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Por SporTV.com — São Paulo


Daniel Alves é o convidado do Grande Círculo

Daniel Alves é o convidado do Grande Círculo

De volta ao futebol brasileiro após quase duas décadas na Europa, Daniel Alves é o convidado do programa "Grande Círculo, do SporTV". Maior vencedor de títulos da história do futebol, com 40 troféus levantados, o capitão da seleção brasileira escolheu o São Paulo para seguir sua trajetória gloriosa no esporte (assista acima a entrevista na íntegra).

Nesta entrevista, Daniel Alves fala sobre o posicionamento dos jogadores em questões sociais, do choque cultural ao retornar ao Brasil e até mesmo cobra uma opinião mais forte de Neymar. Fernando Diniz, estilo de jogo e dificuldades de atuar no futebol brasileiro também são temas abordados.

O programa, comandado por Milton Leite, teve a participação do comentarista Walter Casagrande Jr., dos jornalistas Alexandre Lozetti, Guilherme Pereira, Andréia Sadi, Felipe Andreoli e Antero Greco.

Leia abaixo alguns trechos da entrevista e assista acima ao vídeo na íntegra:

Milton Leite: Você voltou ao futebol brasileiro há praticamente três meses. Nesses período que você está vivenciando o futebol no Brasil, o que mais incomodou até agora?
– Primeiro boa noite a todos, um grande prazer estar participando deste "Grande Círculo", nesse 7 a 1 eu vou participar mais ativo (risos), porque no outro eu não fui. Creio que foram os três meses mais intensos da minha vida durante toda a minha carreira. Nunca vivi intensamente tantas coisas, tanto para o bem quanto para não tão bem. Quando tomei a decisão de vir para cá, eu vim muito consciente de tudo que representava minha vinda e toda captação que teria nas coisas boas e não tão (boas). Porque vim com status de estrela, status de um histórico no futebol, vim com um status diferente para um clube que está precisando disso, está com sede de tudo isso. É aquela velha história: o desafio é para os valentes, e eu acredito que é o que mais fui na minha vida.

Daniel Alves é o convidado do "Grande Círculo" — Foto: Reprodução

Andréia Sadi: Quando chegou aqui depois de tantas décadas fora, qual foi o choque cultural que você teve?
– O principal foi logo na minha chegada, eu não esperava uma recepção como a que tive. Foi um choque para o que eu estava vivendo. Depois acredito que aqui no Brasil tudo gera debate: se você é mais bonito ou mais feio que aquele, se você é melhor ou pior que aquele, se você joga bem ou não joga bem. Tudo tem comparação com os outros, e eu acredito que não deveria existir as comparações. Todas as pessoas têm a sua importância no que fazem e todas as pessoas devem ser respeitadas como tal.

– Acredito que vocês na área de vocês fazem por merecer estarem sentados aí, não tenho o direito de poder debater se você merece estar sentado aí ou não, simplesmente você está por mérito próprio, pelo trabalho de vocês. É mais ou menos o que eu faço, o que procuro fazer. Não sou uma pessoa que tenta julgar a profissão de ninguém, que tenta julgar pessoas, simplesmente tento aceitar como elas são e tento aprender um pouco dela. Está me chocando um pouco esse tipo de debate. Tudo é debate, e eu nunca gostei disso, nunca tive isso tão próximo, tão intenso como é aqui. Sou uma pessoa que me fortaleço cada dia mentalmente muito para aceitar essas coisas, para não me contagiar deles, porque eu tenho uma responsabilidade.

– Quando você vem para um clube com a grandeza do São Paulo, tudo que envolve a sua vinda para cá, você começa a ter responsabilidade diferente dos seus companheiros, e eu não vim para brincadeira. Eu vim para aceitar esse desafio, aceitar minhas responsabilidades e tentar que esse choque cultural de várias outras coisas que existem sejam minimalistas na minha vida.

Casagrande: Vou pegar uma frase da sua apresentação: “Eu quero fazer história dentro de campo e fora do campo". O Chile está em uma crise muito grande, o povo está indo na rua contra o governo, até com certa agressividade. Jogadores da seleção, como Medel, Sánchez, Vidal e Bravo, se manifestaram em solidariedade ao povo, cada um da sua maneira, sua preocupação. Aqui no Brasil temos desmatamento ilegal na Amazônia, corrupção, manchas de óleo no Nordeste, e eu não vejo nenhum jogador brasileiro, principalmente da Seleção, se manifestar de alguma maneira. Os jogadores vão continuar dando milho aos pombos?
– A gente vive num país que não somos patriotas, para começar daí. Na minha opinião, não somos patriotas, porque o problema está do seu lado e você está “pray” (rezar, em inglês) por Paris, “pray” pros “EUA”, “pray” por não sei onde... Mas o problema está do seu lado... Então eu devolvo a pergunta. Não é uma questão do jogador da seleção brasileira, porque, por exemplo, a gente começa a adentrar numa coisa. Nós jogadores somos responsáveis por posicionamento no país? Não, nós brasileiros somos responsáveis pelos nossos posicionamentos do nosso país, seja jogador de futebol, seja jornalista, seja qualquer posição que tem, mas infelizmente vivemos num país que não somos patriotas, tudo de fora é mais importante que de dentro. Todos os ídolos de fora são mais importantes que os de dentro, e não é assim, porque eu como jogador, como atleta profissional sinto vergonha de certas coisas no meu país. Se não valoriza o que tem de casa depois você vai mudar o foco.

