Custo da Selic para empresas chega a R$ 78 bi

Cifra é mais que o dobro do que a Vale investe ao ano; setores criticam conservadorismo do BC

Por — De São Paulo


Ricardo Nunes: “Há muita ‘bagunça política’ ainda, e a adoção de uma linha mais populista do governo pode elevar risco político e fiscal” — Foto: Leo Pinheiro/Valor

A manutenção da taxa básica de juros em 10,5% ao ano pelo tempo que for necessário para o recuo da inflação, como o Banco Central indicou na quarta-feira, terá um custo bilionário para as companhias e deve afetar investimentos de longo prazo, num momento de retomada ainda tímida nas atividades da indústria e do comércio.

Apesar de empresários compreenderem as razões do fim do ciclo de queda da Selic, por considerarem crucial o controle inflacionário e já criticarem abertamente a frouxidão fiscal do governo Lula, carregar essa taxa traz um custo financeiro para as empresas de pouco mais de R$ 78 bilhões ao ano, segundo cálculos feitos pela gestora Paramis Capital a pedido do Valor.

O estoque total da dívida corporativa atrelada ao CDI atinge hoje R$ 743,2 bilhões e, com a Selic a 10,5%, a conta no bolso das empresas atinge R$ 78 bilhões ao ano. Esse montante equivale a mais que o dobro dos investimentos projetados pela Vale em 2024 e a 70% do desembolso médio anual previsto pela Petrobras de 2024 a 2028.

Se o juro básico fechasse o ano em 9%, como o mercado estimava há menos de seis meses - antes de a preocupação com a inflação aumentar e o governo afrouxar o discurso de maior rigor das contas públicas -, o custo iria a R$ 66,9 bilhões, ou R$ 11,1 bilhões inferior ao impacto atual.

Com a taxa a 9,5%, o peso do juro seria de R$ 70,6 bilhões ao ano, R$ 7,4 bilhões abaixo do impacto atual. O país tem a segunda maior taxa de juro real do mundo, atrás apenas da Rússia, algo que trava financiamentos e adia projetos de empresas que emitem dívida atrelada ao CDI, maioria no mercado.

Para Ricardo Nunes, diretor de investimentos de crédito e grandes fortunas da Paramis, a Selic acima de 10% tem potencial para atrasar projetos e desacelerar crescimento dos grupos. Ontem, associações setoriais e empresários reforçaram esse coro, com críticas ao fim do ciclo de queda da Selic e às incertezas no campo fiscal e político. “Achamos que essa Selic de 10,5% se ‘arrasta’ até o fim do ano, e não descartamos totalmente um eventual aumento. Há muita ‘bagunça política’ ainda e, se o governo adotar uma linha mais populista, isso pode elevar mais o risco político e fiscal”, diz Nunes.

Leonardo Silva, coordenador de competitividade da Abimaq, associação da indústria de máquinas, disse que há uma compreensão das motivações da decisão do Banco Central. “O BC está fazendo o papel dele, não questionamos isso, há um risco inflacionário e a questão fiscal não pode ser desconsiderada. Mas o risco é a dose do remédio se transformar em veneno.”

Pesa na conta o fato de a dívida das empresas ter crescido ao longo do ano, já que a Selic incide sobre o bolo total. O estoque de dívida corporativa passou de R$ 610 bilhões em abril para R$ 743 bilhões hoje, segundo a gestora, com efeito direto das emissões de debêntures.

Essas operações de dívida se aceleraram neste ano por conta de uma janela de “spreads” bancários menores até maio, com garantia firme dos bancos que estruturaram as emissões. O levantamento da gestora não considera o efeito do recuo do spread na dívida.

Em paralelo, houve uma “seca” das ofertas públicas iniciais de ações (IPOs) de três anos para cá, e redução das ofertas subsequentes (“follow-on”). Boa parte das ofertas que saíram do papel foi liderada por controladores de negócios alavancados. Com isso, faltaram canais de acesso a recursos, o que também fez subir a emissão de crédito privado de dois anos para cá.

As ofertas de debêntures atingiram R$ 160,6 bilhões de janeiro a maio, recorde para o período, com alta de 204% sobre 2023.

Para Daniel Lombardi, sócio-diretor da G5 Partners, que faz gestão de patrimônio, fusões e reestruturações, com a visão de Selic a 10,5% pelos próximos meses, as emissões privadas devem seguir aquecidas ao menos até o fim do ano.

Também devem crescer movimentos de venda de ativos de empresas, para fazer caixa, e transações de “sale and leaseback”, quando a companhia se desfaz de uma propriedade e a aliena de volta, para ter acesso aos recursos da venda. Isso já aumentou desde 2023 entre redes de varejo, altamente afetadas pelo aumento dos juros.

Para Lombardi, o que tem de ficar claro entre empresas e o mercado é que, com a certeza de um custo de capital mais alto por mais tempo, se a companhia tiver de entrar numa nova reestruturação de dívida, que chame bancos e credores e negocie com transparência.

“Negócios ainda alavancados carregam pouco desaforo, e muitos acionistas já colocaram dinheiro do bolso na empresa nessa fase de juro alto. Então, quanto mais rápido equacionar, melhor”, diz.

Nesse ambiente de maior incerteza, líderes industriais e do varejo subiram o tom desde ontem. CNC e CNI, confederações do comércio e indústria, Abimaq (máquinas) e IDV (varejo) jogaram foco nos efeitos nocivos da política monetária contracionista - a CNI chegou a falar em decisão “inadequada e excessivamente conservadora”.

Em relatório desta semana, o Santander vê impacto negativo, da manutenção da Selic nas varejistas Casas Bahia, Magazine Luiza e Pague Menos. Na ponta oposta, possíveis beneficiadas são Renner, Vulcabras, Vivara e Natura, pouco ou nada alavancadas.

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