destaque para o elétrico, de portos e de shoppings centers.

"O setor elétrico está interessante, as empresas têm qualidade, pagam bons dividendos e têm crescimento. A Equatorial, por exemplo, é bem interessante", afirma. "O setor de portos também está bom. A Santos Brasil tem distribuição de dividendos fortes e está em um momento de lucro", completa. "Além disso, o segmento de shoppings centers, que eu enxergo como uma infraestrutura do consumo, também está bom. As vendas por metro quadrado são melhores que a média do consumo brasileiro e as três empresas desse segmento listadas na bolsa são boas", afirma o especialista.

Peretti, do Santander, tem uma visão um pouco mais conservadora para este momento. Ele afirma que pode ser difícil para o investidor pessoa física fazer uma análise minuciosa e encontrar oportunidades. Por isso, as principais apostas são em setores mais defensivos.

"O que temos tentado fazer aqui é diminuir risco dos portfólios e colocar empresas que no longo prazo conseguiram ter resultados bons. Olhamos companhias que tendem a manter uma participação de mercado estável ou em crescimento e que, mesmo assim, entregam retorno para o acionista. A Totvs é uma empresa e é descorrelacionada com o PIB. A RaiaDrogasil também segue ganhando 'marketshare'. E gostamos também do setor de telecomunicações, com empresas como Vivo e Tim, que pagam bons dividendos, que é algo sensível ao investidor", diz.

Investir lá fora é uma boa?

Em meio a esse cenário conturbado por aqui, há quem planeje investir lá fora no segundo semestre. Afinal, as bolsas americanas têm ido bem e o dólar não para de subir. Além disso, de alguns anos pra cá, investir no exterior se tornou mais fácil e barato, com opções como BDRs (papéis negociados na bolsa brasileira que "espelham" ações listadas no exterior), ETFs (fundos que acompanham índices das bolsas) ou por meio de corretoras especializadas em investimentos em outros países.

Segundo os especialistas, a estratégia pode valer a pena. Desde que não seja focada no curto prazo, como os próximos seis meses.

"Estamos em um momento em que dólar saiu de R$ 5 para R$ 5,50. Então, o real já se depreciou e fazer esse movimento agora pode não fazer muito sentido. Mas pensando no longo prazo, nos próximos anos, é inegável pensar que as mais teses disruptivas de mercado, como foi agora com a inteligência artificial, devem vir do mercado internacional. Então é interessante ter alocação lá fora", afirma Peretti, do Santander.

Ferreira, da XP, concorda que a alocação no exterior precisa ter um caráter estrutural. Segundo o estrategista, a renda fixa lá fora pode ter, inclusive, oportunidades melhores do que a renda variável neste momento. Isso porque, de acordo com o especialista, a bolsa americana não está tão barata (e, portanto, não tem tanto potencial de alta).

“O que a gente vem falando há um bom tempo é que alocação internacional tem que ser mais estrutural do que tática. Até porque o Brasil é um mercado pequeno dentro dos globais, então diversificação internacional faz parte da diversificação de risco. Não é só porque o câmbio subiu que precisa alocar fora, tem que ter investimento dolarizado sempre”, afirma. “A nível de preços, a bolsa americana preocupa um pouco a gente. A gente gosta de tese de tecnologia e etc, mas bolsa americana está longe de ser uma barganha. Preferiríamos ativos de renda fixa global do que de renda variável global”, diz.

Seja como for, o que é unanimidade entre os especialistas, é que o cenário depende de muitas variáveis para que no segundo semestre as coisas mudem. Por isso, cabe ao investidor ficar de olho nos desdobramentos das contas públicas no Brasil e nos indicadores, especialmente de inflação, nos EUA.

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