Daniel Alves foi eleito o melhor jogador da Copa América — Foto: Getty Images

Casagrande: Você não acha que em algum momento os jogadores importantes devem ser solidários a alguma coisa, uma cobrança? Não estou falando de partido, esquerda ou direita. Estou falando de Brasil.
– Eu sou um dos jogadores que mais se posiciona dentro do futebol mundial, não é nem no brasileiro, tentando entender por que não valorizamos o que mais acontece por aqui, porque não cobramos mais, porque não exigimos mais. Porque na maioria das vezes não temos a oferecer, então por isso cobramos muito dos outros. Eu sou partidário sempre da posição, mas o problema no Brasil é que qualquer posição vai gerar debate. Vai se pensar que é partido político, vai se pensar que está se posicionando porque tem algum interesse.

– Eu não estou nem aí. Se eu sentir que preciso me posicionar, vou me posicionar, não quero nem saber o que vão pensar. Por quê? Porque o posicionamento vem de mim, não de um atleta. Não é porque eu sou jogador de futebol, eu sou famoso, vou ter uma posição diferente. Eu estou na mesma posição dos outros, a diferença é que aquilo que eu faço as pessoas assistem e o que as outras pessoas fazem, que são tão importante quanto, ninguém assiste. Mas eu não me coloco como uma pessoa diferente da outra, acredito que todos somos iguais, todas as pessoas têm a sua importância. Quer se posicionar, vamos começar dentro de casa.

Felipe Andreoli: O que mudou nesse caminho dos jogadores da Seleção? Parece que o público tem uma antipatia com a Seleção. Quando ganha é legal, todo mundo é incrível, mas quando perde nem é nossa Seleção. Existe um movimento para mudar, e o que dá para fazer?
– Existe. A gente gostaria de jogar mais no Brasil, com certeza. Sem dúvida nenhuma não gostamos de pegar aqui 11h de fuso-horário, 24h de voo e jogar sem as condições reais para você apresentar o que pode, só que as pessoas não querem saber disso, parece justificativa, e não é, é a realidade.

– Sem poder dormir bem, o jogador se prepara para isso, e a gente questiona. Tínhamos feito um contrato com uma empresa que mais ou menos maneja os amistosos da nossa Seleção e não sei quais são os fins dessa empresa, eu só sei que nós como servidores da Seleção, da entidade, chamam a gente para a China e a gente vai. Manda a gente para Singapura, a gente vai, manda a gente para onde quiser a gente vai. O outro passo é que nem todas as seleções querem vir para o Brasil jogar contra a seleção brasileira, isso é real, não é demagogia, mas infelizmente é assim. Seleções grandes, de grande porte não querem enfrentar a seleção brasileira. Não sei se pela dificuldade, logística, não sei. Mas isso gera uma dificuldade para a gente.

– Evidente que as pessoas aqui acham que tem um distanciamento com o povo. É óbvio que gera. Se a gente não joga aqui é óbvio que vai haver um distanciamento com nosso povo. É difícil até para a gente, porque queira ou não a gente quer estar aqui, queremos jogar para o nosso povo, porque a Seleção é o nosso povo, entre aspas deveria ser, então é óbvio que gostaríamos de jogar todos os amistosos se pudesse ser aqui jogaríamos encantados. Mas entre o gostar e o poder...

Alexandre Lozetti: No "Players Tribune" você diz: “Eu sinto que sou incompreendido por muita gente”. Por que você sente isso? Queria que você dissesse como as pessoas enxergam e como você gostaria de ser compreendido.
– Eu acho, não tenho certeza, que as pessoas se acostumaram que as outras sejam aquele tipo de “ah, eu me adapto, se tenho essa ideia...”. E eu não sou esse tipo de pessoa. Por isso que eu me sinto incompreendido. Se eu tiver de falar eu falo. De Presidente da República, ou seja dos meus companheiros de serviço que me ajudam. Não tenho um meio termo que vai tentar se adaptar para que as pessoas vejam “ah, que beleza”, “ah, que legal, que fofo”. Eu vou sem máscara para todo lugar que vou, vou sem máscara. Não vou com essa máscara bonita para ver se caio bem para as pessoas. Não. A máscara é essa e essa aqui, feia ou bonita é essa mesmo. Às vezes eu tenho a sensação que as pessoas não estão preparadas para escutar o que eu tenho para falar. Eu me sinto incompreendido nesse aspecto, pode ser que não seja assim, mas uma das coisas que eu me sinto na maioria das vezes é que eu não sou uma pessoa de meio-termo.

– Eu gostaria que me respeitassem como sou, de corpo e alma, porque tudo que eu faço é de corpo e alma. Se estou no meu trabalho, estou de corpo e alma, com minha família, amigos. Eu gostaria que elas me vissem assim. Goste mais ou goste menos, quando elas olhassem para mim, quando eu abrisse a boca, ele está falando de corpo e alma. Mesma coisa que eu falei que a maioria dos repórteres não jogaram futebol. Você acha que o futebol é dentro do campo, e muitas vezes não é dentro do campo. É também o que você vive fora, bastidor, se você está bem fora de campo, isso tem que saber. Se você vai tocar a bola ali e seu corpo está desequilibrado, a chance de erro é maior. Se você vai fazer um cruzamento, a chance de erro é maior. Esses detalhes que só a gente sabe.

Daniel Alves no "Grande Círculo" — Foto: Reprodução

Antero Greco: Por que o jogador brasileiro gosta de jogar no exterior?
– Porque aqui não tem estabilidade. Você vai construir uma carreira aqui como? Eu tenho três meses aqui no Brasil e não sirvo. Sou o maior jogador da história do futebol e já começa a gerar debate se eu sirvo ou se não sirvo, se é isso mesmo ou aquilo. Cara, tenho três meses aqui no Brasil. Caramba, eu joguei oito anos no Barcelona, ganhei 23 títulos, porque tem estabilidade, não se constrói coisas de ontem para hoje. Se você faz um filho, você tem que esperar nove meses para o seu filho nascer. Sete ou oito, mas você precisa esperar. Ou você faz um filho hoje e amanhã ele já está ai?

Guilherme Pereira: Qual é o maior problema do futebol brasileiro hoje para que a gente esteja tão distante do futebol europeu?
– Estabilidade. Para mim essa é a palavra. Estabilidade de você poder construir realmente um clube de futebol. Eu estava citando agora nos bastidores o Barcelona. Uma criança de 11 anos joga do mesmo jeito que o primeiro time, treina do mesmo jeito do primeiro time. Tem um moleque de 16 anos no Barcelona jogando, se destacando. Por quê? Porque é educado para chegar assim. Aqui é isso, você tem que ganhar. Aqui dois jogos é o seu limite, já querem te mandar embora, você já não serve, então é bem difícil se construir coisas assim.

Guilherme Pereira: Você sente que os jogadores que vem da base para cá são mal formados no Brasil, apesar do talento?
– Eu sinto. Sinto que no Brasil tem uma qualidade individual incrível, tanto é que o jogador começa a se destacar aqui e os clubes já vem e retiram, porque sabem que o individual aqui do Brasil é o melhor lugar do mundo. Mas para se construir o coletivo não se tem. Por exemplo, veio um treinador estrangeiro, implementou uma filosofia de jogo coletivo e olha a diferença de jogo, de intensidade que há de um time para os outros. Por mais que os outros estejam competindo, tentando encurtar a distância, vai ser difícil.

Daniel Alves escolheu voltar para o São Paulo — Foto: Marcos Ribolli

Milton Leite: Você está preparado para a diferença de calendário no futebol aqui no Brasil?
– Estou preparado para jogar 70 jogos. Se jogar 70 jogos é sinal de que as coisas estão andando. Mas é difícil por causa da logística, viagens, gramado ruim... Eu até fui injusto em alguns momentos quando falei que não conseguiria assistir um jogo inteiro do Campeonato Brasileiro. Mas as condições levam a isso e agora estou vivendo na carne, por isso até pedi desculpas por essa declaração. Não é a mesma coisa você ver de fora e ver de dentro. As condições às vezes são diferentes. As condições não permitem ter precisão. Gramado, exemplo, você molha, vai para o vestiário e, quando troca a chuteira, está seco de novo. O jogo fica lento. Não consigo pôr intensidade no passe na bola, tem de usar outra força. Na Europa não, as condições são bem diferentes, encosta na bola e ela vai numa velocidade precisa. Aqui é mais complicado. Condição de viagem, você não viaja com avião só do clube, tem que ir no aeroporto, dividir com gente, normalmente não volta depois do jogo. Tudo isso acumula desgaste mental e físico, inevitável, mas é o preço que você paga para ser diferente dos outros.

Felipe Andreoli: Jogar no meio ou na lateral?
– Estão criando o "falso lateral" (risos). "O Dani quer jogar ali ou aqui". Não, o Dani quer aportar aos companheiros o melhor jogador que ele pode, fazer dos companheiros o que eles possam. E para isso preciso ter contato com a bola, e de lateral não pego tanto quanto quando venho para o meio. Eu me considero um jogador com precisão de passe muito elevada, mesmo que tenha dias que haja imprecisão considerável. É uma das coisas que mais trabalhei esse fundamento, e eu gosto de servir meus companheiros e fazê-los jogar.

Daniel Alves atua tanto de lateral como meia no São Paulo — Foto: Marcos Ribolli

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