O ex-banqueiro Luis Octavio Indio da Costa, que controlava o banco Cruzeiro do Sul, foi condenado pela 2ª Vara Criminal de São Paulo a mais de cinco anos de prisão por crime contra o sistema financeiro. Em março, o juízo entendeu que ele desviou recursos e, no início deste mês, o Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3) indeferiu uma liminar com pedido de habeas corpus feito por sua defesa.
O mérito do caso ainda não foi julgado pelo tribunal superior e a defesa disse que apelará da decisão inicial. Como ele é réu primário e a condenação é a regime semiaberto, uma eventual prisão só ocorrerá após o trânsito em julgado.
O juiz Marcelo Duarte da Silva afirmou, na condenação, que por meio de manobras contábeis “foram produzidos receitas e lucros irreais e artificializados que foram redistribuídos proporcionalmente aos acionistas na forma de dividendos e juros sobre o capital próprio, sendo Luis Octavio e Luis Felippe os principais beneficiados do ilícito”. Luis Felippe é pai de Luis Octavio e morreu em março do ano passado.
O juiz levou em conta uma acusação do Ministério Público Federal (MPF), que indicou o “incremento de resultados positivos do Banco Cruzeiro do Sul por meio de manobras contábeis artificiosas e fraude em suas demonstrações financeiras”, durante 2008 e 2009. As manobras incluem, segundo o MPF, a celebração de cessões de direitos creditórios a fundos de investimentos em direitos creditórios (FIDCs), “utilizando-se de taxas de desconto discrepantes daquelas usualmente praticadas no mercado financeiro, modo pelo qual se obteve, artificialmente, resultados positivos”.
Apesar dessa condenação por desvio de recursos, o juízo absolveu Luis Octavio de outras três acusações de crime contra o sistema financeiro.
No recurso apresentado ao tribunal, o empresário pediu a suspensão da ação penal contra ele até que seja julgado o mérito de uma outra ação, penal falimentar, que tramita na 2ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais. De acordo com o pedido, os fatos apurados na segunda ação “influenciam diretamente nas apurações e no deslinde da ação penal de origem, justificando, assim, a necessidade de seu sobrestamento”.
O desembargador José Marcos Lunardelli, do TRF-3, não acatou esse argumento. Disse que a defesa de Luis Octavio não conseguiu comprovar essa relação de interdependência entre os dois processos e, por isso, não há necessidade de suspensão da ação penal. Além disso, Lunardelli afirmou que o próprio período no qual os supostos crimes teriam ocorrido são diferentes das eventuais irregularidades mencionadas pela defesa de Indio da Costa.
Segundo Lunardelli, o que está sendo investigado na ação penal são possíveis crimes contra o sistema financeiro praticados por diretores, administradores e ex-controladores cometidos durante a gestão do Cruzeiro do Sul no período de janeiro de 2007 a março de 2012. Já o apurado na ação penal falimentar trata da prática de possíveis crimes falimentares, que teriam sido cometidos a partir de março de 2012, durante o regime de administração especial temporária (RAET) do Banco Cruzeiro do Sul, pelos representantes do Fundo Garantidor de Créditos (FGC).
Justiça diz que foram produzidos receitas e lucros irreais e artificializados, distribuídos aos acionistas
De acordo com Roberto Podval, que faz a defesa criminal de Indio da Costa, a base do pedido de habeas corpus é que a condenação foi feita com apoio no laudo de uma “empresa inidônea”, a IMS, que não teria capacidade técnica para esse serviço. “O desembargador entendeu que não cabia habeas corpus e que isso deveria ser julgado durante o processo”.
Para ele, a decisão em primeira instância foi exagerada. “O juiz estabeleceu uma pena muito alta para que o processo não prescrevesse, porque ele ficou dez anos parado. Não houve desvio nenhum, na questão dos empréstimos consignados, era simplesmente uma situação contábil e as contas iam fechar no fim do ano”, alega.
Segundo Podval, como havia vários crimes elencados na acusação, o fato de Luis Octavio ter sido absolvido em três e condenado em um “não deixa de ser uma vitória”. “Mas de qualquer forma é uma injustiça absoluta, nós vamos recorrer e tenho certeza que será corrigida pelos tribunais”, disse.
O caso do Cruzeiro do Sul estourou em junho de 2012 com a intervenção do BC após a autoridade descobrir ações fraudulentas na gestão do banco. Por três meses, a instituição ficou sob a administração do FGC, responsável por apurar o rombo e tentar encontrar uma solução de mercado. Como isso não foi possível, em setembro daquele ano foi decretada a liquidação extrajudicial. Luis Felippe e Luis Octavio chegaram a ser presos brevemente na ocasião. A falência foi decretada em 2015.
A primeira vitória de credores e da família Indio da Costa contra o FGC foi em abril de 2023 com a condenação do fundo em R$ 4,3 bilhões por inadimplemento contratual. No entendimento do juiz, o fundo garantidor deixou de dar liquidez ao banco após a intervenção do Banco Central (BC), em 2012, algo que não poderia ter deixado de ocorrer.
Alguns meses depois, um grupo de credores do Cruzeiro do Sul também obteve uma vitória na Justiça contra o FGC, em um caso que pode chegar a quase R$ 860 milhões. Eles questionam o fato de o fundo ter resgatado antecipadamente um CDB 48 horas antes da decretação de liquidação extrajudicial. Para eles, houve algum tipo de informação privilegiada que beneficiou o FGC em detrimento dos demais, já que o fundo era o administrador do Cruzeiro do Sul, além de credor do banco.
A dívida atual do Cruzeiro do Sul é de R$ 6,5 bilhões, de acordo com último relatório público, de abril deste ano, divulgado pelo administrador judicial, a Laspro Consultores. Com a recuperação de ativos, existem R$ 3,9 bilhões em caixa e cerca de R$ 800 milhões disponíveis para rateio entre os credores. A reserva não foi ainda distribuída porque há recursos pendentes de julgamento, inclusive no Superior Tribunal de Justiça (STJ), como disputas sobre prazo de prescrição na habilitação de crédito.
O maior credor do Cruzeiro do Sul atualmente é o próprio FGC, com uma exposição de R$ 1,971 bilhão. O quadro mais recente de credores é de novembro de 2021, mas deve ser atualizado em breve, com o possível novo rateio. Já naquela ocasião o fundo Alternative Assets I, do BTG, aparecia como maior credor quirografário (não trabalhista e sem garantia real), com R$ 235 milhões. E, segundo relatos, o banco vem comprando dívidas nos últimos anos e é possível que atualmente já tenha quase metade do débito quirografário. O banco vem se especializando nos últimos anos em comprar instituições em liquidação extrajudicial, como Bamerindus, BVA, Econômico e Nacional.