Surpreendendo boa parte dos agentes de mercado, a Securities and Exchange Commission (SEC, a Comissão de Valores Mobiliários dos EUA) aprovou nesta quinta-feira (23) a listagem de ETFs (fundos de índice negociados em bolsa) com exposição direta a ethereum. É a segunda maior criptomoeda em valor de mercado do mundo e token nativo da rede blockchain mais usada no planeta.
A SEC autorizou o lançamento dos ETFs propostos pelas gestoras tradicionais VanEck, Ark Invest/21 iShares, Invesco, Fidelity, BlackRock e Franklin Templeton, assim como das criptonativas Grayscale e Bitwise. No entanto, a autorização ainda não permite a colocação dos produtos no mercado, faltando a aprovação de outros documentos serem apresentados pelas gestoras.
Logo após a publicação da decisão, por volta de 18h20 (horário de Brasília), o ethereum estava sendo negociado a US$ 3.800, valorização de 2%, nas últimas 24 horas. Em sete dias, o ganho chega a 30%.
Para Samir Kerbage, diretor de investimentos da Hashdex, a aprovação deve ter um efeito positivo significativo sobre os preços do ethereum, embora o impacto possa diferir daquele observado com os ETFs de bitcoin.
“A aprovação dos ETFs de bitcoin gerou um aumento imediato no preço, mas como a mudança de postura da SEC em relação aos ETFs de ETH é recente, estimamos que possa levar de um a cinco meses para que esses ETFs comecem a negociar”, afirma Kerbage. “Isso dependerá do ritmo de revisão da SEC nos prospectos dos fundos.”
Kerbage aponta que, ainda assim, a introdução de um ETF de ethereum abriria portas para um fluxo considerável de capital institucional, similar ao que vimos com os ETFs de bitcoin. “Esse influxo de capital não apenas aumentaria a demanda por ETH, mas também poderia consolidar a posição de Ethereum no mercado, destacando suas vantagens únicas e seu potencial de crescimento no longo prazo”, destaca.
ETFs de ethereum estão disponíveis no mercado brasileiro desde agosto de 2021, com o QETH11, da QR Asset, e o ETHE11, da Hashdex.
Novo marco dentro do novo marco
A aprovação dos ETFs de bitcoin no mercado americano, em janeiro, era considerada um marco para uma nova era de integração entre o mercado financeiro tradicional e o das criptomoedas. O “aceito” de hoje para os ETFs de ethereum já é visto com um marco para essa nova era que acabou de começar.
Isso porque a decisão da SEC pode encerrar os questionamentos sobre a natureza desses criptoativos e o embate entre mercado e reguladores há mais de uma década. O ETF de bitcoin foi aprovado porque a SEC classifica a cripto como commodity.
O ethereum (com letra minúscula) é a criptomoeda da rede blockchain Ethereum (com primeira letra maiúscula), criada por Vitalik Buterin, em 2014.
Atualmente, maio de 2024, mais da metade de todos os aplicativos descentralizados de finanças (os contratos inteligentes, ou auto-executáveis, ou smart contracts, em inglês) e de tokenização de ativos é criada e executada na rede Ethereum.
As chamadas tecnologias de primeira e segunda camadas na rede Ethereum dão origem a diversos projetos tanto no segmento de finanças descentralizadas como em outras áreas, como entretenimento e educação.
O ethereum (com letra minúscula) é o “ingresso” para acessar tudo isso. Entendido como “ingresso”, a cripto é classificada como “utility token”, um token de utilidade.
No entanto, esse token tem um preço que varia diariamente, conforme a demanda. Esse token foi lançado e comercializado em um ICO (Initial Coin Offering, uma oferta inicial de criptomoedas, o IPO do mercado cripto), que captou US$ 18 milhões, em julho e setembro de 2014, para financiar o desenvolvimento do projeto.
Nesse contexto, a SEC e outros reguladores ao redor do mundo discutiam se seria um “security token”, ou valor mobiliário, devendo responder à legislação atual existente sobre o tema.
Além disso, em setembro de 2022, um processo batizado de “The Merge”, na rede Ethereum, migrou o algoritmo de consenso na mineração dos tokens de prova de trabalho (Proof-of-Work, ou PoW), o mesmo do bitcoin, para prova de participação (Proof-of-stake, ou PoS).
Desde então, para receberem sua remuneração, os mineradores precisam deixar uma quantidade de ethereum “travada” na rede, em "staking". Ou seja, rendimento com valor mobiliário, semelhante à renda fixa, no entendimento da SEC, até agora.
Independentemente dessa discussão, utility ou security, fato é que o ethereum já alcançou o valor de US$ 4.900, em novembro de 2021, e deve ultrapassar esse patamar com o início das negociações dos ETFs, como aconteceu com o bitcoin.
A principal criptomoeda em valor de mercado, renovou sua máxima histórica dois meses após o lançamento dos ETFs no mercado americano, impulsionada pela demanda destravada dos investidores institucionais. O bitcoin chegou aos US$ 73.700, em meados de março.
Levando em conta esse salto no preço do bitcoin, após a chegada dos ETFs no mercado americano, a gestora Bernstein estima que o ethereum deve avançar ao patamar de US$ 6.600, com seus próprios ETFs nos EUA, com uma valorização em torno dos 75%.
Para André Franco, analista-chefe do MB, assim como no caso do bitcoin, os ETFs de ethereum também devem receber “alguns bilhões de dólares”, vindos principalmente dos investidores institucionais, mesmo que ainda em menor volume. “Os ETFs de ETH devem receber algo entre 10% a 30% desse fluxo financeiro logo no início das negociações”, afirma.
“Este é um marco significativo para todo o ecossistema cripto, que vai desbloquear novas reservas de capital e impulsionar uma participação mais ampla no mercado”, comenta Fábio Plein, diretor regional para as Américas da Coinbase. Embora não possamos prever com certeza, a nossa expectativa é ver um maior envolvimento institucional e volumes de negociação, e esperamos aproveitar esse impulso para refletir o crescimento que experimentamos após a aprovação do ETF de bitcoin à vista.”
Tão ou mais impactante que a valorização do token, o sinal verde da SEC aos ETFs de ethereum pode abrir o caminho para que outros tokens nativos de projetos, inclusive concorrentes, como Solana, saiam no "cercadinho" e adentrem o mercado de capitais tradicional (que já nem é mais tão tradicional assim desde janeiro).
Sob outro aspecto, Theodoro Fleury, gestor e diretor de investimentos da QR Asset Management, pontua que "a proximidade das eleições presidenciais nos EUA pode ter sido determinante na decisão da SEC".
Segundo Fleury, "com a forte perseguição instituída contra o mercado cripto em geral por Gary Gensler, atual presidente da SEC, criou-se a narrativa de que republicanos são mais favoráveis ao setor do que democratas".
Entretanto, observa, os apoiadores do ecossistema de ativos digitais são cada vez mais numerosos, e tanto democratas quanto republicanos precisam de seus votos nas próximas eleições. "A aprovação mostra uma clara flexibilização da postura de Gensler, em um sinal de que os democratas andam preocupados com os votos vindos de representantes do setor."
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