Por que Uma Thurman não queria estrelar 'Pulp Fiction' e como Tarantino a fez mudar de ideia

Mas engana-se quem pensa que a atriz tenha aceitado o papel sem nenhuma hesitação. Na verdade, Tarantino precisou ser muito insistente para conseguir escalar sua Mia Wallace ideal.

Mia Wallace é uma das personagens de que Tarantino mais gosta em sua própria filmografia. Para o cineasta, a esposa do chefão do tráfico Marsellus Wallace (papel de Ving Rhames) é interessante porque é incrivelmente misteriosa – até mesmo para seu próprio criador.

"Eu não faço ideia de onde ela veio. Não faço ideia mesmo. Ela não é de outro filme, não é alguém que conheço, não é uma garota de alguma fantasia, não faz parte de mim, não representa um lado meu", comentou o diretor em bate-papo com a revista Creative Screenwriting em 1998. "Quando estava escrevendo aquela história, eu não sabia nada mais sobre a Mia do que o Vincent [protagonista vivido por John Travolta em Pulp Fiction]. Tudo o que eu sabia eram os rumores. Eu não sabia quem ela era, até a cena em que eles chegam ao [restaurante] Jack Rabbit Slim's e ela abre a boca. Então, de repente, essa personagem surgiu com seu próprio ritmo de fala. Eu não sei de onde ela veio, e é por isso que eu a amo."

Uma Thurman não foi a primeira opção para interpretar a personagem; segundo o site CheatSheet, Tarantino chegou a considerar artistas como Julia Louis-Dreyfus e Jennifer Aniston para o papel. Porém, essas duas atrizes passaram a oportunidade para frente porque já estavam envolvidas em séries que se tornariam os trabalhos mais famosos de seus currículos: Louis-Dreyfus estava gravando Seinfeld e Aniston, Friends.

Inicialmente, quem achava que Thurman combinava com a personagem era o agente da atriz, Jay Moloney, que incentivou sua cliente a conversar com Tarantino. Mas quando a artista se encontrou com o cineasta, preferiu discutir sobre assuntos pessoais, como sua família, em vez de focar no script de Pulp Fiction. A reunião incomum fez o diretor se lembrar de uma das cenas que havia escrito para o filme: quando Mia se encontra com Vincent no restaurante Jack Rabbit Slim's.

"São duas pessoas que não se conhecem. É uma situação estranha, meio incomum, porque eles estão juntos ali, mas enquanto encarar o sofrimento de encarar esse tipo de situação, acaba surgindo uma conexão... Uma e eu estávamos fazendo aquela cena. Estávamos vivendo o filme, sabe? Fui embora pensando: 'Nossa, quem é essa garota? Deus, ela poderia ser a Mia!'", lembrou Tarantino em conversa com a Rolling Stone.

Thurman não foi escalada logo após essa primeira conversa. Tarantino continuou avaliando outras atrizes; mas não demorou muito para ele perceber que realmente já havia encontrado sua Mia Wallace. O problema é que a grande escolhida estava muito relutante em aceitar a proposta.

“Eu não tinha muita certeza quanto a querer estar no filme,” Thurman admitiu à Vanity Fair. Os motivos dessa insegurança? O vício de Mia em heroína, os diálogos cheios de palavrões e o estupro que o marido da personagem sofre em Pulp Fiction. A atriz, então com apenas 23 anos, ainda se sentia muito apegada aos valores tradicionais com que havia crescido. Por isso, o longa lhe parecia "bastante assustador".

Além disso, Tarantino "ainda não era esse 'semideus' e auteur reverenciado que ele se tornou". "Eu não estava certa se queria fazer, porque estava preocupada com as coisas [da cena de estupro]”, adicionou.

Molony precisou entrar em ação novamente: vendo a hesitação de Thurman, ele pediu para Tarantino tentar convencê-la. O diretor então ligou para a artista e embarcou em uma longa defesa de Mia e sua visão para Pulp Fiction. “Tivemos discussões muito memoráveis e longas sobre estupro masculino versus estupro feminino", lembra Thurman. "Ninguém conseguia acreditar que eu poderia ter hesitado de qualquer maneira. Nem eu acredito, pensando em retrospectiva.”

O interessante é que, após aceitar o papel, a cena que mais deixou a atriz ansiosa não foi a da overdose de Mia. O que realmente a apavorou foi a sequência icônica em que a personagem dança com John Travolta (veja no vídeo a seguir). "É porque eu era muito desajeitada, envergonhada e tímida", justificou.

Após Pulp Fiction ser aprovado tanto pelo público quanto pela crítica, Uma Thurman e Tarantino voltaram a trabalhar juntos em Kill Bill: Volume 1 (2003) e Kill Bill: Volume 2 (2004). Além disso, após o sucesso de Mia Wallace, Thurman estrelou produções como Gattaca - A Experiência Genética (1997) e Batman & Robin (1997).

Confira o trailer de Pulp Fiction: Tempo de Violência abaixo: